Foto: MP SC, Divulgação
O crescimento do número de pessoas em situação de rua em Santa Maria motivou reuniões e promessas para amenizar o problema. A criação de um centro de acolhimento para essas pessoas é prometida pela prefeitura para os próximos meses e foi inspirada em exemplos de outras cidades, como Chapecó (SC), que conseguiu avanços nos últimos quatro anos, quase zerando o número de pessoas nas ruas. Em Chapecó, o trabalho foi feito pela prefeitura em parceria com empresas e o Ministério Público.
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O promotor e coordenador do Centro de Apoio de Direitos Humanos e da Saúde Pública do MP de Santa Catarina, Eduardo Sens dos Santos, diz que pesquisas apontam que investir na ressocialização dessas pessoas, além de extremamente necessário, é bem mais barato do que os prejuízos gerados pela permanência delas nas ruas. Além disso, Sens declarou que, em casos de pessoas com problemas sérios de saúde, foram feitas em Chapecó e outras cidades catarinenses as internações involuntárias, sem o consentimento delas.
Sens diz que sempre houve moradores de rua, problema que começou com o êxodo rural, mas que isso se agravou nos anos 2000 devido às drogas e à facilidade de ir de um Estado ou país para outro. Confira a entrevista:
Diário – Em Chapecó, quantas pessoas viviam na rua havia há quatro anos e como o MP ajudou?
Sens – O MP tem acompanhado isso, mas nos últimos tempos, com o acréscimo vertiginoso, passou a acompanhar mais de perto. De fato, os nossos números eram da ordem de 400 a 500. É um público bastante flutuante, que não se tem assim uma certeza muito grande de quantos são, porque migra rápido. Tem a suspeita de nomes falsos e acaba sendo cadastrado em mais de um município ao mesmo tempo. Então, a gente não tem uma certeza grande. O fato é que esse essas pessoas, quando vinham do Exterior, vinham com promessa de emprego e acabavam com algum tempo de tentativa de se adequar à lógica local e desistindo e perdendo o emprego. E como não têm vínculo, não têm família, acabavam algumas vezes na rua. Mas não era a maioria. A maioria não era imigrante, mas de Chapecó e região. Pessoa que, por uma razão ou outra e muito frequentemente quebra de vínculos familiares, problemas internos, perda de parente, depressão e os vícios em geral, acabavam caindo na rua. E vícios não só em drogas, mas vício em jogo, em álcool. E aí o Ministério Público tem dois problemas para atuar. O primeiro é garantir que os direitos dessa população sejam respeitados. Eles são pessoas, cidadãos e têm o direito de qualquer cidadão de ter acesso aos serviços públicos de assistência social e saúde. Têm direito a ter uma tentativa de requalificação profissional para que o mínimo existencial, ou seja, a dignidade dessas pessoas seja minimamente preservada. E nós também temos os problemas colaterais, que decorrem disso: é a pessoa na frente do comércio e os conflitos com os comerciantes, os furtos. A pessoa está em desespero por conta da fome e acaba furtando, e isso gera um problema social grande.
Diário – A prefeitura de Chapecó diz que o número de pessoas nas ruas reduziu de 400, há 4 anos, para zero agora, por conta da atuação no atendimento de saúde nas ruas e do centro de acolhimento e requalificação, inclusive com internações involuntárias. Esse é o caminho que Santa Maria deve se inspirar?
