plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Então é Natal
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Então é Natal, e o que você fez? A música de Simone, para além de ser o clichê sonoro da época, contém um ponto interessante de reflexão. Nessa época, a correria com presentes, viagem, encerramentos e férias das crianças. No trabalho, todo tipo de meta, parecer e relatório. Um processo de aceleração e de querer dar conta de uma quilométrica "to-do list". Quase uma maratona que nem sabemos muito bem porque corremos. Mas calma. Embora pareça, pelo tanto de agitação, não é o mundo que vai se acabar. É só o ano. Tem até um termo para isso: holiday burnout, ou a exaustão no final do ano, que acomete principalmente as mulheres, por, comumente em nossa sociedade, estarem sobrecarregadas com as tarefas do trabalho, do cuidado com a casa e com as crianças. Preparar ceias, comprar presentes, arrumar malas. Carregar, mentalmente, planejamentos, listas, cronogramas, e isso somado à louça, à roupa de todos os dias.

E O QUE VOCÊ FEZ?

Em 2021, essa gincana natalina ganha alguns obstáculos: a falta de traquejo social, fruto do período de isolamento, a ansiedade em rever a família e, ainda, o receio de que os encontros, ainda que limitados, possam trazer algum risco para a saúde. Mil itens para riscar em mil listas e tempo zero, às vezes até para fazer a própria lista de tarefas. A pergunta da Simone gera a necessidade de parar e respirar fundo. Olhar para o ano que passou como quem flana pelas páginas riscadas do calendário. Dias de luta, mas, olha bem, que tem uns dias de glória também. Dias atrás, em uma aula, perguntei sobre os ritos de réveillon e uma aluna me disse que, durante o ano, anota todas as conquistas em papeizinhos. No final, abre cada um deles para lembrar aquilo que o ano teve de bom.

COMEÇA OUTRA VEZ

Um livro que consegui terminar e a vida da personagem que mudou a minha vida, o dourado de um pôr do sol seguido do nascer da noite que começou com uma estrela só e, depois, virou um lurex. O prazer de almoçar com calma. Um disco que conheci. Uma caminhada com meu filho e uma palavra nova. Aprender e ensinar algo. No frigir dos ovos de 2021, as máximas de que "estamos bem" e "com saúde", valem muito no Brasil, que perdeu mais de 600 mil pessoas para a Covid e que vem perdendo outras tantas para a fome. Não se trata de ficar feliz apenas na comparação da vida com outras vidas, mas de reconhecer o nosso privilégio e, por outro lado, se dar o direito de celebrar. De saber que a gente fez o nosso melhor. Lembrar que o ano termina e começa outra vez.

Ouçam seus pais, crianças*
Eni Celidonio
Professora universitária

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Os nossos pais falam, chamam a atenção, explicam, mas não adianta... A gente só entende quando vira pai ou mãe, ou quando cai na armadilha. Meu pai tinha pavor de apelido. Ele dizia que costume de casa vai à rua, e um dia ficaríamos em situação constrangedora, chamando um advogado de doutor Nenê. Vejam bem, não falo daqueles que são usados para determinar um defeito, ou uma condição, tipo "quatro olhos", "baleia" etc. Falo daqueles que a gente traz da infância, geralmente como um irmão mais novos nos chama, os pais assimilam, os parentes utilizam e pronto! Está inaugurada uma nova identidade.

QUEM?

Ao lado da casa dos meus pais, morava uma família que, até hoje, eu não sei o nome das pessoas. Era Cacau, Ica, Dedê, Vivi, e por aí ia. Havia um time inteiro na minha rua, com apelidos os mais variados. Mas, sério, eu nunca havia visto um lugar com tantos apelidos como Santa Maria! Só de Neca e de Mano conheço um monte. Não falo da maneira de reduzir os substantivos, como "refri" para refrigerante, "zela" para zelador... Não! Falo de apelido mesmo, de tal maneira que, quando a gente utiliza o nome da criatura, surge a pergunta: quem? Exemplo simples: meu amigo Adalberto. Sempre que falo nele com alguém, vem o: "Ah, o Toco"!

Eu, como sou aquela que nem viu onde colocou a cabeça, peguei a mania por osmose. Aqui no meu prédio tem a Noca, Na UFSM, no meu departamento, tem a Tuca; No CAL tinha o Titi... É um tal de apelido que às vezes a gente nem sabe mais com quem está falando.

Pois bem.... Os padrinhos da minha filha, meus vizinhos queridos, primeiros amigos que tive aqui na cidade, têm três filhos: a Rita, a Maristela e o Wolnei. A Rita sempre foi a Rita, mas a Maristela sempre foi Dedé e o Wolnei sempre foi o Preto. Sempre! Só que enquanto eles eram pequenos, tudo bem, mas hoje eles são médicos, não pega bem, né? Eu chamo meu médico de PA, e não é que um dia, para marcar uma consulta, eu ligo para o consultório e peço para marcar uma hora com o doutor PA?

A menina me disse que não tinha nenhum PA naquele consultório. Agradeci, deixei passar uns dias e tornei a ligar, repetindo "doutor Paulo Afonso, doutor Paulo Afonso, doutor Paulo Afonso". Triste!

E chega o momento de fazer aqueles exames que só as mulheres fazem: os malditos preventivos. Marquei a consulta e fiz todos os exames pedidos. Fui fazer a mamografia, que chamo de misto quente de mama, (só as mulheres que já fizeram entenderão) e começa a anamnese: nome, idade, quando surgiu a primeira menstruação, caso de câncer na família, já operou as mamas?

- Já, respondi.

- Qual delas?

 - Não lembro, tem trinta anos, mas o doutor Paulo Afonso deve lembrar.

- Eu disse Paulo Afonso! Não disse PA! Fiquei orgulhosa de mim! Alvíssaras!

E a menina continuou: fuma? Alguma doença como diabetes?

- Sim, tenho diabetes.

- E quem trata a senhora?

- A Dedé...

TÓÓÓÓÓÓÓÓÓIIIIIINNNNNN!!

*Este artigo foi originalmente publicado na edição de 30 de março de 2021.

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