com a palavra

Ícone do rock de Santa Maria fala sobre sua experiência de quase morte

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Foto: Charles Guerra (Arquivo, Diário)

Edson Luiz Kroth é Pylla e Pylla é Edson Luiz Kroth. Não há como separar o artista da pessoa. Com mais de quatro décadas dedicadas à música, Pylla é uma joia do hard rock gaúcho, mas também da medicina. Após anos de históricos trabalhos com as bandas Thanos e Fuga, ele "morreu" e voltou para prestigiar os fãs com a Pylla C14, sua banda atual.

Revolucionário por meio do rock, em uma época em que não se podia falar o que viesse à telha, ele conta que também sofreu com a repressão. Em 2001, conta que um médico disse que lhe restavam cinco anos de vida. Em 2019, segue com a agenda atribulada de shows, ensaios e viagens, mas sem deixar de lado a simplicidade e a paixão por Santa Maria, a saudosa "Seattle do Sul".

Diário - Como é o Pylla no dia a dia, quando não está nos palcos? 
Edson Luiz Kroth
- Nunca separei a pessoa do artista. Este talvez seja um dos elementos que dignificaram a minha carreira e andanças por aí. Sou uma pessoa de fácil acesso, principalmente em Santa Maria, onde tenho minha base. Da banda que toca comigo hoje, ninguém mora em Santa Maria. Todos os componentes estão em São Paulo ou Porto Alegre. Também tenho base nesses lugares, já que tenho casa nas duas cidades. Mesmo assim, quando sobra um tempo, volto a Santa Maria. O Pylla se encontra no padeiro, no supermercado, na frente do prédio. Então, não consigo separar o Pylla pessoa do Pylla artista. Nunca me coloquei em posição de superstar ou de astro do rock. Sou uma pessoa supersimples.


Diário - Você foi um dos precursores do rock em Santa Maria. Como foi o início?
Pylla -
Sofri muito. Costumo dizer para os cabeludos de hoje que eles podem usar cabelo comprido porque nós apanhamos bastante. Construímos essa história com dificuldade. Lembro que, quando fizemos a primeira banda de rock, um amigo meu disse que, para a gente ter espaço, teríamos que montar um bar que absorvesse o estilo. Depois, o rock foi assimilado nos grandes clubes. Isso foi o que fez as minhas bandas grandes. No lançamento da primeira fita k7 de uma banda de rock Santa Maria, foi reunido 3,5 mil pessoas no Avenida Tênis Clube (ATC). Aos poucos, nosso estilo foi tendo uma aceitação. Quando a gente se apresentava na Avenida Presidente Vargas, fechava quatro, cinco quarteirões. Fomos âncoras disso. As rádios também entraram nessa. Em termos de interior, éramos os Beatles de Santa Maria.


Foto: Reprodução
Show da banda Thanos, em 1986, na Avenida Presidente Vargas 

Diário - Na década de 1980, a ditadura ainda existia no Brasil. Sofreu algum tipo de violência?
Pylla - Lançamos uma fita, em plena Ditadura Militar, chamada Omissão Nunca Mais. Fomos presos e tivemos que dar explicação do que queríamos com a música. Não dava para fazer barulho e dizer qualquer coisa. Por várias vezes, fui levado e cortaram meu cabelo. Era a maior agressão que podiam fazer comigo. Diziam que eu parecia uma mulher. Mas não foi só comigo. Qualquer um que tocava rock era visto com maus olhos. Um dia desses, passados 35 anos, eu estava na praça e um velhinho se aproximou de mim. Ele veio pedir desculpas. "Eu fui aquele policial. No passado. Para mim, o que vocês faziam não era errado. Mas eram os ossos do ofício. Era o meu trabalho. Hoje, meus netos são teus fãs", disse ele. Fico triste. O mundo está voltando a agir da forma que já agiu e se arrependeu. Falo da cultura do ódio e da política, de coisas que reivindicamos tempos atrás. Tudo isso deveria ser página passada. A gente já sofreu tanto com isso. Estamos prestes a ter um regime militar novamente. O rock n' roll, para mim, sempre foi uma forma de mudar as coisas para melhor. Se não no mundo, ao menos, ao meu redor. Naquela época, cumprimos o nosso papel.


Diário - O estereótipo do roqueiro era relacionado a pessoas que viviam sem regras. Era assim mesmo?
Pylla
- Antigamente, o rock era um tripé. Não tinha como dissociar. Sexo, drogas e rock n' roll. Com o primeiro disco da Fuga, visitamos 172 cidades do sul do país. Comíamos em hotéis, vivíamos sem regras, dormíamos pouco e bebíamos muito. Era uma época em que a juventude estava se descobrindo. Peguei a época do ácido lisérgico. Todas essas bandas de rock usavam, pois queriam extrapolar as capacidades do cérebro. Não era vício. Tínhamos que experimentar para viver além do corpo.


Foto: Divulgação
Formação atual da Pylla C14


Diário - Após o sucesso, você passou por um período complicado. Como foi isso? 
Pylla - Eu morri. Naquela época, eu tinha menos de 1% de chance de vida. Tive o rompimento de todas as veias esofágicas, hemorragias internas. Estava em Santa Maria em um momento delicado da minha vida. A banda tinha acabado. Têm épocas da vida do homem que é complicada até de explicar. A gente vai perdendo amigos e os amores mudam. Meio que exagerei naquelas coisas que consumia por experiência e acabei entrando em um alçapão. Falo de álcool e droga. Um cara da Whiplash, um site de notícias, escreveu uma matéria que saiu para todo o Brasil chamada Fuga, uma Joia Rara do Hard Rock Gaúcho. Quando chega na parte do cantor, ele me coloca lá em cima. O autor ainda acrescenta que "após cheirar montanhas de cocaína e beber oceanos de whisky, Pylla foi à lona e passou a viver como um mendigo pelas ruas da cidade". Tudo o que ele falou é verdade, menos que virei mendigo. Vários artistas caíram nesse alçapão e não voltaram. Fui e voltei. Fiquei na CTI três meses em coma, tive 11 paradas cardíacas e ainda passei por uma cirurgia de 12 horas, com 16 médicos. Sou caso raro para a medicina. Embora tivesse tocado para milhares de pessoas, no momento que passei por aquela situação, me senti sozinho. Naqueles dias difíceis, contei com o apoio da minha família. Quem me socorreu foi a minha mãe. Em 2001, meu prazo de vida era de cinco anos. Lá se foram mais 18 anos. Nesta carreira, tenho mais de quatro décadas de histórias no rock para contar. 

*Colaborou Felipe Backes

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