O perfil dos mais de 1,4 mil detentos e os desafios do sistema carcerário de Santa Maria

O perfil dos mais de 1,4 mil detentos e os desafios do sistema carcerário de Santa Maria

Foto: Nathália Schneider

Área externa da galeria masculina do Presídio Regional de Santa Maria

Isolados da sociedade, os presos vivem uma realidade que, ao mesmo tempo, aproxima-se e distancia-se daquela que está além das grades. As percepções sobre como deveria ser esse ambiente e o tratamento aos encarcerados geram debates, conflitos e polêmicas em meio à complexidade de um problema que não começa dentro das casas prisionais e não impacta apenas o condenado, mas afeta a comunidade como um todo.

+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp

Em Santa Maria, cerca de 1,2 mil pessoas vivem no sistema carcerário. A maioria dos casos está relacionada ao tráfico de drogas. Isso representa 0,5% da população total da cidade. Destes, também há 261 presos provisórios aguardando o julgamento do processo e 272 em regime aberto. Apesar da capacidade excedida, as casas prisionais da cidade não acompanham o cenário nacional de superlotação. Mas, demandas em relação à infraestrutura e aos serviços estão presentes nestes locais.

Os índices de Santa Maria, contudo, encontram-se com os dados brasileiros em um aspecto que ainda é um dos principais entraves que permeiam a criminalidade: o retorno ao sistema carcerário. Em Santa Maria, estima-se que a taxa de reincidência está próxima de 75%. Apesar da expectativa pela saída e por começar “novamente”, na maioria dos casos, essa esperança não se mantém, e o ciclo do crime e da insegurança se repete.

Soluções são pensadas há muito tempo, mas, até o momento, não foi possível encontrar um consenso de uma discussão complexa e que envolve muitas frentes. Em meio a mudanças e novos desafios, a rotina nos presídios de Santa Maria continua em busca do cumprimento adequado das penas e da ressocialização.

Nesta reportagem, saiba o perfil dos presos da cidade, a história de detentas que cumprem penas no Presídio Regional de Santa Maria, como a Vara de Execuções Criminais (VEC) e a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) atuam para manter o convívio e garantir os direitos das pessoas privadas de liberdade e como oficinas e atividades laborais ajudam na ressocialização.

Maioria dos presos está atrás das grades por conta do tráfico

Atrás das grades, o perfil dos detentos em Santa Maria é formado por jovens com mais de 25 anos, na maioria homens, brancos e de baixa escolaridade. O principal motivo que levaram-nos para a cadeia ainda é o tráfico de drogas. Furtos, roubos, homicídio e latrocínio também são crimes recorrentes entre os presos.

Dentre os encarcerados, mais de 220 são provisórios – estão detidos e aguardam julgamento. As duas casas prisionais do município não têm registro de superlotação, apesar de operarem acima da capacidade. 

A Penitenciária Estadual (Pesm), localizada no distrito de Santo Antão, é masculina e recebe detentos do regime fechado. Atualmente, são 741 presos e outros 217 estão detidos no local aguardando julgamento.

Já os homens que são condenados em regime semiaberto são encaminhados para o Presídio Regional, no Bairro Nossa Senhora Medianeira. Em torno de 193 homens estão no espaço. Todas as mulheres dos regimes fechado e semiaberto de Santa Maria e região, hoje, cerca de 73, também cumprem pena no local. Dentre a população deste espaço, 12 ainda não foram condenadas e aguardam julgamento.

No Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico, junto ao Presídio Regional, 32 presos provisórios são acompanhados com tornozeleira eletrônica.

Foto: Nathália Schneider

Cinco anos antes

Em comparação a 2018, o perfil atual da população carcerária permanece o mesmo, mas, agora, em maior contingente. Considerando todas as pessoas que fazem parte do sistema, incluindo aquelas que ainda não foram julgadas, em cinco anos, o crescimento foi cerca de 33% no número de presos em ambas casas prisionais.

Em 2018, enquanto a Pesm estava com sobra de vagas, o Presídio Regional funcionava com a capacidade excedida. Naquela época, havia um número menor de vagas na unidade mista da cidade. Desde então, houve a ampliação de 140 para 260 vagas.

