plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Todo carnaval tem seu fim?
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Em tempos de cultura de cancelamento, o carnaval foi cancelado. Tem quem goste dele. E muito. Tem quem não. Tem gente de bloco. De clube. De escola de samba. De ver desfile na televisão. Para mim, é uma mistura de festa com descanso. Como um posto de combustível para pessoas: a gente para, abastece, calibra e segue a viagem pelo resto do ano. De qualquer forma, é marca da nossa cultura, é pedaço do nosso DNA e não poder celebrá-lo é algo significativo. Nem digo que é triste porque como diz Gal Gosta, em entrevista para o UOL, tristes seriam as consequências de um carnaval em meio a uma pandemia.

SEM CARNAVAL O ANO COMEÇA

O entendimento de que no Brasil o ano só começa depois do carnaval acaba nos deixando, neste ano, numa espécie de limbo: um 2020 que não quer terminar se une a um 2021 que não quer começar e, assim, seguimos por dias estranhos. É na falta que faz o carnaval que percebemos o quanto a pausa para a brincadeira é importante. No colorido do carnaval está o lúdico que nos renova. Junto com confetes e serpentinas distribuímos riso por todo canto. A purpurina nos coloca vaidosos da nossa capacidade de desfrutar. De deixar o amanhã para o amanhã e cada fantasia colocada tira um pouco a dureza da realidade.

FIM DE FESTA

E o que é que então nos põe de pé, o que é que nos dá ritmo e coragem diante de um dos períodos mais duros da nossa história? Se antes o carnaval já se fazia necessário, como é que a gente começa o ano agora que nem carnaval tem? Não tem - ou não deveria ter - clima de festa que resista a tudo que estamos passando no nosso país. Mas e de onde tiramos o lúdico que nos faz seguir em frente? De onde tiramos a malemolência, nosso jogo de cintura para continuar, se não pudemos colocar o bloco na rua e não tivemos a avenida pra ensaiar um jeito bom de levar a vida? É o momento de encarar o fato de que nosso país tem pouco a comemorar: estamos convivendo com mais de mil mortes por dia, altos índices de desemprego e de fome. Uma desigualdade monstruosa que só sabe aumentar. Um país que destrói floresta e que libera arma de fogo (não apenas uma, mas seis!). Um país que não garante a sobrevivência do seu povo mas que esbanja no alto escalão. Se regozija com dinheiro público, lombo de bacalhau e uísque 12 anos. Se refestela com 700 mil quilos de picanha e 80 mil cervejas. O cancelamento do carnaval no Brasil deveria ser um momento de reflexão, de crítica e sobretudo de indignação: tem uma farra que precisa ter fim, e não é a do carnaval.

Carlão
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Não sei vocês, mas eu conheço uma das pessoas mais medrosas do mundo. Ele tem medo de tudo! Além disso, acredita em tudo que contam: que manga com leite faz mal, que chinelo virado é morte da mãe, enfim, viver com a criatura é um suplício.

Com essa história de pandemia, estocou todos os remédios que disseram que curava o Covid-19: cloroquina, ivermectina, Annita, comprou soro, bombinha de bronquite e tudo o que uma UTI precisa para manter um paciente infectado vivo.

ENFIM, A HIPOCONDRIA

Viajar com o Carlão é pedir para passar pelo menos um dia numa farmácia. Chegando lá, ele conversa para saber qual a última novidade lançada para a pele, alergia, hipertensão, resfriado, tosse, má digestão, azia, dor de cabeça, meus sais! Para ser bem sincera, ele quer saber de remédio para tudo que pode acometer um ser humano. Nós chamamos Carlão de hipocondríaco, mas ele sempre nos diz que não tem mania de doença coisa nenhuma, ele se considera um sujeito prevenido. Portela, um amigo comum, diz que o problema dele não é mania de doença, é medo de morrer. Diz que Carlão tem tanto medo de morrer que, em época de pandemia, não atende telefone sem antes colocar a máscara, porque né, a gente nunca sabe...

Tudo que a gente comentar sobre Covid-19 o Carlão já conhece. Ele lê tudo e mais alguma coisa do que é publicado em jornal, revista, mídias sociais e quejandas. E fala apavorado de vídeos e notícias que assistiu na TV sobre a questão da vacina. O problema da vacina chinesa, a de Oxford, de todas as reações que foram detectadas por aí. Explica que recebeu um WhatsApp de um grupo de amigos, falando sobre o número de pessoas que tiveram o chamado choque anafilático, que a vacina da Pfizer trouxe reações terríveis, que isso, que aquilo... Conversar sobre isso com ele é pedir para ter pesadelos durante meses, porque, fala sério, ninguém merece...

ÚLTIMOS MOMENTOS (OU NÃO)

Lembram da N1H1? Com todo o medo do mundo, Carlão foi vacinado contra a gripe no Rio e a coisa não foi lá muito fácil. Pegou o carro e se mandou para o posto de saúde do bairro. Chegou lá e enfrentou uma fila descomunal, mas tinha prometido aos filhos que tomaria a vacina e ficou lá, lutando contra o calor e o medo. Enfim, chegou a sua vez. Ele olhou para os lados para ver se tinha alguma saída para o estacionamento, mas nada... A enfermeira já vinha com a seringa pronta, o infeliz do algodão embebido em álcool, logo, nada lhe cabia nesse latifúndio a não ser levantar a manga da camiseta, fechar os olhos e entregar para Deus.

Saiu do posto, entrou no carro, e começou a enxergar tudo embaçado. Sabia que estava morrendo, maldita vacina! Ia morrer de vacina! Ia voltando para casa, pensando que tinha que ver a mulher pela última vez, tinha que se despedir dos filhos. Dirigiu devagar e, chegando em casa, ligou para o posto, contando o seu problema e perguntando se deveria ir a um hospital. A moça que o atendeu foi super educada, e disse a ele que não precisava de hospital, que bastava ele ir ao posto novamente, porque deixara os óculos lá, em cima da mesa da enfermeira...

Aconteceu com Carlão há anos e já virou meme...


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