Para que não se repita

ENTREVISTA: Cezar Schirmer fala sobre vida pessoal e profissional após cinco anos da tragédia da Kiss

Cinco anos depois da tragédia da boate Kiss, o Diário entrevistou Cezar Augusto Schirmer, prefeito de Santa Maria à época do incêndio e, hoje, secretário de Segurança do Estado. As respostas foram concedidas somente por e-mail, na última sexta-feira. Segundo a assessoria de Schirmer ele evita falar sobre o assunto ao telefone.

Citado por improbidade administrativa, o ex-prefeito foi indiciado no inquérito civil que investigou a concessão de alvarás municipais para a boate, mas teve o processo arquivado pelo Ministério Público, ainda em setembro de 2016. Na entrevista, abaixo, ele fala de como lida com o rótulo de "prefeito da Kiss" e diz que sempre se manteve solidário aos pais de vítimas, sobreviventes e à cidade. . Relata, que também, que optou por em silêncio mesmo quando a política partidária quis explorar a tragédia.

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

ENTREVISTA

Diário de Santa Maria - Desde que assumiu o cargo, quais ações, propostas e resoluções em geral associadas à tragédia foram implementadas no Estado? 
Cezar Schirmer - Estamos implementando todo um conjunto de regulamentações e melhorias do sistema de fiscalização. A própria estruturação do Corpo de Bombeiros Militar, agora com autonomia e separado da Brigada Militar, permite maior agilidade na construção e na atualização dos regulamentos de segurança contra incêndios, na capacitação do pessoal responsável pela fiscalização e na melhoria das condições de atendimento à população, tanto na fase preventiva quanto na resposta a emergências. 

Diário - E, atualmente, o que está sendo feito? Alguma ação futura?
Cezar Schirmer - Atualmente a SSP elegeu como prioritário o aperfeiçoamento do SISBOM, que é um sistema de informações que permite ao Corpo de Bombeiros Militar dispor de um maior número de dados, e em menor tempo, sobre as edificações e locais de risco de incêndio que possuam plano de prevenção contra incêndios protocolados junto à corporação. Aliado a este sistema, estão sendo executados em todo o RS programas de capacitação do quadro de pessoal dos bombeiros, inclusive com a realização de cursos em outros estados e no exterior, permitindo maior amplitude no alcance da prevenção, da fiscalização e no combate a incêndio. Há de se referir, ainda, o chamamento e formação de mais de 520 bombeiros militares, em 2017, que já atuam em todo o Estado. E, em 2018, a realização do maior concurso das últimas décadas para a área da segurança pública, com 6.100 vagas, sendo, destas, 500 destinadas ao Corpo de Bombeiros Militar. Além disso, a nova legislação que desvinculou os Bombeiros da Brigada Militar estimula a criação de bombeiros comunitários/voluntários, em parceria com os municípios, além de outras inovações que farão do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul uma referência para o Brasil. 

Diário - A secretaria está fazendo algo para garantir a implantação da "Lei Kiss"? De que forma? Está fiscalizando?
Cezar Schirmer - A lei federal 13.425/17, embora tenha sido um marco para vários Estados brasileiros que não dispunham de uma legislação de segurança contra incêndios, para o Rio Grande do Sul não houve muitos efeitos diretos. A lei estadual 14.376/13 já traz a maioria dos dispositivos previstos pela lei federal e por parte da legislação estadual anterior - o Estado possuía as leis 10.987/1997 e 10.991/1997, e o decreto estadual 37.380/1997, com dispositivos muito claros e importantes sobre a prevenção e a ação fiscalizatória do Corpo de Bombeiros Militar. A regulamentação da segurança contra incêndios no RS, a fiscalização e aplicação das penalidades tem um formato muito mais rígido desde 2013. Um grande avanço da lei federal está na obrigatoriedade de inclusão de conteúdos de segurança contra incêndios nos cursos de engenharia e arquitetura, bem como nos cursos técnicos, o que irá trazer significativa melhora no padrão de segurança das edificações. 

Diário - A lei Kiss foi alterada, depois chegou a ser flexibilizada e sempre é polêmica. Como o senhor avalia essa lei?
Cezar Schirmer - Este é um assunto eminentemente técnico. Pode ser abordado com maior conhecimento pelos especialistas. Mas, é importante referir que as alterações foram elaboradas em conjunto com o Conselho Estadual de Segurança, Prevenção e Proteção Contra Incêndios (COESPPCI), que é um órgão representativo da sociedade e dos órgãos públicos, composto por profissionais especialistas na matéria, oriundos de 23 entidades distintas, antes da minha nomeação para a Secretaria da Segurança Pública.Quero registrar, no entanto, que o nosso país tem uma prática histórica de que, diante de um problema grave, de uma tragédia ou de uma situação diferenciada, criam-se novas leis ou modificam-se leis antigas, como se o problema fosse resolvido com estas mudanças legislativas. Na verdade, mais importante do que mudar a norma legal é mudar a cultura de tolerância ou de não cumprimento da legislação, não só por parte de órgãos públicos, mas também pelas instituições privadas, a quem efetivamente compete o dever de cumprir as normas, independentemente de ter ou não um fiscal, todo dia, na porta de cada estabelecimento. 