2023

Total de detentos

  • Pesm – 958
  • Regional – 256 presos entre homens (193) e mulheres (73)
  • Total – 1.214

Tipo de regime

  • Fechado – 689
  • Semiaberto – 501
  • Aberto – 272
  • Total – 1.462

Provisório

  • IPME – 32
  • PRSM – 12
  • PESM – 217
  • Total – 261

Escolaridade

  • Ensino Fundamental completo – 248
  • Ensino Médio completo – 167
  • Ensino Superior completo – 23

Faixa etária

  • Maioria entre 25 e 45 anos

Estado civil

  • Maioria solteiro

*Os dados são referentes ao mês de agosto (entre os dias 8 e 23) e sofrem variação diária diante de novas entradas ou saídas das unidades prisionais

2018

Total de detentos

  • Pesm – 630
  • Regional – 213 presos entre homens (134) e mulheres (79)
  • Total – 843

Tipo de regime

  • Fechado – 432
  • Semiaberto – 233
  • Aberto – 119
  • Provisório – 189
  • Total – 973

Escolaridade

  • Maioria Ensino Fundamental incompleto

Faixa etária

  • Maioria entre 18 e 45 anos

Estado civil

  • Maioria solteiro e com união estável

Por dentro do Presídio Regional de Santa Maria

O Diário visitou o Presídio Regional de Santa Maria para conhecer a estrutura e conversar com as detentas que cumprem pena na galeria feminina. O juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) Regional de Santa Maria, Ulysses Fonseca Louzada, acompanhou a visita, assim como o diretor da unidade, Angelo Tasca, o delegado Thiago Nothen de Medeiros, da 2ª Delegacia Penitenciária Regional da Susepe, e demais servidores da Susepe. O Grupo de Intervenção Rápida (GIR) da 2ª DP fez a escolta.

Foto: Nathália Schneider

Antes de entrar, é preciso deixar celular e objetos pessoais guardados na portaria. Logo na entrada, à esquerda, um corredor amplo abriga as salas dos serviços administrativos. A cozinha também está nesta parte do prédio e, naquele momento, por volta das 10h30min, detentas estavam fazendo o almoço. Na direção contrária no corredor, já é possível ver as celas que separam os ambientes.

Por dia, cerca de 20 servidores da polícia penal trabalham no Presídio. As guaritas de observação são de responsabilidade da Brigada Militar. O local tem videomonitoramento 24h.

Logo após passar as primeiras grades, estão a enfermaria, sala de audiência e duas salas técnicas que estão sendo reformadas pelos detentos. Adiante, algumas celas já estão instaladas. Ainda neste primeiro corredor, é possível observar que a estrutura das paredes é antiga e está deteriorada.

Reformas

O cenário muda a partir do início da galeria A. Isso porque oito celas deste espaço foram revitalizadas. Foram investidos R$ 72 mil na reforma, que utilizou mão de obra de 10 detentos. Anteriormente, as condições do espaço eram precárias. As paredes, além de sujas, estavam desgastadas e com pichações. A fiação elétrica era solta e exposta. O piso estava danificado, os chuveiros eram altos e instalados quase em cima dos vasos sanitários.

Agora, é nítida a diferença. Celas, portas, grades e corredores estão pintados, o piso da galeria é novo e foram instalados chuveiros e sanitários. Também há pias para lavagem e uma bancada. Cada cela é compartilhada por quatro detentas.

Antes e depois das celas das galerias femininasFoto: Arquivo pessoal

Ao entrar nas celas, é possível ver as roupas das detentas estendidas nos varais dentro do próprio espaço, além dos pertences pessoais e itens de higiene organizados sobre as camas ou em estantes. Em algumas portas, estão coladas folhas de caderno com as regras das celas. “É isso o básico para vivermos um pouco melhor”, diz em uma das portas.

Na ala feminina também há uma cela com acessibilidade. O espaço foi inaugurado em 5 de junho e, até o momento, está conservado. Em poucas portas, há apenas algumas escritas.

