Atílio AlencarProdutor culturalAcho preciosas as formas que o povo de uma cidade, ou ao menos algumas frações da população, inventa para expressar afeto e intimidade em relação a um lugar. Em Santa Maria, venho me familiarizando com essas designações pitorescas desde que cheguei aqui, e, embora não seja um nativo, suponho que já posso reivindicar algum conhecimento acerca do tema. Até porque, dada a característica de transitoriedade que marca a cidade, não faria sentido algum exigir um certificado de naturalidade como quesito de participação ativa nos processos culturais que se desenvolvem no cotidiano santa-mariense.Entre as primeiras expressões que me intrigaram, preservo na lembrança a graça que achei ao ouvir meus colegas e veteranos se referindo à extinta Boate do DCE como “dec”, aplicando um anagrama que era, ao mesmo tempo, uma alcunha afetuosa e um código de comunicação que distinguia os leigos e os devotos da legendária festa universitária. A intimidade contida nesse jogo de linguagem aparentemente simplório revela, acima de tudo, uma dinâmica viva que atualiza os símbolos e as relações que mantemos com os espaços, reconduzindo-os pela mão até o lugar comum da prosa, do popular e do linguajar pedestre.Outros exemplos que me vêm à mente são “Camóbis” (para Camobi) e “Carola” (para Bairro Carolina), sem falar no “Bombril” (Centro de Atividades Múltiplas Garibaldi Poggeti) e o famigerado “Buraco do Behr” (Viaduto Evandro Behr). Vale lembrar que essas denominações são afetivas, mas não necessariamente elogiosas, evidentemente.De todas as manifestações santa-marienses de familiaridade e pertencimento, a minha preferida é a abreviatura de “Ita” aplicada ao Parque Itaimbé. Minha relação de amor com o parque é antiga, e gosto de me manter a par de tudo que circula no imaginário local quando o assunto é esse lugar tão querido pelas pessoas e, ao mesmo tempo, desprezado pelas administrações públicas. Lembro que a gurizada da banda Guantánamo Groove escolheu o parque como tema para uma canção que logrou razoável sucesso alguns anos atrás. E volta e meia, circulando por lá, ouço a turma que bate uma bola ou apenas lagarteia nas quadras chamá-lo assim: Ita, simplesmente.Semana passada, fui convidado por um grupo de alunas do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFN a falar sobre minha relação com o Itaimbé, para o projeto (Com)Vida. A ideia é abordar o espaço urbano desde uma perspectiva afetiva, no sentido em que os lugares são mais do que cenários, mas também produtores de sentido para as nossas vivências. A iniciativa inclui ainda passeios guiados pelo parque, sempre pontuados por relatos de gente que encontra no Itaimbé um percurso de valor biográfico e sentimental. Achei uma bela maneira de chamar atenção para a importância do Ita no cotidiano da cidade.
Leia o texto de Luiz Gonzaga Binato de Almeida
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