Foto: Leandro Druzian (Arquivo pessoal)
Um dia após o anúncio da juíza Rosangela Maria Vieira da Silva, que decidiu que o distrito Recanto Maestro pertence a Restinga Sêca, moradores demonstraram surpresa e ainda buscam entender melhor a decisão. Muita gente comentava o assunto, mas não queria gravar entrevista, temendo ampliar a polêmica. No local, apenas a Associação de Moradores e Proprietários optou se manifestar sobre o assunto. O anúncio foi na segunda-feira (7), na comarca de Restinga Sêca. Parte do distrito de Recanto Maestro está atualmente vinculado a São João do Polêsine. A disputa tramita na Justiça desde 2011. Porém, a sentença não é definitiva, pois ainda cabe recurso à decisão judicial.
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O Recanto Maestro é um dos principais polos turísticos da Quarta Colônia de Imigração Italiana, que reúne nove municípios. No centro da disputa, um local com belas paisagens, morros e vegetação, além de hotéis, restaurantes, comércio e as Termas Romanas como um importante polo turístico da Região Central. O local tem seu berço educacional ligada à Fundação Antonio Meneghetti de Pesquisa Científica, Humanista, Cultural e Educacional, criada pelo professor italiano que dá nome à entidade. A AMF oferece cursos como Hotelaria, Turismo e Gastronomia, com estágios realizados por alunos nos empreendimentos do distrito.

Na prática, atualmente, as Termas Romanas, o restaurante Di Paolo, o Hotel Recanto Business e a Antônio Meneghetti Faculdade estão em terreno que já pertence a Restinga Sêca. A área mais próxima aos morros, que inclui a sede da empresa de informática Meta, mansões e a Fundação Antônio Meneghetti são considerados hoje de São João do Polêsine, mas, se a decisão judicial for mantida, passariam a pertencer a Restinga Sêca.
Diferentes opiniões
Na manhã desta quinta-feira (10), a reportagem esteve no Distrito do Recanto Maestro e também na área urbana de São João do Polêsine, onde o clima era de surpresa e divisão. Na praça central, em frente à Igreja Matriz do município de cerca de 3 mil habitantes, o agricultor Valderi dos Santos, 65 anos, afirmou:
– Como polesinense, de repente vou torcer que ficasse para cá, claro. Mas aí a Justiça que vai resolver, né? Porque a gente até nem sabia que estava na Justiça, sabia que eles estavam com esse negócio de disputa, mas soube hoje de manhã no rádio.
Ao lado dele, o aposentado Paulo Rosso, 67 anos, ponderou:
– Como o ‘pedaço’ menor é de Polêsine, seria melhor que o local ficasse com Restinga Sêca, dada a dimensão territorial – afirmou ele, que complementou dizendo que “a solução seria ceder o local de vez”.
No distrito de Recanto Maestro, palco da polêmica, o clima é de silêncio. Funcionários, estudantes e moradores ouvidos pela reportagem voltaram atrás após dar entrevistas e preferiram não se identificar, mas afirmaram que “está bom do jeito que está” e que a mudança para Restinga Sêca não seria ideal.
"Preocupação com a decisão"

A única manifestação oficial partiu da Associação de Moradores e Proprietários do Distrito Recanto Maestro (AMPRM) ao afirmar que, desde a origem do Recanto Maestro, em 1988, o projeto se consolidou como inovador e voltado ao desenvolvimento. A comunidade construiu ali, ao longo de décadas, uma “sólida identidade administrativa, social e cultural”. A entidade disse ainda, manifestar “respeitosa preocupação” com a decisão da juíza. [veja a nota mais abaixo]
A Faculdade Antonio Meneghetti (AMF), ligada à fundação de mesmo nome e com sede no distrito, informou que não irá se pronunciar.
Também foi procurada a Associação Comercial Industrial de Serviços, Agricultura e Turismo (Acisat) de São João do Polêsine, que respondeu inicialmente que “não tem as informações” e, depois, não retornou aos questionamentos da reportagem.