Interior

Foto: Nathália Schneider

Enquanto a visita ocorria no espaço interno, as detentas estavam no pátio. Ao passar pelo acesso à área externa, algumas reclamam que não tem psiquiatra e que a comida é sem sal. Outras se dirigem até a grade para falar com o juiz da VEC e fazer pedidos sobre o processo. Louzada (foto acima, de azul) conhece as presas e lembra dos casos relatados, como os de duas mulheres que se casaram neste mês dentro do Presídio Regional. Elas se conheceram cumprindo pena e estão juntas há três anos.

Foto: Nathália Schneider

Já na ala masculina, os detentos estavam nas celas no momento da visita e não foi possível entrar para ver as instalações. O pátio desta parte do prédio estava vazio. Neste espaço, há apenas uma quadra de esportes. Assim como na área externa destinada para as mulheres, não há cobertura. As janelas das celas têm vista para esse espaço. Fios com roupas e toalhas se espalham nestas aberturas. As cercas no telhado nesta parte do prédio estão tortas e com pedaços de plásticos.

Conforme relata o diretor da unidade, Angelo Tasca, o prédio foi construído nos anos 80. Desde então, apenas manutenções e melhorias pontuais foram feitas, sendo que a reforma da galeria A feminina foi a única com maior abrangência.

Com a finalização desta reforma, agora, além do término de outra obra em andamento, as prioridades, segundo o diretor, são conseguir recursos para realizar serviços na cozinha e na área externa:

– Conseguimos concluir o projeto da galeria feminina nova com recursos da VEC. Conseguimos também uma verba por meio do Fórum de Restinga Sêca e estamos quase terminando a reforma da sala de atendimento técnico e a parte administrativa da enfermaria, em que ficam documentações e remédios dos apenados. Estamos sempre procurando melhorar, mas temos bastante demandas. Hoje, queremos melhorar a cozinha e já apresentamos projeto. Também queremos uma cobertura para o pátio – esclarece Angelo Tasca.

Entre celas e sonhos de um novo futuro

Joana*, 47 anos, cumpre pena no Presídio Regional há oito anos. Mas, isso é apenas metade do caminho, já que ela foi condenada a 17 anos. Neste período que passou na casa prisional, ela participou de várias atividades.

– Já trabalhei na cozinha geral, na cozinha administrativa, fui chefe de plantão, trabalhei na costura e estudei. Hoje, estou na limpeza. Fiz tudo que dava para fazer – afirma.

Agora, ela aguarda com expectativa a autorização para trabalhar fora do presídio e voltar somente para passar a noite. Como está no regime semiaberto, Joana tem a oportunidade de ter um emprego. Porém, ela não é natural de Santa Maria, e a carta de emprego que conseguiu é da sua cidade de origem, o que pode dificultar o processo:

– Consegui uma carta de emprego, mas não deu certo porque eram só três dias (na semana). Agora, consegui outra, que falta o juiz analisar. Mas, não tenho como vir para Santa Maria todos os dias, não tenho carro e nem dinheiro para voltar de ônibus. É bem complicado – menciona a detenta.

A distância também acaba impossibilitando a visita da família. Por isso, Joana não recebe sacolas, mas afirma que ganha os itens básicos de higiene, como papel higiênico, sabonete, absorvente, pasta de dente e escova. Quando não tem, a detenta relata que é preciso pedir para os servidores e que, se há no local, os produtos são entregues.

Em relação à convivência, Joana diz que nos oito anos de pena não teve complicações com as colegas:

– Nossa cela é tranquila porque cada uma entende a outra. Problema com as presas sempre tem em presídio, mas não nos envolvemos, não brigamos e respeitamos os guardas.

Para o futuro, Joana conta que tem tudo planejado:

– Quero trabalhar, ter o meu negócio, fazer de tudo para não me envolver com as pessoas erradas e não voltar mais para o presídio – espera Joana.

