Kiss 10 anos

“Esquecer é negar a história”: autora do livro que inspirou série da Netflix sobre a tragédia da Kiss rebate críticas

Vitória Parise e Bernardo Abbad

Enquanto muitos querem esquecer o sofrimento, outros buscam dar voz à tragédia que tirou a vida de 242 jovens e deixou mais de 600 feridos no incêndio da boate Kiss. Mesmo antes da estreia, nesta quarta-feira (25), muitos comentários diziam que a série ‘Todo Dia a Mesma Noite’ estaria usando a dor para gerar entretenimento, mas, também, existem aqueles que concordam sobre a importância de relembrar o acontecimento que marcou Santa Maria. Com direção-geral de Julia Rezende, direção de Carol Minêm e roteiro de Gustavo Lipsztein, o drama foi inspirado no livro de mesmo nome escrito pela jornalista Daniela Arbex.

​Em entrevista ao Diário, Daniela Arbex conta que o principal objetivo da série é gerar uma profunda reflexão sobre o sistema judiciário do Brasil, além de mostrar a força dos familiares das vítimas que ainda lutam por uma resposta há 10 anos.

— Memória e justiça caminham juntas. Não é uma série sem função social, muito pelo contrário, ela tem uma função muito clara, que é de nos fazer olhar para as nossas cicatrizes e perceber o quão o sistema de justiça no Brasil precisa avançar. Não é à toa que as maiores tragédias brasileiras não tenham tido uma resposta do Poder Judiciário. Estamos falando da Kiss, de Brumadinho, Mariana, a gente está falando do Ninho do Urubu. Quando a gente toca nesse assunto é porque ele tem uma função específica que é fazer lembrar, porque esquecer é negar a história e o silenciamento só beneficia os réus e a impunidade — explica.

O audiovisual conta histórias reais

Produções baseadas em casos reais são produzidos há muito tempo no Brasil: ‘Pacto Brutal — O Assassinato de Daniella Perez’, ‘Elize Matsunaga — Era uma Vez um Crime’, ‘O massacre do Carandiru’ e ‘O Menino que Matou Meus Pais e A Menina que Matou os Pais’ — baseados no caso Richthofen — são alguns deles. A história se repete ao redor do mundo, e Daniela relembra algumas das obras que foram eternizadas nas telas de cinema:

— Através do audiovisual a gente pôde conhecer os horrores da Segunda Guerra MundialHolocausto, Chernobyl e também violações de direitos e injustiças que ceifaram vidas ao redor do mundo. Então, a série vem com toda essa potência de contar essa história para que não se repita — reforça.

A jornalista conta que não acompanhou as críticas, mas recebeu relatos de pessoas que assistiram à série e ficaram impactadas com a força dos familiares, sentimento que pode mudar a forma de enxergar a obra.

— Ao terem contato com essa dor, as pessoas conseguem ter empatia, conseguem se colocar neste lugar dessas famílias e entender que podia ter sido os filhos delas também. Eu compreendo que a série não vai trazer esses meninos de volta, óbvio. Mas, ela vai ajudar a permitir que outros filhos possam voltar para suas casas em segurança. Esse era um direito que foi subtraído, roubado desses jovens — reforça.

Na série, a trama da personagem Grazi, interpretada pela atriz Paola Antonini, também amputada, é inspirada na história real da sobrevivente Kelen Fereira, que perdeu a perna e teve 18% do corpo queimado no incêndio em 2013. Ela conta que acordou às 4h da madrugada para conferir a minissérie, mas os episódios só foram disponibilizados às 5h. Até as 9h da manhã, ela já tinha assistido tudo.


— Achei super importante tudo que foi falado e mostrado. Chorei muito, fiquei com o rosto inchado, como eu já imaginava. Acho necessário que as pessoas vejam e tenham empatia, se coloquem no nosso lugar. Somos muito julgados. A minha história é aquela ali mesmo que foi retratada. Só não recordo de ter reencontrado a pessoa que me salvou depois, como aparece em uma cena. Tudo muito parecido, eu amava dançar, pintar minhas unhas e colocar salto, igual à personagem. E foi isso mesmo que eu falei quando acordei e soube da amputação. Fiquei sedada por mais dias do que a personagem. Mas não importa, são detalhes. Tomara que as pessoas parem de julgar, é massacrante ser julgada. Eu ficava com um menino na época que me levou ao hospital no carro dele e depois realmente foi me ver em Porto Alegre, mas não aguentou a barra de permanecer comigo, como é retratado na minissérie — pontua Kellen.

Questionada sobre o que será feito com o valor arrecadado pela série, a autora do livro diz não ter conhecimento.




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