Da transmissão ao teste: como funciona o processo de identificação de casos de dengue?

Foto: Beto Albert (arquivo/Diário)

Com 3 milhões de casos prováveis e mais de 1,1 mil óbitos, o Brasil já vive a pior epidemia de dengue de toda a série histórica. O rápido crescimento dos índices nos primeiros quatro meses de 2024 é um dos motivos pelo qual adoença é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das 10 principais ameaças à saúde global. Na reportagem, veja quais são os vetores de transmissão da doença, o atual processo de testagem e como se prevenir contra o mosquito Aedes aegypti.

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Transmissão

Embora esteja em pauta atualmente, a presença da dengue é antiga no país, contando com registros laboratoriais do vírus desde 1982. No Brasil, o principal transmissor da doença é o mosquito Aedes aegypti. Em entrevista ao Diário, a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Roberta Vanacôr, falou sobre a transmissão do vírus:

Quando o mosquito faz o repasto sanguíneo com uma pessoa contaminada, ele acaba se contaminando também e passa a ter potencial de transmissão para outras pessoas. Destaca-se que a fêmea, uma vez contaminada, já tem a possibilidade de depositar ovos contaminados.

 Segundo o virologista e pesquisador em Saúde Pública do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco), Gabriel da Luz Wallau, esse tipo de transmissão é chamada transovariana e pode ser responsável pelos surtos de dengue registrados no Estado. O tema é objeto de pesquisas de Wallau em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

– É o principal modo de transmissão em períodos de baixa prevalência e que permite que o vírus já esteja no mosquito vetor, assim que as condições ambientais melhorarem, para o desenvolvimento do mosquito. Esse modo de transmissão permite o começo de um novo surto no ano seguinte, quando o período é mais quente e úmido – explica o pesquisador, apontando os meses entre novembro e maio como os mais propícios para os surtos da doença.

Em casos raros, a dengue pode ser transmitida de mãe para filho ou por transfusão de sangue. Entretanto, em nenhuma hipótese, é transmitida de pessoa para pessoa sem a presença do vetor. Segundo Wallau, no processo de infecção por dengue, a fêmea do mosquito libera saliva contendo substâncias anestesiantes e partículas virais que irão infectar, primeiramente, células da pele. Conforme avança o vírus, o corpo humano passa a desenvolver sintomas típicos. São eles:

  • Febre alta (39°C a 40°C), com duração de dois a sete dias
  • Dor retroorbital (atrás dos olhos)
  • Dor de cabeça
  • Dor no corpo
  • Dor nas articulações
  • Mal-estar geral
  • Náusea
  • Vômito
  • Diarreia
  • Manchas vermelhas na pele, com ou sem coceira

A gravidade do quadro do paciente infectado pode variar, conforme o sorotipo do vírus da dengue. São quatro tipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Ainda sobre os sintomas, Wallau afirma que, neste processo, o sistema mais afetado não seria o imunológico, como se tem a impressão.  

– O vírus da dengue não ataca principalmente o sistema imunológico do paciente como faz o vírus HIV. O vírus da Dengue infecta primeiro as células da pele, seguido de outras células do corpo como tecidos musculares, por exemplo, gerando assim uma infecção mais generalizada. Essa infecção generalizada então pode afetar o sistema imunológico do paciente, pois esse sistema tem que produzir anticorpos e células que irão neutralizar as partículas virais ou eliminar as células infectadas – argumenta o virologista. 

Infográfico: Milenne Souza de Lima/CIEVS/RS

Notificação da doença é compulsória

A dengue é uma doença de notificação compulsória, sendo obrigatório informar aos órgãos responsáveis prováveis casos da doença. Conforme a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Cevs, Roberta Vanacôr, anotificação deve ser feita em até 72 horas no Estado. Já os óbitos devem ser informados em, no máximo, 24 horas.

Para o diagnóstico de dengue, são utilizados os testes sorológicos NS1 e RT-PCR, que geram resultados rápidos e devem ser realizados entre o 1º e o 5º dia de sintomas. O Elisa IgM, que detecta os anticorpos, também é uma opção utilizada pelas Vigilâncias em Saúde gaúchas. A testagem com este material deve ser feita a partir do sexto dia de sintomas, sendo possível detectar a presença do vírus até o 30º dia.

