Em razão de viagem e da decorrente dificuldade para enviar ao jornal no tempo oportuno o texto da semana, fui à cata de algo já escrito ou pelo menos rascunhado, que fosse aproveitável e eu pudesse enviar à redação antes de viajar. Achei um texto escrito, há alguns anos, resultante de uma conversa que tive com um leitor sobre o que eu penso a respeito dos militares, pois, no entendimento dele, leitor, de minhas manifestações em textos para jornal ou em comentários de rádio, eu teria aversão a fardas. O texto permanece atual e reflete o que continuo pensando sobre o tema.
Não se trata de gostar ou não. Melhor, tirante meu apreço pelo pacifismo (não esqueçam, nos primórdios da formação de meu caráter, os jovens do mundo bradavam contra a Guerra do Vietnã os slogans “Paz e amor” e “Make love, not war”), não tenho nada contra militares. Não gosto é do quanto se gasta no mundo com a “indústria” da guerra. Se investíssemos em educação e produção de alimentos a metade do que já se investiu em guerras não haveria analfabetos nem famintos no planeta. Todavia, consideradas as questões geopolíticas, que envolvem interesses econômicos, soberanias nacionais, etc, admito razoável o provérbio latino “Si vis pacem, para bellum” (“Se queres a paz, prepara-te para a guerra!”), que tenta a justificar a existência dos exércitos.
Assim, entende-se a existência das forças de guerra. Aliás, em caso de conflito armado, quem encara a batalha? Se bem me conheço, eu jamais empunharia uma arma para matar alguém por razões políticas ou econômicas ou por disputas ideológicas e religiosas entre países. Para isso, goste-se ou não, é que existem forças armadas.
O que não gosto é que militares e civis tentem usurpar as funções uns dos outros. O que não gosto é que militares (vale para civis) me digam que livro eu posso ler, que peça de teatro ou filme eu posso assistir, que música eu posso ouvir e o que eu posso ou não dizer sobre o que penso da vida e do mundo que me cerca. Não gosto é de mordaças e de censura. Não gosto que, em nome de ideias ou crenças políticas, alguém prenda e torture alguém. Não gosto é que se institucionalize a violência e dela se faça tábula rasa. Não gosto é que, em nome de ideais que não representam a vontade da maioria, se rasgue a constituição, se afronte a lei, se afaste do Judiciário a possibilidade de julgar, de acordo com o Direito, o que é crime e o que não é, o que é ilícito e o que não é. O que não gosto é que se derroguem, com uso da força, os direitos fundamentais do contraditório, do devido processo legal e da ampla defesa. Não gosto é de arbítrio e de autoritarismo. É disso que não gosto. Fora daí, nada tenho contra militares, entre os quais possuo amigos. Aliás, até já recebi homenagem do Exército, o que não implica renúncia às minhas convicções ou admissão de que alguém possa se sobrepor às instituições republicanas, à Constituição e à lei. Nem que eu tenha esquecido de quão degradante é sentir-se vigiado, censurado e impedido de se manifestar livremente. Como certos movimentos parecem se repetir, acrescento: felizmente os tempos são outros e duvido que, hoje, os militares, em sua maioria, pensem em se aventurar pelos caminhos que resultaram nos danosos equívocos perpetrados em 1964.
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