Sens – A experiência de Chapecó é a melhor que temos conhecimento. Eu coordeno todos os promotores dessa área em Santa Catarina e a melhor experiência que nós temos notícia é essa, por conta de uma excelente estrutura da unidade de acolhimento, por conta de um incentivo econômico de meio salário mínimo que o prefeito paga para quem participa de todos os programas da unidade de acolhimento e pelo excelente serviço que eles fazem na rua com as equipes de saúde, e pela requalificação profissional. São fatores que têm dado um resultado muito positivo e a gente tem até mostrado isso em outras cidades para replicarem. A unidade tem vagas para 160 pessoas. Até o último dado que eu tenho, tinha 68 pessoas internas. Primeiro, é feita a etapa de desintoxicação com tratamento medicamentoso, até mesmo internação. Depois, essas pessoas vão para essa unidade de acolhimento e ali começam os serviços socioassistenciais e psicoterápicos. Terapia ocupacional, atividades em grupo, trabalho numa horta. E as empresas acabam fornecendo ali uma parceria com a prefeitura, a requalificação profissional. Hoje um problema sério da população de rua é que ele caiu na rua por conta da droga, que surgiu na vida dessas pessoas justamente num ambiente de trabalho ou com colegas de trabalho. Então, vamos generalizar, mas é o servente de pedreiro que, no final da semana, acaba recebendo o salário e gastando com bebida, com droga, joga com os colegas de trabalho. Esse cara, se ele não é requalificado, ou seja, se ele não aprende a fazer uma coisa diferente para poder ir para outro tipo de emprego que não tenha esse tipo de relações, ele acaba voltando depois de uma internação ou depois da unidade de acolhimento para o mesmo ambiente que levou ele para rua. Então, fica um círculo vicioso. Para isso, a gente precisa quebrar, precisa requalificar. E Chapecó tem requalificado essas pessoas com várias oficinas, como na construção civil, com curso de assentador de porcelanato de alto padrão. A pessoa pode sair formada nisso já. Tem curso de operador de motores, mecânica de motores avançada, essa mecânica de motores com eletrônica embutida. Isso é uma mão de obra já especializada que tem sido cada vez mais necessária. O pessoal de Chapecó nos fala em 80% a 85% de sucesso.
Diário – Se a pessoa se nega veementemente a sair da rua, há possibilidade de uma internação involuntária, sem a vontade dela?
Sens – Vamos deixar bem claro: o fato de a pessoa estar na rua não significa que ela é viciada em droga. Não é o fato de ela estar na rua que leva a uma internação. É o fato de ela ter um vício e uma doença mental que exija a internação. Então, a pessoa que está na rua e não tem interesse em ir para a unidade de acolhimento, ela não pode ser forçada, não é uma prisão. Não é constitucional forçar uma pessoa a fazer um atendimento de serviço social. Se a pessoa tem uma doença mental e o médico prescreve a internação, a pedido da família ou de algum responsável pelo setor de saúde do município, daí sim essa internação pode ser feita involuntariamente e ele vai ser internado. Como nós, por exemplo, se caímos de uma moto e ficamos desacordados, se a gente não pode responder por nós mesmos, a gente vai ser internado no hospital sem ninguém nos perguntar se a gente quer. A lógica é parecida, é a lógica de saúde. Não precisa passar pela Justiça. Você só precisa em uma situação muito excepcional quando não tem familiar nenhum, quando não há um responsável legal por essa pessoa que diga: “Eu aceito, eu acho que é realmente o caso”. No dia a dia, na prática, é feito pelo serviço de saúde normalmente. Primeiro, eles fazem a tentativa de convencer a pessoa e fazer uma internação voluntária, que é melhor ainda e mais eficiente. Seriam pessoas que têm um problema psiquiátrico grave e que o médico recomenda ou que têm algum vício que está realmente prejudicando demais a sua saúde mental e física, seria nesse sentido. A gente trata tudo aqui como saúde mental, tanto a doença, tipo uma esquizofrenia, uma paranoia, quanto o vício em álcool, em crack, em cocaína e maconha. Então, isso tudo é tratamento médico. E aí você submete a pessoa ao tratamento médico. Ele é rápido, não é uma internação longa, como antigamente. E depois, a pessoa vai para a unidade de acolhimento.
Em Chapecó também tem sido muito bem sucedida porque envolve sempre a família desde a primeira consulta, durante a internação, durante a estadia na unidade de acolhimento. E quando estão limpos e conseguem se reerguer e ter a sua própria autonomia, aí eles são desligados do programa, mas já com em direção a uma casa, a sua própria família ou ao emprego.
Diário – Quanto custa esse projeto em Chapecó?
Sens – Não tenho o valor. Agora, eu recebi um estudo do Rio de Janeiro, e o cálculo e a conclusão são a seguinte: o gasto para tratar, resgatar e dar dignidade a essas pessoas é metade do preço que se paga para conter os problemas decorrentes da população em situação de rua, como furto de fios, entre outros. Não se deve enxotar as pessoas da cidade. É com isso que a gente tenta convencer prefeitos e até empresários a mudar um pouco o tom do discurso.