A realidade de Berenice

Foto: Nathália Schneider

Com menos tempo de pena, Berenice*, 49 anos, está há 11 meses no Presídio Regional. Na condenação, ela teve pena de nove anos em regime fechado, com possibilidade de progressão para o semiaberto quando cumprir três anos e sete meses. Desde que entrou na casa prisional, trabalha como chefe de limpeza no setor administrativo.

Berenice também retornou aos estudos. Ela, que tem a quarta série do Ensino Fundamental, conta que quando era criança precisou trabalhar e, por isso, não conseguiu seguir com os estudos. A detenta faz leitura de livros para remição de pena.

Berenice também não é natural de Santa Maria, mas a família, que reside em outra cidade da região, mantém contato durante as visitas nos finais de semana:

– Meus filhos vêm (me visitar). Minha mãe tem problema de saúde e não quer me ver aqui. (Se viesse) ela iria querer me levar embora, não teria coragem de me deixar aqui.

A apenada ainda relata que enfrenta um problema de saúde e que precisa de uma cirurgia. Quando chegou no presídio, ela até tentou prisão domiciliar, mas conta que o laudo médico não foi favorável, mesmo estando com a pressão alta, maior que 20, e com dois nódulos crescendo:

– Tenho dois nódulos na garganta. Me cuidam aqui por causa do meu problema de saúde. Nunca me faltou nada, só preciso ir ao médico lá fora. Preciso me tratar, fazer a operação para não morrer na cadeia.

Berenice também faz uso de medicação contínua e, quando precisa, conversa com a psicóloga, pois tem depressão.

Assim como Joana, Berenice tem planos para o futuro, sendo que o primeiro desejo é simples: caminhar na rua. Uma prática comum para quem não está no presídio, mas almejada por aqueles que vivem no cárcere:

– Primeira coisa é sair na rua, andar, andar, andar muito e pegar um ar. Arrumar um trabalho, sou mãe solteira, quero seguir assim porque vejo que os homens abandonam as mulheres aqui.

Foto: Nathália Schneider

Prisões da cidade operam acima da capacidade

As duas casas prisionais de Santa Maria operam, hoje, acima da capacidade de lotação. Apesar disso, o delegado da 2ª Delegacia Penitenciária Regional da Susepe, Thiago Nothen de Medeiros, afirma que isso não causa prejuízos para os detentos e para o efetivo da polícia penal que trabalha nos locais:

– Está um pouco acima da capacidade máxima, mas todos os presos têm lugar para dormir, têm colchão, ninguém está dormindo no chão, no caso. Então, estamos conseguindo manter essa situação – garante o delegado.

Saúde e educação

A Pesm conta com uma Unidade Básica de Saúde (UBS), que tem uma equipe médica que atua diariamente. Já no Presídio Regional, há uma enfermaria e um consultório odontológico. Um médico faz atendimentos uma vez na semana. Neste dia, entre 12 e 15 presos fazem consultas. Além disso, cerca de 40 detentos utilizam medicação contínua. Também há psicóloga, assistente social e nutricionista.

Além do atendimento às necessidades básicas, Nothen destaca que o trabalho prisional e a educação são prioridades para a Susepe. Na área educativa, os detentos podem terminar os estudos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Também está em tratativas a possibilidade de oferecer um curso técnico na Pesm e no Presídio Regional. Segundo o delegado, as duas unidades poderão ser um projeto piloto no Estado com o ensino profissionalizante.

– Queremos que a pessoa saia com alguma atribuição ou algum conhecimento para que tenha uma chance maior de não reincidir.

Também há a possibilidade de o detento realizar remição de pena por meio de leitura. Cada obra lida pode reduzir o tempo de pena do apenado. No Presídio Regional, dez homens e cinco mulheres fazem essa atividade.

– Temos um convênio com a Universidade Federal de Santa Maria para realização de cursos de teatro e da remição de leitura. Temos também as pastorais, que dão cultos para os presos – comenta o diretor do Presídio Regional, Angelo Tasca.

Cerca de 30% dos apenados exerce algum trabalho na Pesm

Na Pesm, 320 apenados exercem alguma atividade laboral, o que representa cerca de 30% da população do local. Já no Presídio Regional, em torno de 50 detentos participam de oficinas (19% do total de presos). A manutenção das unidades também é feita pelos presos.

