demarcação de terras

'Santa Maria pode ter direito afetado', diz indígena que acompanha julgamento do marco temporal

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O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira, o julgamento que discute se a demarcação de terras indígenas deve seguir o critério do "marco temporal". A votação começou no dia 26 de agosto, mas foi interrompida depois da leitura do resumo do caso pelo ministro Edson Fachin, relator do caso. Desde 22 de agosto, indígenas de todo o Brasil acamparam na Esplanada dos Ministérios em protesto contra o marco e em manifestação pelas ruas de Brasília.

Em Santa Maria, há duas etnias indígenas. Os caingangues com cerca de 50 pessoas, no Distrito de Arroio Grande, estão em um terreno do município. Já os guaranis, com 110 indígenas, integram a Aldeia Guaviraty, no Distrito Industrial de Santa Maria, na região oeste da cidade, em uma área pertencente ao Estado.

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Foto: Arquivo Pessoal
Rodrigo Kuaray Mariano, 28 anos, é indígena guarani egresso do Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)e assessor na comissão Guarani Yvyrupa. Ele acompanha o julgamento na capital federal desde o dia 22 de agosto. A votação em questão é percebido por Rodrigo como inconstitucional:

- O julgamento começou em 2009, mas nem chegou a ter a tese aplicada (marco temporal). Depois vários juízes começaram a aplicar a tese em processos de demarcação de terras. De lá para cá, tivemos muitas perdas no campo jurídico como anulação de demarcação e reintegração de posse. Em 2017,o parecer 007 da AGU obrigava a Funai e os entes administrativos aplicar a tese. Para a gente (indígena), é inconstitucional porque vai de encontro ao artigo 231 da constituição, que garante que o direito às terras indígenas é originário. Isso, a gente entende como muito antes do Brasil, pois "é de origem".


Outro aspecto analisado por Rodrigo é de uma eventual indefinição quanto à área onde estão os guaranis em Santa Maria:

- Se o STF aprovar a tese, a comunidade de Santa Maria pode ter seu direito afetado. Os impactos apontam para uma situação muito difícil porque nem há estudo de demarcação começado. Temos uma área que é objeto de cessão do Estado, onde temos um prazo determinado para permanecer no local (até 2032). E sendo a tese (marco temporal) reconhecida como constitucional, a comunidade quiser reivindicar outro espaço ou iniciar um processo de reconhecimento e delimitação de terra, pode ser afetada.
No Rio Grande do Sul, segundo o egresso da UFSM, há apenas quatro terras indígenas homologadas e outras regularizadas por objeto de compensação por empreendimentos. De 64 comunidades indígenas, só 22 têm segurança jurídica. As outras teriam direitos afetadas, caso haja uma reivindicação de remarcação , que é o caso da comunidade de Santa Maria.

O QUE É?
  • O marco temporal é uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988, quando entrou em vigor a Constituição Brasileira. Ao mesmo tempo, Câmara dos Deputados tenta transformar o marco temporal em lei por meio do Projeto de Lei (PL) 490/2007
  • O tema foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos em 2009 e arquivado em 2018. Porém, o assunto voltou à cena durante a campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que entre suas promessas estava acabar com "reserva indígena no Brasil".
  • A pauta é defendida pela bancada ruralista e instituições ligadas à agropecuária as quais defendem o marco, com apoio do governo Bolsonaro
  • Já os povos indígenas temem ser expulsos, perder direito a áreas em processo de demarcação, além de toda cultura estar sob constante ameaça

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JULGAMENTO
A votação conta com 39 sustentações orais. Fachin já apresentou voto no plenário virtual em junho, contra o marco. Segundo o relator "a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente, expressão maior do pluralismo político assentado pelo artigo 1º do texto constitucional".
Também em junho, a Procuradoria Geral da República apresentou parecer contra em que referiu que "o art. 231 da Constituição Federal reconhece aos índios direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, cuja identificação e delimitação há de ser feita à luz da legislação vigente à época da ocupação", escreveu o procurador-geral da República, Augusto Aras.(Com informações do site do STF)

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Renan Mattos (Diário)
Aldeia Guaviraty, no Distrito Industrial de Santa Maria, fica região oeste da cidade, em uma área per
tencente ao Estado

Funai X Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina
O recurso da Fundação Nacional do índio (Funai) discute a definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena. Um fato ainda em 2013 trouxe o tema à tona. É que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) havia aceito a tese do marco temporal ao conceder ao Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma) uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang. A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina.

A tramitação de processos sobre áreas indígenas estava parada desde maio de 2020, quando o ministro e relator Edson Fachin determinou a suspensão da tramitação de processos sobre áreas indígenas até o fim da pandemia da Covid-19, por entender que medidas como reintegração de posse poderiam agravar o risco de contágio do vírus. Ao deferir a suspensão, Fachin afirmou que os indígenas corriam o risco de ficar, "repentinamente, aglomerados em beiras de rodovias, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento". O tema foi retomado no dia 26 de agosto.

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