Cultura e patrimônio

PLURAL: os textos de Atílio Alencar e Luiz Gonzaga Binato de Almeida

  • Água na boca 
    Atílio Alencar
    Produtor cultural

    Boa parte da impressão que guardamos de um lugar é fornecida pela comida que a cultura local nos põe à mesa. Há de se levar em conta, claro, que as experiências gastronômicas não variam só por razões subjetivas, mas também por conta das condições de acessar os diferentes níveis da culinária em cada rincão. Comida, esse item literalmente vital para a nossa existência é, muitas vezes, signo de distinção, senão de ostentação. Sobre esses andares mais elevados da arte gastronômica, cujos pratos vão pinçar em terras estrangeiras seus nomes de difícil pronúncia, eu pouco teria a comentar. Sou um bárbaro que usa de forma inapropriada os talheres. Mas se o assunto é rango de boteco ou barraquinha na rua, aí, modéstia às favas, digo que posso me considerar uma autoridade respaldada pelas iguarias que conheço em minhas travessias.

    Começo por Cachoeira do Sul, a fagueira Princesa do Jacuí, pago onde nasci e aprendi a reconhecer o valor da autêntica gastronomia popular. De lá, guardo dois sabores marcantes: um, que se confunde com a minha própria ideia de infância, é o da encrenca, uma massa doce, leve como seda e crocante como a casquinha do sorvete, que os ambulantes oferecem ao toque do triângulo pelas ruas da cidade. O outro, já bem menos inocente, é o pastel de carne com ovo do Burriko, bar que até hoje atende fidalgos e plebeus na 7 de Setembro. Chegando em Santa Maria, sob o deslumbramento da vida universitária, compreendi que o paraíso pode se apresentar na forma de um trailer de rua. Sim, aqui o xis é mais que um lanche rápido e barato: é um estilo de vida, um souvenir que traduz a cidade ao visitante e uma mandinga que o amarra pelo estômago. Não cito nomes para não cometer injustiças. Cada paladar que faça seu julgamento. 

    Em Pelotas, apesar de todo o burburinho em torno do famoso bauru, fiquei fascinado mesmo foi por um pastel de camarão que comi na praia do Laranjal, numa barraquinha improvisada pelos pescadores. Subindo a Ladeira da Misericórdia, em Olinda, fui recompensado pela Macaxeira do Noca, a mais perfeita combinação de mandioca, carne seca e queijo coalho que já provei na vida. Fora da rota turística, meu amigo Gomez me apresentou em Buenos Aires uma fugazzeta sublime produzida numa pizzaria clandestina em Villa Crespo. Em Montevidéu, qualquer confeitaria oferece medialunas que nos fazem acreditar em milagres. 

    E Silveira Martins, povoado que flutua entre nuvens e hortênsias, vai ser para mim sempre a lembrança do bife à parmegiana que o Celito serve no La Sorella, e também do galeto ao molho vinagrete que o Maninho, em noites saudosas, dourava na churrasqueira do pátio da sua casa. 

    Engraçado. Agora me dei conta que, além da água na boca, falar em comida também pode dar um pouco de saudade na gente.

    Casa de Cultura: histórias
    Luiz Gonzaga Binato de Almeida
    Arquiteto e produtor cultural

    Interditada há seis anos na Praça Saldanha Marinho, a Casa de Cultura conta interessantes histórias. Começam em 1878, com os festejos da criação da comarca de Santa Maria. A Justiça Estadual instalou-se primeiro no antigo Paço Municipal, em casa alugada de Rita Maria de Sousa, substituída pelo Edifício Dânia, no agora Calçadão. Depois, ocupou dependências de dois sucessivos Paços Municipais e utilizou imóveis locados, ou seja, não possuía sede própria.

    Por fim, em 1939, o prefeito Antonio Xavier da Rocha, desapropriou o terreno com casa de José Carlos e Faustino Cauduro, no lado sul da praça central, e o transfere ao Estado. Destino: a construção do Palácio da Justiça (o antigo fórum). Na época, a prefeitura abre a Rua Roque Callage, cuja placa inaugural, de 12 de outubro de 1940, continua na esquina do velho fórum.

    Edificou o Palácio, inaugurado em 3 de julho de 1944, a empresa Santiago Borba, de Porto Alegre.

    O Brasil vivia o ditatorial Estado Novo (1937-45), de Getúlio Vargas. Há prédios públicos desse período com linguagem impositiva, grave, própria de regimes totalitários. Um exemplo, o nosso Palácio da Justiça. São marcantes as colunas das fachadas e, no alto, um princípio jurídico a indicar o uso do edifício: "Summa jus, summa injuria": Máxima justiça, máxima injustiça.

    Com o tempo, a edificação exigiu ampla reforma e acréscimo de um andar na parte sul. Foi reinaugurada em 7 de outubro de 1977.

    Em 1992, a Justiça muda-se para a Alameda Buenos Aires. Desde 1988, havia mobilizações para transformar a sede antiga em Centro Cultural. Surgem coletivos, como o Fórum Cultural, e entidades, como a Associação dos Amigos da Casa de Cultura; houve uma polêmica tomada do edifício por instituições várias e órgãos municipais. Em 1996, retorna o imóvel, do Estado para o Município. Nascia a Casa de Cultura, embora em prédio sem restauro e requalificação definitiva. Em 2009 veio o tombamento municipal.

    Após quase duas décadas de atividades plurais, a Casa de Cultura - inabitável - fecha em dezembro de 2015. Notória, a degradação; esvai-se a dignidade inicial.

    No Instituto de Planejamento Urbano de Santa Maria, fiquei a par de ações passadas e futuras, com vistas à revitalização da Casa de Cultura Dr. José Mariano da Rocha Filho, assim denominada desde 2003. Destaco a elaboração e readequações de projetos, orçamentos compatíveis com a realidade financeira, tratativas no Corpo de Bombeiros e demais entidades públicas, processos a órgãos de fomento e Leis de Incentivo à Cultura.

    Saí esperançoso de ver renovado esse patrimônio, como cenário de novas, infindas, histórias de arte e cultura.


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