– Na Pesm, tem fábrica de sabão, de ração, de quadros e padaria. Temos também a horta. Os presos receberam um curso profissionalizante para atuar na fábrica de ração e na padaria. No Regional, tem fábrica de costura. Quando começou a pandemia, foram produzidas máscaras para todos os servidores e para todos os presos da região – conta Nothen.

Estes são alguns exemplos do trabalho realizado dentro das unidades de Santa Maria. A Susepe também possui parcerias, o que possibilita com que os presos possam auxiliar em serviços de limpeza em espaços e repartições públicas como praças, Brigada Militar e Defensoria Pública, por exemplo.

Os detentos do regime semiaberto ainda podem trabalhar em locais da cidade, como explica o diretor do Presídio Regional:

– O preso semiaberto pode conseguir uma carta de emprego, fazemos a fiscalização e repassamos para o Ministério Público e para o juiz da VEC, que vai autorizar o trabalho. Para que ele possa trabalhar, transferimos o apenado para o Instituto Penal de Santa Maria, em que ele sai de manhã e volta pela noite, conforme horário de trabalho. Trabalhamos em conjunto para que o apenado saia do presídio com um trabalho lá fora.

Atividades laborais na Pesm

Fábrica de ração animal

  • Instalada em 2016 com recursos da VEC
  • Tem parceria da UFSM
  • Com insumos, a fábrica tem capacidade de produção de 160 kg de ração por hora
  • Recentemente, uma nova máquina extrusora foi adquirida
  • A ração produzida é destinada para os canis das penitenciárias do Estado, e a perspectiva é expandir para outros órgãos e entidades do município

Fábrica de sabão ecológico

  • Instalada em 2016 com recursos da VEC
  • Parceria com o Instituto Cenecista de Ensino Superior
  • Produção é voltada para utilização própria dos detentos
  • A estrutura permite a produção de 1,5 mil barras de sabão por mês

Padaria

  • Em 2016, o espaço da padaria passou por reformas custeadas com verba da Susepe
  • O maquinário foi comprado por meio do Programa de Capacitação Profissional (Procap), do Senac
  • Os presos tiveram capacitação de panificação e padaria
  • Por dia, são produzidos cerca de 3 mil pães

Horta

  • Foi criada em 2022 em parceria com a UFSM
  • Hortaliças, legumes e verduras e flores são cultivados na horta
  • O destino da produção é o próprio consumo da Pesm e também para a comunidade da cidade

Fábrica de quadros

  • Apenados produzem quadros de formatura a partir da demanda

Atividades laborais no Presídio Regional

Oficina de costura

  • Foi criada em 2020, na pandemia, diante da necessidade de confecção de máscaras
  • Tem parceria com a prefeitura
  • Já produziram uniformes para a Rede Municipal de Ensino, esteiras térmicas para pessoas em situação de rua e cobertores de retalhos para animais acolhidos por instituições da cidade

​​*A oficina de costura também funciona na Pesm

Revistas e operações

As revistas fazem parte da rotina da Pesm e do Presídio Regional. Diariamente, os servidores da Susepe fazem uma vistoria nas celas enquanto os presos estão no pátio.

Por mês, é feita uma inspeção geral, que inclui a revista pessoal dos detentos e conta com o apoio do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) da 2ª Delegacia Penitenciária Regional. Essa equipe é acionada sempre que são necessárias operações mais complexas ou apoio em escoltas.

– As revistas gerais, temos feito três por mês na nossa região. Normalmente, a Pesm e o Regional conseguem revistar uma vez ao mês, de forma geral, com os presos no procedimento, revista corporal de todos de uma galeria, pelo menos. Para isso, é feita uma operação com o GIR para procurar os ilícitos também – detalha o delegado.