Diário - Como se dá a relação do Estado com o município de Santa Maria em relação aos desdobramentos da tragédia.
Cezar Schirmer - Enquanto fui prefeito, criamos o Acolhe Saúde para prestar um atendimento prioritário aos familiares e sobreviventes, com a contratação emergencial de 42 profissionais da área da saúde e assistência, sem nenhuma ajuda financeira, nem do Estado e nem da União, que se constitui numa referência para o Brasil. Criamos também a Superintendência de Resiliência, com intuito de articular políticas para a redução de riscos e colocando Santa Maria como partícipe do Projeto Mundial das Organizações das Nações Unidas (ONU) "Construindo cidades resilientes: Minha cidade está se preparando", entre outras medidas à época adotadas. 

Diário - O senhor ficou conhecido como "o prefeito da Kiss". Transcorridos cinco anos, como lida com esse rótulo?
Cezar Schirmer - Eu fui o prefeito da UPA, do SAMU, do Hospital Regional. Da municipalização do aeroporto civil e do Distrito Industrial, da Azul Linhas Aéreas, da KMW e do Shopping Praça Nova, da construção do Tecnoparque, da criação da Agência de Desenvolvimento (ADESM) e das leis da Inovação e de Apoio à Micro e Pequena Empresa, da Imembuí Microfinanças, da recuperação da Escola Municipal de Aprendizagem Industrial (EMAI) e dos programas de incentivo à produção rural. O prefeito do Natal do Coração, do Balonismo, da Tertúlia Musical, do Pátio Rural, do Sesc Circo, do Simpósio Internacional de Escultores. Da revitalização da Avenida Rio Branco, das novas cores à Vila Belga e da reforma do Museu de Artes de Santa Maria (MASM). Do Clube 21 de Abril. Da Escola de Circo e da Banda da Urlândia, do Polo Histórico, Cultural, Turístico e Gastronômico do Centro Histórico, da reforma de praças e da viabilização da área e dos planos de manejo para novos parques na cidade, como o Jockey Clube, Pallottino e do Morro. Do monumento ao gaúcho, dos pórticos do avião, do blindado e do helicóptero. Do Centro de Artes e Esportes Unificados. Da transferência dos camelôs das ruas para o Shopping Independência, transformando ambulantes em microempreendedores. Da construção do Viaduto da Gare, da duplicação da Avenida Hélvio Basso, da conclusão da Avenida Dom Ivo, do asfaltamento das avenidas Florianópolis, Liberdade, Independência e de mais 200 quilômetros de ruas, da instalação de seis mil novos pontos de luz, da entrega de mais de três mil casas populares e da regularização fundiária. O prefeito da Guarda Municipal, das mais de 700 câmeras de videomonitoramento instaladas em toda a cidade e da Central de Videomonitoramento. Do Sistema Integrado Municipal (SIM), que transformou o transporte público com a padronização e renovação da frota, bilhetagem eletrônica, passagem integrada, biometria facial e acessibilidade, e dos 300 novos abrigos de ônibus. Da ampliação dos prefixos de táxis e da nova legislação para transporte individual. O prefeito do investimento em educação, das reformas e ampliações em 32 escolas, da construção da Escola Municipal Maria Lourdes de Castro, dos programas Leitura no Coração, Matemática em Ação e Malhando Cérebro, da elevação dos índices do IDEB a patamares superiores aos estipulados pelo Ministério da Educação e do Prêmio Qualidade em Educação. Do apoio às entidades de assistência social. Das academias ao ar livre. Da gestão administrativa, dos planos de Mobilidade Urbana, Saneamento Ambiental, Desenvolvimento Rural, Cultura, Turismo, Educação e Informática, dos programas Caminhe Legal e Anuncie Legal. Da informatização da saúde e da educação. Do piso do magistério, com mais de 100% de reajuste, dos aumentos reais aos servidores e das finanças em dia. As circunstâncias me colocaram na prefeitura quando ocorreu a tragédia. Diante da dimensão do fato, entendi desde o começo que Deus tinha colocado sobre os meus ombros uma missão. E a ela me dediquei de forma intensa e reservada. Muitos me criticaram pelo silêncio. Falei pouco e poucas vezes. O silêncio foi o tributo que paguei para pacificar, criar uma base de solidariedade, conforto e união para a reconstrução de nossos lares, nossas famílias e nossa cidade. Imaginem o prefeito, numa tragédia destas dimensões, entrar em polêmicas, conflitos, ataques, insultos, agressões verbais? Mantive-me em silêncio mesmo quando a política partidária quis explorar a tragédia. Como ser humano, pai, cidadão e ex-prefeito, fui, sou e serei sempre totalmente solidário aos pais, aos amigos e às famílias das vítimas e dos sobreviventes. Foi um momento extremamente doloroso para mim, minha família e para todos os santa-marienses. Quem em Santa Maria não sofreu com tamanha tristeza? O Diário de Santa Maria me colocou este rótulo. De toda a imprensa brasileira, foi o único de veículo de comunicação que resumiu a minha gestão de oito anos a este rótulo. O que posso fazer? Não sou o proprietário do jornal e nem seu editor. Também, nesta questão, o meu silêncio é a melhor contribuição que posso dar. 

