plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Tempo, tempo, mano velho
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Abri uma página em branco para escrever sobre o tempo. Antes mesmo que eu soubesse como começar, lembro que salvei, no Instagram, uma reportagem sobre esse tema. Só salvei. Para parar e ler quando tivesse um tempo. Não tive. Nem de parar, nem de voltar na tal reportagem. Minimizei a página em branco e fui procurá-la. Quero ler antes de começar o texto.

Abri o Instagram. Respondi uma mensagem. Uma curtida aqui, outra ali. Rodopiei um pouco pelos stories. Me perdi. Não sei quantos minutos estou por aqui. Fechei e voltei para o documento em branco: o que era mesmo que eu tinha ido fazer? A reportagem! Para chegar até ela, passo pelo meu perfil, desatualizado, quem sabe eu troco a foto? Uma notificação no Whatsapp interrompe o meu questionamento. Uma mensagem do trabalho que respondo por áudio. Mais fácil, porque aqui, no meu tempo mais real de todos, estou nanando o meu bebê. Consigo finalmente chegar na reportagem. Passo os olhos e penso: longa? não terei tempo suficiente para ler tudo isso. Seleciono alguns trechos. Fecho a reportagem. Fecho o Instagram. Fecho o WhatsApp. 

Agora, mais livre dos tentáculos das redes sociais, consigo emergir, quase sem fôlego, do capote digital. Volto para o meu tempo, volto para o meu texto. E, cinchando as rédeas da minha própria atenção, aqui estou eu.

UM ACORDO COM O TEMPO

A tal reportagem da Revista Gama dizia que para a socióloga britânica Rebecca Coleman, o mundo digital revela três "agoras" diferentes: o agora em tempo real, o agora alongado e o agora eliminado. O agora em tempo real é aquele mais imediato, que exige uma resposta como as mensagens e notificações das redes sociais. O agora alongado é o flanar em busca de conteúdo: que pelo próprio infinito das timelines é uma atividade sem fim. E, por último, o agora eliminado, quando percorremos as tramas digitais para "matar" algum tempo, enquanto esperamos por uma consulta médica ou por um ônibus, por exemplo.

MEU TEMPO É QUANDO

Outros agoras geram uma atenção um tanto dispersa. Além disso, uma pesquisa da Deloitte diz que nove em cada dez pessoas no Brasil usam o celular para trabalhar fora do expediente. Assim, além de termos nossa atenção fracionada, quase que o tempo todo divida entre o que está ao nosso redor e o que está na tela, o que está na tela é, na maior parte das vezes, trabalho. Torna-se necessário reaprender o presente, conectar-se com o aqui. 

Quantos agoras você está vivendo enquanto lê esse texto? Entre os tantos agoras do mundo digital, entre todas as urgências do mundo conectado, o seu tempo é quando?

E daí?
Eni Celidonio
Professora universitária

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Eu tenho telefone fixo! Sim, eu tenho esse objeto que está cada vez mais obsoleto nesse mundo de internet. Vocês já repararam que ninguém mais usa telefone? Pois é, mas eu tenho. Para quê? Para conversar com robôs. Eles sempre ligam e, no início, eu me irritava. Agora, talvez pela pandemia, talvez por estar sofrendo de solidão, eu fico ouvindo tudo que o robô tem a me dizer até que a ligação cai e pronto.

Geralmente, esses robôs ligam para o telefone fixo para oferecer serviço de telefonia móvel. É uma gracinha: "Boa tarde! Você já tem Oi blábláblá...", e eu fico ouvindo como se não houvesse amanhã. Não sei qual é a graça, mas eu me sinto nos Jetsons conversando com uma mulher que fala exatamente a mesma coisa um milhão de vezes. E nem fica rouca!

Agora, sério, nada é mais divertido do que os avisos que recebo pela internet. Começo com um raio de Academia.edu que me manda um e-mail por semana dizendo que "The name E. Celidonio was mentioned in a paper by someone in... "(o lugar depende da mensagem). Gente! E daí? Eu não estou nem aí se my name está sendo mencionado aqui, no Zimbabue ou na Tanzânia! Eu não perguntei, não tenho curiosidade de saber! Que coisa mais chata.

Ali ali, quase na mesma vibe, vem o tal do TAG Livros. Eles começam com um "Ei, consegui um presente lindo pra você: seja um dos primeiros assinantes para ganhar..." Como assim? Você consegue um presente e eu tenho que assinar? Que presente é esse? É Natal? Meu aniversário? E tem outra mensagem em que eles me lembram que estas são as últimas semanas para garantir um brinde exclusivo da pré-venda do livro tal, que não tem ainda no Brasil. Ok... Faz assim, pega o brinde e dá de presente pra sua vovozinha. Quando eu quero ler alguma coisa, eu compro na Cesma ou na Athena, quando não compro na Amazon para o Kindle. O que faço nesses casos: deleto sem dó nem piedade.

Agora, o que me leva ao Eden, mesmo, são os avisos do tipo "Aviso Caixa: Prezado cliente, favor validar o seu dispositivo" ou "Caixa Econômica: dia xx/xx, terça-feira, localidade Brasília, IP:xxxx tentou abrir a sua conta. Acesse xxxx em foco. Protocolo externo", detalhe: nunca, jamais em tempo algum, tive conta na Caixa Econômica. Recebo trocentas mensagens pedindo para realizar meu cadastro para evitar bloqueio, mas bloqueio de que, exatamente? Ora, vamos ser mais profissionais? Primeiro, procurem saber se a pessoa tem conta nesse banco, meus sais! Assim não dá!

Agora, nesta semana, me ligaram para atualizar o cadastro do Banco do Brasil. Eu atendi e a criatura veio com aquele blábláblá: "esta conversa está sendo gravada para a nossa segurança (nossa de quem, cara pálida?), gostaríamos de confirmar seus dados":

- Tudo bem?

- Aham...

- Eni de Paiva é a senhora?

- Aham...

- Seu nome está correto?

- Não, está incompleto.

- A senhora poderia falar qual é o complemento?

- Ué... Não é pra confirmar o cadastro do Banco? Fala o que você tem aí e eu confirmo ou não, oras...

- Mas a senhora tem que me responder!

- Tenho é? Só uma perguntinha: vale nota?

E a criatura desligou na minha cara. Que sem graça essa gente de banco, credo...

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