Foto: Nathália Schneider

"Temos a visão de que essas pessoas têm que sair de lá recuperadas", defende juiz da VEC

A Vara de Execuções Criminais (VEC) Regional de Santa Maria foi criada em 2018 e abrange, além da cidade sede, outros municípios, como Agudo, Caçapava do Sul, Cacequi, Jaguari, Júlio de Castilhos, São Sepé e São Vicente do Sul. Atualmente, o juiz Ulysses Fonseca Louzada, além de ser o titular da 1ª Vara Criminal, também está à frente da VEC.

O trabalho da VEC começa no momento em que é emitida uma condenação por meio de vara criminal ou júri popular. Na prática, como o próprio nome indica, a VEC tem como papel garantir a execução das penas. Dentre algumas atribuições do juiz da VEC, estão: decidir sobre progressão de regime, autorizar saídas temporárias, converter penas alternativas em restritivas de liberdade (vice-versa) e fiscalizar a infraestrutura dos presídios.

– Somos responsáveis pela fiscalização e pela garantia dos direitos dessas pessoas (presas). Temos um regramento, a Lei de Execuções Penais (LEP), que proporciona vários direitos, deveres e obrigações dos condenados. Somos os fiscais dessa situação. É uma função até proativa, um pouco diferente dos juízes criminais porque somos a infantaria da Justiça Criminal, estamos no dia a dia, fazendo visitas, estamos tanto fora como dentro dos presídios, dentro da celas, em contato direto para ver se não existe nenhum ferimento ao direito e garantia dessas pessoas – explica Louzada.

Segundo o juiz, esse trabalho tem reflexo futuramente quando os condenados retornam para a vida em sociedade, quando saem da “ilha” e voltam para o “continente”, como refere-se Louzada.

– Às vezes, as pessoas têm uma ideia que o juiz da VEC só tem a função de garantir os direitos dos presos, não é isso. Quando falamos em direitos e garantias, não são só os individuais, mas são os individuais e os coletivos. O que fazemos é cumprir a Constituição Federal de modo que os presos cumpram a pena na sua integralidade de acordo com a lei. Ao mesmo tempo, temos a visão de que essas pessoas têm que sair de lá recuperadas porque, um dia, elas vão sair, não existe no Brasil pena perpétua ou pena de morte. Essas pessoas sairão e que tipo de pessoa, de cidadão, tu queres para ti, do teu lado, quando essas pessoas saírem? – questiona Louzada.

Foto: Nathália Schneider

Por um presídio feminino exclusivo

O juiz Ulysses Louzada relata que já presenciou casos de estrutura precária nos presídios. Por isso, a VEC busca viabilizar recursos para obras nestes espaços.

– O Estado não ajuda muito, mas deveria. Não deveria ser o juiz da VEC que proporcionasse verbas para manutenção dos direitos fundamentais dessas pessoas. Porque o dinheiro que tenho é oriundo de multas, de penas pecuniárias. Então, esse dinheiro deveria ser dirigido para causas sociais. Só que a situação que vejo é muito grave. Celas que têm sete ou oito pessoas sem qualquer tipo de abertura. Pessoas doentes. Sujeira intensa. Venho tentando ajudar nisso.

Recentemente, as galerias femininas do Presídio Regional de Santa Maria passaram por reforma. Antes do serviço, as paredes das celas estavam deterioradas, sem pintura e com pichações, além de terem fiação exposta. Hoje, o cenário é diferente diante dos investimentos que foram feitos no local.

Porém, Louzada reforça a importância da instalação de um prédio voltado exclusivamente para as mulheres. Até o momento, a região não conta com nenhuma estrutura feminina, apenas casas prisionais mistas. Neste mês, foi confirmado que, em breve, um presídio desse tipo será construído na região de Santa Maria.

– Na verdade, não temos nem presídio feminino. Temos locais no Estado que foram adaptados para presídio feminino. Presídio feminino em que o chuveiro tem 1m 50cm e, não, 1m 80cm. Presídio feminino que a mulher, mesmo presa, tem direito de ter filho. Tem o direito de ter uma cama ou cadeira para amamentar. Presídio em que ela terá absorvente. Isso é um presídio feminino. As pessoas falam “isso é bobagem”. Não é. “Mas, é presa”. Então, não devo dar absorvente para ela? Uma mulher disse para mim que quando estava no período menstrual usava miolo de pão (como absorvente). (Falei) “Como? Não pode!” Talvez esteja exagerando, não sou mulher, não nasci assim, mas acho que isso é elementar, absorvente, espaço para amamentar, chuveiro com altura correta. Isso é o mínimo da dignidade humana – defende Louzada.