Relembre
Em 2019, uma proposta chegou à Câmara de Vereadores de Restinga Sêca para que parte do Recanto Maestro fosse considerada área urbana, possibilitando ao município cobrar IPTU. Antes disso, por ser considerada rural, a cobrança era feita por meio do ITR, de menor valor. O projeto foi aprovado e parte do distrito passou a recolher o novo imposto.
O que diz o processo
O Município de Restinga Sêca alega no processo que é "diretamente atingido pela supressão de parte do seu território", além do impacto sobre a arrecadação tributária e índices demográficos, utilizados para a obtenção de recursos federais. De acordo com a perícia realizada e anexada ao processo, a região de conflito – área de divisa entre Restinga Sêca, Silveira Martins e São João do Polêsine – existem dúvidas e discussões quanto a nascente do Arroio Araricá ou Porteirinha, além da discussão sobre "titularidade" da área onde está implantada localidade Recanto do Maestro.
Ainda de acordo com o processo, a "confusão atual" na tríplice divisa, se dá a nascente do Arroio Araricá que deveria ser o ponto de encontro dos três limites, de Restinga Sêca, Silveira Martins e São João do Polêsine, o documento diz que "não é o que ocorre, pois a nascente do Arroio Araricá está locada em dois pontos distintos, causando a discrepância tática com relação as leis de criação dos três Municípios".
No laudo, há duas opções: uma nascente no alto da serra (Opção 1) e outra mais abaixo, no pé da serra (Opção 2). A lei que criou São João do Polêsine descreve pontos que só batem com a nascente da Opção 1. Por isso, os técnicos da pericia escolheram essa.
Com a definição, os especialistas traçaram uma linha reta a partir da nascente até outro ponto. O Recanto Maestro fica abaixo dessa linha, o que significaria que está dentro do território de Restinga Sêca de acordo com o laudo.
Além disso, o estudo mostrou que há partes do mapa onde os limites dos municípios se sobrepõem, ou seja, dois municípios dizem que a mesma área é deles. Mas o Recanto Maestro não está numa dessas áreas de conflito. Ele fica numa parte bem definida e, segundo a Justiça e os técnicos, pertence a Restinga Sêca.
Confira a nota da Associação:
NOTA À IMPRENSA
A Associação de Moradores e Proprietários do Distrito Recanto Maestro (AMPRM), no exercício de sua missão institucional de representar os interesses da comunidade local, manifesta respeitosa preocupação com a decisão proferida na ação judicial que trata da definição territorial da localidade do Recanto Maestro.
Desde sua origem, em 1988, o Recanto Maestro se consolidou como um projeto inovador, voltado à promoção do desenvolvimento humano por meio da educação, ciência, cultura e empreendedorismo. A comunidade ali estabelecida construiu, ao longo das décadas, uma sólida identidade administrativa, social e cultural, desenvolvida em estreita cooperação com os Municípios de Restinga Sêca e de São João do Polêsine — este último, por sua proximidade, responsável pela prestação contínua de serviços públicos essenciais à população local.
A AMPRM, ao mesmo tempo em que reconhece o papel fundamental das instituições democráticas e respeita as manifestações do Poder Judiciário, reafirma a importância de que soluções que envolvem comunidades inteiras sejam construídas de forma dialógica e prudente, especialmente diante de realidades consolidadas e de significativa complexidade fática. Nesse espírito, a Associação já havia se manifestado pela conveniência de uma solução consensual, proposta que, inclusive, fora anteriormente sugerida pelo próprio Ministério Público, autor da ação. Acreditamos que o interesse público, sobretudo quando relacionado ao bem-estar coletivo, à coesão comunitária e à prestação eficiente de serviços públicos, pode ser promovido com maior eficácia por meio do diálogo institucional, da escuta ativa das comunidades envolvidas e da cooperação entre os entes federativos.
Seguiremos atentos aos desdobramentos da causa, cientes do compromisso com a legalidade e, sobretudo, com a construção de soluções justas, pacíficas, alinhadas e coerentes com a realidade vivida pela comunidade do Recanto Maestro.
Atenciosamente,
Diretoria da Associação de Moradores e Proprietários do Recanto Maestro (AMPRM)
Recanto Maestro, 10 de julho de 2025.