plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Avant Garde
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Assim como as pessoas, as letras têm nomes e famílias. Times New Roman, Arial, Helvética. Eu não sabia muito sobre isso até ter aulas de direção de arte. Avant Garde era um tipo de letra que minha professora Janea Kessler não simpatizava muito. Naquela época, os softwares para a composição de layouts tinham uma lista grande de fontes, mas essa era a primeira. Acontecia que nos trabalhos mais preguiçosos, a Avant Garde figurava indiscriminadamente. Embora não gostasse da fonte pelo mau uso, eu posso dizer: Janea foi Avant Garde. Foi vanguarda. Foi exemplo e inspiração. Fez escola e ensinou. Foi publicidade. Foi arte. Foi ensino.

PELO MUNDO INTEIRO

A publicidade é, até hoje, um lugar um tanto inóspito para as mulheres, principalmente na criação publicitária. Nessa área, mais de 80% das pessoas atuantes são homens, ainda hoje em dia. Agora imagine nos anos 1980. Mesmo naquela época, Janea foi, além de publicitária, diretora de arte e fundadora da agência Art & Meio. Grande parte da história da publicidade em Santa Maria foi escrita pelas suas talentosas mãos: como publicitária, artista, professora. Lecionando tanto na UFSM, quanto na UFN, formou profissionais da publicidade por quase 25 anos. Muitos dos alunos e alunas são hoje docentes pelo mundo inteiro. Seu impacto é imensurável: ensinou a fazer e a ensinar publicidade. Ensinou-me muito do que sei e do que ensino. Lembro de suas frases e da dedicação em cada disciplina. Lições não apenas sobre direção de arte, sobre ética publicitária, mas de amor pela docência. Sobre como construir bons layouts, mas também sobre como construir boas relações em sala de aula. Com ela, aprendi sobre a publicidade, mas também sobre a vida.

UM BELO LAYOUT

Janea partiu no dia 30 de março de 2020. Embora estivéssemos nos primeiros dias de isolamento social, o então recente contexto pandêmico impossibilitou as despedidas que gostaríamos de ter tido e que Janea merecia. Assim, no próximo sábado, dia 10 de abril, às 17h (horário de Brasília), amigos e amigas, familiares, colegas e ex-alunos e ex-alunas se reúnem para uma homenagem virtual à Janea Kessler (outras informações pelo email [email protected]). Janea foi ética e estética. Fez da sua vida o layout mais bonito. Foi tão irretocável quanto um anúncio que ela tenha diagramado ou um de seus quadros: teve equilíbrio, contraste, uma paleta de cores linda, movimento, proximidade. Tudo na medida certa. Janea foi uma unanimidade e é também unânime o sentimento pela falta que ela faz.

Tio Bastião
Eni Celidonio 
Professora universitária

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Ontem, fiz uma coisa que não faço há muito tempo: assisti à uma parte do Fantástico. Por que não assisto mais? Simples: é muita desgraça pra minha cabeça. Covid, Covid, Covid, mortes, mortes, mortes, lista de espera pra UTI, lista de espera pra UTI... Afffff... Ninguém merece!

Pois eu assistia ao programa e vi um juiz dizendo que estava injuriado porque o filho tinha sido preso. O filho dele foi preso, e ele estava furioso porque o filho foi preso com outras pessoas, com gente comum, com bandidos! O filho dele, de um juiz, preso com gente comum! Que horror! Onde já se viu isso: prender o filho de um juiz! E prender o pobre do sujeito que atropelou uma pessoa porque dirigia bêbado! Imagina! Só por isso! Um verdadeiro absurdo! Agora pensa se eu tenho obrigação de assistir a isso! Gente assim existe, meus sais! Na hora, lembrei do tio Bastião. Explico.

Tio Bastião morava na minha rua. Era um nortista forte, de pouca conversa, que dificilmente sorria. Mas era só um vizinho aparecer precisando de injeção, que lá ia o tio Bastião com sua seringa. Outro precisava de garagem? Tio Bastião emprestava um espaço lateral da sua casa, que ficava no centro do terreno.

Tio Bastião era a pessoa mais influente que a gente conhecia. Em pleno regime militar, alguns vizinhos iam sumindo, principalmente os que davam aula na UFRJ e tio Bastião lá. Compadre de generais, amigo pessoal do secretário de Segurança do Estado, com um cargo de assessoria num ministério, guardava num armário condecorações por serviços prestados às Forças Armadas: Mérito Duque de Caxias, Mérito Santos Dumont, Mérito Tamandaré. Mas ele não alardeava isso não. A gente sabia porque a filha dele nos contava, cheia de orgulho.

CONSEQUÊNCIAS

Pois um belo dia, chega o momento em que o filho do Tio Bastião tinha que servir ao Exército, dezoito anos, sabem como é... Todos disseram que ele provavelmente, aliás, provavelmente não, com toda a certeza não ia servir coisa nenhuma. O pai ia livrar o sujeito de usar aquela farda quente, acordar cedo, fazer a cama, e tudo aquilo que a gente sabe que os meninos sofrem com os sargentos.

E eis que o menino um dia desfilou pela rua com uma farda de soldado, e nós ficamos com cara de espanto. Meus sais! O tio Bastião fez o próprio filho servir o Exército! O menino foi servir no EMFA, na Praia Vermelha. Ia tudo muito bem até que chegou o Carnaval. O povo na rua, os clubes cheios, festa, festa e festa. O menino estava de serviço, mas o convite das ruas falou mais alto. Ele abandonou a guarda e se mandou pra rua.

Dias depois, o telefone toca na casa do Tio Bastião. Nós estávamos lá brincando com as filhas dele e ouvimos: "Tudo bem, e você? Ahhhhh, ele fez isso? Como assim o que eu faço? Faz o que você faria com qualquer soldado, ora bolas! Cadeia? Pois então, que seja: cadeia nele! Assim ele aprende". E desligou o telefone. Acho que não existe mais nenhum tio Bastião nesse mundo...

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