santa maria

Juiz do caso Kiss pretende realizar Tribunal do Júri até o fim do ano

Marcelo Martins

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)
O magistrado Ulysses Fonseca Louzada é titular ainda da 1ª Vara Criminal e do Tribunal do Júri

Com a segurança de ter estado à frente de mais de 1,4 mil júris, ao longo de 29 anos de magistratura, o juiz Ulysses Fonseca Louzada se prepara para conduzir talvez aquele que seja o maior desafio de sua carreira. À espera da publicação do acórdão (decisão) do processo principal do caso Kiss, por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que decidiu por levar os quatro réus ao Tribunal do Júri -, Louzada mantém a tranquilidade e a tecnicidade necessárias para tratar do tema.

Sabedor que esse episódio é o desfecho final da tragédia da casa noturna que ceifou a vida de 242 jovens e que deixou mais de 600 pessoas feridas, Louzada mesmo assim se mantém fiel e estritamente atento à leitura dos acontecimentos. Com um apego que é próprio à liturgia do cargo, o magistrado afirma estar pronto para marcar a data do tribunal popular. Se depender dele, e havendo tempo hábil, a meta é que isso ocorra até o fim do ano (veja no vídeo abaixo). A exemplo de 2016, quando proferiu que os quatro réus seriam levados à júri, Louzada reforça o entendimento de que esse é o tribunal habilitado para que, então, a comunidade santa-mariense decida quanto à tragédia de 27 de janeiro de 2013. 


Após decisão do STJ, júri popular do Caso Kiss pode acontecer neste ano

Com o devido distanciamento e sem emitir qualquer juízo de valor sobre o processo principal, Louzada conversou com a reportagem, na tarde da última segunda-feira (24), por cerca de 30 minutos, no Fórum. Ele lembrou o extenuante trabalhado iniciado em 2013 e que seguiu até julho de 2016. Neste período, ao todo, foram 215 pessoas ouvidas de forma presencial e também por carta-precatória (quando a pessoa ouvida não mora na cidade) e, apenas na reta final, que ele obteve, do TJ, dedicação exclusiva para tocar o processo principal. A voz tranquila e pausada evidenciam que, no que depender do magistrado, a peça processual dará todas as condições para que a comunidade decida qual deve ser o destino dos réus. 

STJ decide que réus do caso Kiss vão a júri popular

Além do processo principal da Kiss - que somado os anexos chega a 22 mil páginas -, Louzada é titular da 1ª Vara Criminal que tem 2,6 mil processos ativos e com uma média 1,2 mil audiências por ano. Além disso, é ele o titular também do Tribunal do Júri. Durante as quase três décadas de atuação, Louzada - que iniciou na zona sul (passando por Pelotas e Rio Grande) -, também trabalhou em mais de uma dezena de outros municípios. Sendo que, em Santa Maria, ele atua desde 1995.

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista concedida pelo magistrado ao Diário:

Diário de Santa Maria - O STJ ainda não comunicou oficialmente o senhor da decisão. Tão logo isso ocorra, o senhor acredita que consegue marcar a data do júri para quando?
Ulysses Fonseca Louzada - Ainda tenho que aguardar a publicação do acórdão (por parte do STJ) e, após isso, vencido o prazo, até porque acredito que não tenhamos recursos, minha meta é planejar uma logística para a realização do julgamento. Mas isso depende de muita coisa, podemos ter vários requerimentos e outras variáveis que são próprias de um processo desses. Agora, na verdade, eu tenho de aguardar essa publicação. Depois poderemos dizer qual caminho a seguir. A ideia é designar data e posso dizer que, depois da sentença de pronúncia, que ocorreu em 2016, estou pronto. Tenho uma certa experiência em júris, não se trata de mais um júri, mas também não há nenhuma dificuldade, até porque tenho uma caminhada. Esse é um júri que exigirá uma logística diferente.

Diário - Mais próximo do cenário real, qual a logística necessária para o júri? 
Louzada - No momento, não há como se dizer ou se sinalizar nada nesse sentido, até sob pena de sinalizar com algo que não proceda. É lógico que não se deve ter pressa demasiada nem uma demora muito grande. A virtude está no meio termo. Ou seja, nem apressar demais nem retardar muito. Há, agora, uma caminhada a ser percorrida, como questões de segurança, por exemplo. Até porque necessariamente teremos de conversar com as pessoas, sejam elas da acusação, da defesa. O juiz tem que conversar com as partes. Até porque temos o mesmo objetivo: dar uma resposta jurisdicional que venha ao encontro do que a lei determina. Obviamente que cada um com suas teses, e temos que respeitar isso. Desde o início, eu trouxe como bandeira que o processo penal é um procedimento em contraditório e cabe ao juiz traçar uma caminhada paritária.