Diário - O que, na sua visão avançou e o que cidade avançou em cinco anos?
Cezar Schirmer - Santa Maria teve muitos avanços ao longo dos últimos anos. Alguns deles, enumerei acima. Outros, podem ser notados no dia a dia. Para se ter uma ideia, Santa Maria é a 4ª melhor cidade para a abertura de novos negócios do Estado, a 3ª melhor cidade em qualidade de vida e gestão pública do RS, a 35ª cidade brasileira para investir e a 50ª cidade do país mais inteligente e conectada. São pesquisas divulgadas em anos anteriores pela Revista Exame. A cidade tem que estimular o empreendedorismo. Santa Maria possui todas as características para se tornar uma referência para o país em desenvolvimento econômico, empresarial, turístico, cultural, de saúde e de educação. Para tanto, é preciso reduzir o grau de conflito e acirramento político. Santa Maria tem que se ver não apenas como a 5ª maior cidade do RS, mas como a capital de 75% do território do Estado, capital da metade oeste. 

Diário - Santa Maria aprendeu com tudo isso que aconteceu? E o Estado e o país?
Cezar Schirmer -Este triste momento tem que deixar um legado, uma aprendizagem, um ensinamento. Não pode cair no esquecimento. Não somente na saudade das famílias que perderam seus queridos, mas na compreensão de todos os brasileiros de que a prevenção, os cuidados com espaços coletivos públicos ou privados, a resiliência, devem fazer parte do cotidiano das nossas vidas. Às vezes, aquilo que parecia impossível acontece de forma brutal e devastadora. A gente nunca imagina que pode acontecer conosco, na nossa vida ou na nossa cidade. Mas pode acontecer. Sempre, todo o cuidado é pouco. E isso não é só das autoridades públicas; é de todo o cidadão. 

Diário - O que precisa melhorar?
Cezar Schirmer - Há uma frase do presidente Kennedy, em seu discurso de posse, nos Estados Unidos: "Americanos, não perguntem o que o seu país pode fazer por vocês, mas o que cada um pode fazer pelo seu país". Esta é a chave da mudança e da melhora. Se cada um olhar para dentro de si, tentar melhorar, e deixar de olhar o seu vizinho, é sinal que estamos no rumo certo. 

Diário - O senhor se arrepende de alguma decisão durante seu segundo governo em Santa Maria? Por quê?
Cezar Schirmer - 
Sinceramente, não me arrependo das decisões que tomei a frente do meu segundo governo. Reconheço que o segundo mandato não esteve à altura da nossa expectativa, por óbvias razões, mas posso garantir que fizemos, Dr. Farret e eu, o melhor que pudemos para manter Santa Maria no caminho certo. Eu, particularmente, paguei um preço alto pelo silêncio após a tragédia. Falei pouco e poucas vezes. E o fiz com o intuito de pacificar, criar uma base de solidariedade, conforto e união para a reconstrução dos nossos lares, nossa família e nossa cidade. A tragédia aconteceu 27 dias depois do início do nosso segundo mandato. Ficamos quase dois anos imobilizados diante das dificuldades internas e externas, de dentro e de fora da prefeitura, vivenciadas a cada dia. Em dezembro de 2012, fizemos uma pesquisa e nosso governo tinha 92% de aprovação. Farret e eu tínhamos tudo organizado, planejado e com os instrumentos e os meios preparados ao longo do primeiro mandato para uma segunda gestão muito melhor. Infelizmente, as circunstâncias não nos permitiram viabilizar tudo o que queríamos e sonhávamos. Por isso, peço para que guardem na memória o primeiro governo. Farret e eu deixamos, apesar disso, um legado na saúde, educação, gestão, finanças, desenvolvimento econômico, assistência social, desenvolvimento urbano, turismo, esporte, cultura, produção rural, eventos, entre outros, que me permite afirmar com segurança: logo, logo a história nos fará justiça.

Diário -Se pudesse voltar a 2013 e fazer algo diferente, o que faria? 
Cezar Schirmer - Olhando para trás, sinceramente, não sei o que poderia ter feito diferente durante o meu segundo mandato.

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