75% das pessoas que foram condenadas volta a criminalidade

A recuperação dos presos, segundo o juiz Louzada, envolve incentivar a educação e o trabalho durante o cumprimento da pena. O principal objetivo é evitar a reincidência, ou seja, o retorno ao crime. Conforme Louzada, hoje, a taxa de reincidência em Santa Maria está em torno de 75%.

Segundo o juiz, o avanço das facções diante da ausência do Estado pode explicar a dificuldade de reduzir esse índice e também o porquê de tantas pessoas entrarem para a criminalidade:

– Temos três grandes problemas: saúde, educação e criminalidade. A criminalidade vai ganhar disso tudo porque esses órgãos faccionados dão saúde e a educação que eles querem. Isso é uma realidade, o Estado está perdendo para as facções por culpa do próprio Estado. As facções dominam exatamente no momento em que o Estado falha, pega na fronteira entre o Estado “dar” e “não dar”. Vai chegar um ponto em que não vamos mais ter como controlar essa situação porque tudo se caminha para o fortalecimento dessas forças negativas. Nosso desafio é muito grande.

Mais de 200 pessoas aguardam julgamento atrás das grades

Em Santa Maria, mais de 200 pessoas estão aguardando julgamento, sem pena definida pela Justiça. Em 2018, eram 189 presos nessa condição. Hoje, a maior parte deste público está na Pesm. A minoria encontra-se no Presídio Regional ou é acompanhada pelo Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico por meio de tornozeleira.

– Santa Maria tem muito (preso provisório), não vou dizer que não tem, porque tem muito processo. A pandemia contribuiu para isso, tivemos rescaldos, o processo da Kiss também contribuiu muito. Mas é normal, dentro de um contexto geral, não tem como porque não temos número de juízes suficiente para o número de processos que ingressam – diz Louzada.

Essa não é uma realidade apenas de Santa Maria. No país, dentre as mais de 830 mil pessoas que estão no sistema prisional, cerca de 210 mil são presos provisórios. Os dados são da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados em julho deste ano.

Debates sem consenso e polêmicos permeiam o sistema prisional do país

População carcerária e condições dos presídios não são temas novos no Brasil. São décadas de debates que envolvem vários recortes temáticos, que não ficam restritos ao mundo acadêmico, aos órgãos de segurança ou ao Judiciário, já que impactam diretamente na sociedade como um todo. 

Dentre algumas das discussões em que não há consenso e, em alguns momentos, até causam polêmicas, estão os presos que ainda não têm condenação e aguardam, detidos, o julgamento; e direitos garantidos aos apenados durante o cumprimento da pena.

Para esclarecer os assuntos, o Diário conversou com Luis Gustavo Durigon, doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professor do Departamento do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM.

Foto: Nathália Schneider

“Os índices carcerários nos dizem quem são os presos no Brasil”

Em Santa Maria, 261 pessoas estão no sistema carcerário aguardando julgamento. No Rio Grande do Sul, o número sobe para 13 mil. Já no Brasil, são 210 mil presos nesta condição, o que representa cerca de 25% da população prisional do país.

– A “prisão pena” exige um trânsito em julgado, com sentença penal condenatória. A “prisão sem pena” ainda tem um processo em andamento, não tem decisão definitiva. A depender dos doutrinadores, encontramos outras nomenclaturas, como prisões provisórias ou cautelares. Gosto da expressão prisões cautelares porque já indicam a necessidade de requisitos, que é a cautelaridade, ou seja, essas prisões existem ou deveriam existir como exceção, e não como regra. Podemos prender cautelarmente? Sim, quando houver requisitos. Essa é a questão – explica Durigon.