Diário - Ainda assim, o que o senhor estima de pessoas envolvidas para fazer o júri?
Louzada - Esse é um processo diferenciado, nem mais nem menos importante. Os atores processuais sempre foram muito competentes em todos os sentidos. Durante todo esse julgamento e, até o momento, sempre todos se mostraram competentes. Não há como se fazer qualquer projeção e, conforme os fatos aparecerem, nós vamos trabalhando para o julgamento. A ideia final é que, no julgamento, tanto a acusação quanto a defesa tenham a possibilidade na sua saciedade de vingarem com suas teses. E o resultado vai caber aos jurados e ao povo de Santa Maria dizerem o que, realmente, deva ser aplicado para aquela situação que aconteceu. Qual a melhor decisão? Essa foi a sentença de pronúncia (em 2016) e não foi em nenhum sentido de condenar ou absolver. A informação foi que se tratava, em tese, de delito contra a vida e quem deveria decidir se houve crime é o povo de Santa Maria.

Diário - O senhor vislumbra que o júri possa ocorrer até o fim deste ano?
Louzada - A minha ideia é essa. Se eu tiver prazo hábil para viabilizar essa logística, sim. Dentro de um prazo razoável, eu poderia, sem qualquer requerimento ou situação que me demande um prazo de tempo maior, sim. Reforço: em eu tendo tempo hábil, para viabilizar a logística e em não havendo nenhuma situação que traga uma demanda maior, eu consigo (marcar a data).

Diário - O senhor acredita que a defesa de algum dos réus possa pedir a transferência do júri para outra cidade?
Louzada - Até pode fazer parte esse tipo de recurso. Mas a própria legislação é muito específica a respeito disso. O próprio Código de Processo Penal colocou que nos crimes, em tese, dolosos e praticados e consumados contra a vida, a competência é do Tribunal do Júri, e isso quer dizer o quê? Que quem tem que julgar é aquela comunidade. E ela é quem tem que dar a resposta e dizer se aquele fato é crime ou não. Outra comunidade dar resposta a outra comunidade diferente, será o certo? Não me parece que é isso o que diz o legislador. Ele só retira (a competência da comarca) em casos excepcionais. E esse é um fato que teve repercussão mundial. Aí, então, se tiraria daqui e levaria para onde? Para Marte, para Júpiter?

Diário - Ao se debruçar no caso, o senhor ouviu testemunhas, os réus e sobreviventes. Quais fatos mais lhe chamaram a atenção?
Louzada - Na reta final, quando eu já estava para dar a sentença de pronúncia e com quase toda instrução feita, foi que tive dedicação exclusiva. Eu ouvi, nesses cerca de três anos e meio, 215 pessoas e, inclusive, tive depoimentos que duraram cinco horas, seis horas. E a dedicação exclusive foi apenas no final do processo. Eu ouvi e fiz tudo juntamente com a demanda da 1ª Vara Criminal e trabalhando com os outros processos. Tanto que aquele ano (2016) foi um dos anos mais produtivos, o que demandou um esforço físico e mental maior. Aí, lá na reta final, o Tribunal de Justiça me concedeu a dedicação exclusiva. Mas isso foi algo de três a quatro meses. Posso dizer que tudo que poderia ser alegado consta e está dentro do processo. Afirmo, seguramente, que se pegares todas as teses de acusação, que a assistência de acusação fez e, ainda, que os brilhantes defensores fizeram, tudo está dentro do processo. Esse é um caderno processual formado com todas as provas necessárias. O que o processo penal faz é uma reprodução histórica, até porque a gente não tem como voltar ao fato. Então, sempre buscamos reproduzir, juntamente com as partes, o que aconteceu. Não existe uma verdade. Qual a verdade? A gente faz uma reconstrução. Assim, a comunidade uma vez, vendo, ouvindo e sentindo, poderá decidir com tranquilidade e serenidade.

Diário - O senhor analisou exaustivamente o caso e, agora, voltará a fazê-lo no júri. O que poderia mudar?
Louzada - Mudar, não. O que o Tribunal do Júri tem de belo é justamente essa dialética. A minha bandeira sempre foi a do contraditório. A maior parte das pessoas, da acusação e da defesa, acompanhou todo o processo e produziu as provas. E, com o passar do tempo, as coisas vão amadurecendo tanto para um lado quanto para outro. E eu, realmente, queria ouvir a visão delas hoje e ouvir a manifestação e o resultado do trabalho que percorreram e as provas que produziram.

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