Valderez Oliveira: seu professor de história não lhe contou isso

Redação do Diário

Confira o texto da coluna Opinião da edição impressa do Diário de Santa Maria desta segunda-feira (23).

Valderez OliveiraProfessora estadual inativa e ex-servidora do Judiciário

Do título não me recordo, mas o assunto de hoje me reporta a um filme futurista – e estamos quase lá – quando as certidões de nascimento eram substituídas por chips implantados nos cidadãos, a fim de que todos os instantes de vida fossem gravados, do primeiro ao último suspiro. Quando houvesse necessidade de um replay, bastava ficar em frente a um computador e a tela mostrava o que o sujeito havia feito no passado, do mais recente ao mais remoto de sua história de vida. Evidente que o artifício se prestava ao esclarecimento de contravenções e crimes, e o enredo girava em torno do tema. Mas também servia à eternização da pessoa, que podia ser “visitada” pelos parentes com a imagem de suas passagens pelo mundo, numa espécie de cemitério digital. Possível daqui a algumas dezenas de anos? Eu diria que sim.

Longe de discorrer sobre as perplexidades da tecnologia que nos brinda com um metaverso ainda confuso, temos de aplaudir a derrocada da história oficial nos currículos dos tenros anos de escolaridade de nossas crianças. É claro que, há muito tempo, nada gira em torno do “quem descobriu o Brasil” ou “quem é que rezou a primeira missa”. A linearidade e a decoreba parecem ter sido definitivamente abolidas das matrizes curriculares. Mas o crivo da oficialidade, o selo dos vultos famosos, a narrativa de conquistas, guerras, heróis e descobertas parecem não ter abandonado o imaginário de muitos que historiam por aí. E com escassa percepção de espacialidade, temporalidade e, ainda, sensorialidade, minha geração engoliu conteúdos sem identificação, pertencimento. Muito menos interesse, sabemos. Felizmente, tudo se modificou.

Há que se aplaudir as reformas feitas nas matrizes curriculares do ensino de história. Ou alguém duvida de que temos crianças-sujeitos-históricos mais ativos do que em um passado mais recente? A vivacidade, as argumentações, as inserções opiniáticas no mundo dos adultos se prestam a inúmeras outras “histórias” de compadrios e convivências ouvidas com frequência. Se existem implicações de outras fontes, não há que se menosprezar a escola e seu trabalho inicial de construção de identidade social do aluno. Tal reconstrução, baseada no conhecimento de si mesmo e de seu ambiente, de suas origens, de sua comunidade, como iniciação, foram as variantes cujo resultado é mais visível. De Cristóvão Colombo, só vale o conto do ovo.

Pode-se avaliar, em outro momento, as falhas em outras habilidades, notadamente em português e matemática, como os reclames apontam. Mas é memorável que se tenha conseguido, mediante a valorização da história de vida individual de cada um, em detrimento do relato de um passado morto, o surgimento de outras competências. Talvez não esteja presente uma única causa. Mas é um indicativo.

Sem me aventurar na perspectiva dos nichos holográficos, que nos aguardam num futuro não tão distante para armazenar nossa passagem pelo mundo, eu diria que maiores transformações nos aguardam. Basta olhar a linha de tempo que nos separa das perguntas decoradas para a sabatina e a chegada na sala de aula com cada um sendo a própria pergunta. A diferença é grande.

Talvez chegue o dia em que a verdadeira história seja a das gentes comuns, os invisíveis. Mas ainda existirão memoriais, museus, relatos de guerras, terras, descobertas e nomenclaturas de notáveis.

E nós? Seremos o conto em que ninguém conseguirá aumentar um ponto.

Leia o texto de Liliane Duarte

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