O especialista destaca que, assim como em outros debates do Direito, não há consenso diante da complexidade do tema, o que faz também com que não se tenha uma resposta absoluta para o problema. Pelo contrário, conforme Durigon, é preciso uma análise que considere fatores diversos. Exemplo disso, é considerar a presunção da inocência, preservada para todos, inclusive, para as pessoas que se encontram nesta condição de prisão cautelar.

– Isso não significa que não devemos prender cautelarmente no Brasil. Por óbvio, em alguns casos temos a necessidade da prisão cautelar, como real ameaça à testemunha ou perigo de fuga da comarca em que responde o processo. Às vezes, esses requisitos surgem, o que vêm a trazer a legitimidade das prisões cautelares nesse âmbito.

O professor ainda traz um olhar da criminologia crítica sobre quem é o preso cautelarmente no país.

– Se formos para as comarcas regionais, teremos um diagnóstico micro da realidade macro brasileira. Os índices carcerários nos dizem quem são os presos no Brasil hoje. Não são os crimes de colarinho branco, de Direito Penal Econômico, de lavagem de dinheiro. Isso não quer dizer que (essas pessoas) tenham que ser presas cautelarmente. Volto a dizer, se houver requisito, se prende. Caso não, responde em liberdade. Mas, está muito claro, olhando para os dados, que uma boa parte da população encarcerada é de negros, jovens, (em razão) do tráfico de entorpecentes, com um índice grande de prisões cautelares em volta dessas variações – salienta Durigon.

Foto: Nathália Schneider

A demora nos julgamentos

Em relação à demora dos julgamentos, o professor Durigon destaca que, a partir de 1988, o crescimento da legislação penal provocou, consequentemente, a criação de mais demandas para o Judiciário. Dados do 17º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que a população carcerária quase triplicou entre 2002 e 2023. Em 20 anos, o número saltou de 239 mil presos para 832 mil detentos no país.

Segundo o professor, antigamente, reformas na legislação tentaram resolver o problema dos presos cautelares:

– Tivemos uma grande reforma na legislação criando as medidas cautelares alternativas à prisão, inclusive, trazendo um dispositivo que permite um diálogo ao contraditório antes da decretação da prisão. Esse dispositivo, de uma certa forma, foi esquecido sob o argumento de que se há um pedido de prisão e se vai ter um debate com a defesa antes do juiz despachar, o réu poderia fugir e poderia perder a eficácia da medida. Posteriormente, tivemos outra alteração legislativa para que a cada 90 dias se tenha, efetivamente, a revisão da prisão e não simplesmente se mantenha a prisão porque já havia sido determinada anteriormente. Esses dois dispositivos me parecem pontuais nesse contexto e vimos nos tribunais uma relativização. Então, às vezes, o processo penal encontra uma certa resistência até na aplicabilidade dos seus institutos.

Foto: Nathália Schneider

Os direitos garantidos aos presos

Luis Gustavo Durigon destaca que os direitos garantidos às pessoas presas são centrais na execução penal:

– O Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou o ‘Estado de Coisas Inconstitucional’ do sistema penal brasileiro – cita Durigon.

A expressão refere-se à violação de direitos fundamentais, neste caso, dos detentos prisionais.

– Quando você comete um crime, perde os direitos de liberdade. Você não perdeu ou não deveria perder os demais direitos que são assegurados em um Estado que se diz democrático e constitucional. Muitas vezes, há uma certa confusão, “perdeu liberdade, perdeu tudo, não tem dignidade”. Não pode ter direito ao médico ou até de ter a sua expressão religiosa, mas isso tudo está assegurado na execução penal – esclarece o professor.

Conforme a Lei de Execução Penal: “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. A assistência será material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa”.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Ponte sobre Arroio Bossoroca, na BR-290, segue com trânsito bloqueado para veículos pesados Anterior

Ponte sobre Arroio Bossoroca, na BR-290, segue com trânsito bloqueado para veículos pesados

Brasil amplia meta de redução de emissão de gases de efeito estufa Próximo

Brasil amplia meta de redução de emissão de gases de efeito estufa

Notícias