Após a coleta, os testes são encaminhados pelos municípios para o Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (Lacen), que é vinculado ao Cevs. O prazo estimado pelo Centro para divulgar os resultados é de sete a 10 dias. Com a alta demanda de diagnósticos nos últimos dois anos, o Estado tem buscado alternativas.

 – O gestor municipal pode estabelecer um contrato com laboratórios para que faça o diagnóstico de forma mais rápida. O Lacen faz diagnósticos sim, mas presta serviço para a Vigilância em Saúde como um todo. Hoje, o laboratório está recebendo um contingente de amostras muito grande, tendo em vista que foi deflagrado epidemia no Estado. Mas nós temos dado fluxo nessas amostras e liberado o resultado em tempo hábil – afirma Roberta.

 Para facilitar o acesso a dados sobre o cenário gaúcho, notificações, diagnósticos positivos, negativos ou inconclusivos são disponibilizados no Painel estadual de casos de dengue.

Com aumento dos casos confirmados, uso de repelente pode salvar vidas

Nos primeiros quatro meses de 2024, o Rio Grande do Sul já registrou mais de 51 mil casos confirmados de dengue. Com 94% do território gaúcho infestado pelo mosquito Aedes aegypti, o Estado acabou decretando situação de emergência em saúde pública na busca por mais recursos para lidar com a doença, que ainda não tem tratamento específico.

 – As pessoas acometidas pela dengue devem descansar e se hidratarem com periodicidade, além de monitorarem se os sintomas estão se agravando. No geral, não existem remédios para eliminar o vírus da dengue. Existem apenas medicamentos que podem ser administrados para diminuir os sintomas febris e de dores no corpo. É importante também ressaltar que não se deve tomar aspirina e remédios que contenham os mesmos compostos ativos – reforça o virologista e pesquisador em Saúde Pública do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco), Gabriel da Luz Wallau.

Entre outros cuidados, Wallau recomenda o uso do repelente, que é considerada a forma mais eficiente de evitar um novo contato com o mosquito. Considerando o processo de transmissão, especialistas têm avaliado também a possibilidade de indicação de isolamento, para garantir que mosquitos livres do vírus não entrem em contato com pessoas contaminadas.

 Para a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Roberta Vanacôr, a medida não deve ser considerada a melhor solução.

– Não é correto passar essa orientação. Sabemos que a maioria dos criadouros fica em torno das residências ou local de trabalho, e o mosquito fica albergado ali. Então, o isolamento por si só não vai impossibilitar que este mosquito pique a pessoa que já está com o vírus e por ventura, voe para outra área para picar outros seres humanos. O que recomendamos é a eliminação dos criadouros, porque se não tivermos a presença do vetor não teremos a doença – afirma.

Rio Grande do Sul registra aumento no número de óbitos decorrentes da dengue

A mortalidade por dengue em solo gaúcho também aumentou em 2024. Já são 60 óbitos em decorrência da doença. O número é maior do que o índice de 2023 (54) e menos que o de 2022 (66). Conforme Wallau, os especialistas ainda desconhecem os motivos da evolução de alguns pacientes para óbito.

 – Um dos fatores de risco conhecidos, mas que se manifestam de forma rara, é quando pacientes se infectam por dois sorotipos do vírus da dengue diferentes. Essa infecção em sequência pode levar a sintomas mais graves e, até mesmo, à morte. Porém, também é possível observar que pacientes jovens e aparentemente saudáveis podem evoluir para óbito. Provavelmente como consequência de uma infecção generalizada, levando a uma falência de órgãos vitais – explica o virologista, destacando que cada paciente pode reagir de formas diferentes à infecção por dengue.

Perante o cenário crítico em que o Estado se encontra, a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Cevs pede que a população busque atendimento médico:

Estamos vivendo um momento de muita atenção com número de casos prováveis de dengue e casos confirmados. Então, é muito importante que a população fique ciente dos principais sinais e sintomas, e diante deles, busque o atendimento em um serviço de saúde para que se faça o encaminhamento adequado. A dengue é uma doença de manejo clínico simples, mas que pode levar a óbitos quando negligenciada.

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