
Foto: Marcelo Oliveira (arquivo/Diário)
Existem elementos e situações que nos remetem a liberdade: o sol na pele, sentir o vento batendo no rosto, andar pelas ruas da cidade, abraçar os amigos e familiares em dias de festa… mas, o que aconteceria se a percepção sobre esses momentos mudasse?
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Em 17 de novembro de 2019, a confirmação de um caso de doença respiratória na província de Hubei, próximo de Wuhan, na China, chamou a atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS). A descoberta envolvia a mutação de um vírus conhecido, mas com novos efeitos e impactos na saúde humana. Causado pelo coronavírus (SARS-COV-2), a Covid-19 era potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global, levando autoridades e pesquisadores a se unirem contra um perigo invisível.
Considerando aspectos epidemiológicos e específicos, como potencial de transmissão, gravidade da doença, aumento de casos em Wuhan e outros locais, assim como o impacto em viagens internacionais, a OMS decretou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) por Covid-19 em 30 de janeiro de 2020. Menos de dois meses depois, em 11 de março, o pior foi confirmado: era uma pandemia.
Passados 5 anos do anúncio, o mundo ainda vive sobre as sombras da doença, que resultou em mais de 777 milhões de casos confirmados e mais de 13 milhões de mortes oficialmente notificadas no mundo, visto que a identificação dos sintomas e a falta de acesso a diagnósticos prejudicaram diversos países neste período.
Segundo o painel Coronavírus Brasil, foram registrados mais de 39, 2 milhões de casos confirmados e 715.610 óbitos no país.No Rio Grande do Sul, os índices chegaram a 3.163.038 casos e 43.214 mortes em decorrência da doença.
Em Santa Maria, os primeiros casos da Covid-19 foram confirmados em 21 de março de 2020, reforçando uma campanha pelo cuidado, adoção de medidas sanitárias e isolamento. Na reportagem, relembre momentos marcantes e veja como está o cenário da doença na cidade.
Primeiros casos
De mãos dadas, o pedreiro aposentado Adili da Silva Santos, 82 anos, e a costureira Lezia Fulco Santos, 71, observam o movimento em frente à casa que moram no Bairro Carolina. A vizinhança não é mais a mesma desde a pandemia. Conforme Santos, muitos amigos e conhecidos morreram em decorrência da doença.
– Ficamos apavorados. Pessoas novas estavam morrendo. Não tinha idade. Eu fui ‘atingido’ também – conta o aposentado.
Em 2020, ele positivou para Covid-19. Na época, com 77 anos, Santos foi à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) com falta de ar, dores nas costas e no peito. Ao ser diagnosticado com Covid-19, foi encaminhado ao Hospital Regional de Santa Maria, onde permaneceu internado durante 25 dias. Hoje, o aposentado convive com as sequelas da Covid-19, que comprometeu a imunidade, os pulmões, a pele e a locomoção. No final de 2024, Santos deu entrada no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) e novamente, por conta da Covid-19, permaneceu 50 dias internado. Conforme o idoso, o cuidado e a dedicação dos profissionais foram essenciais para voltar para casa.
– Atenderam-me muito bem. Se os médicos e as enfermeiras não fossem bons, eu não estaria aqui – relembra Adili.
Conforme Lezia, que também contraiu a doença, máscaras e álcool gel são elementos presentes em uma rotina de cuidado contra qualquer doença. Ao lado do marido, ela reflete sobre as situações vividas e faz um alerta:
– Na época, eu só pensei que ele ia fazer o tratamento e ficar bom. Oramos bastante para Deus também, porque passamos muito trabalho. Covid não é brincadeira.

Mobilização
Na manhã de 23 de março de 2020, a capa do Diário confirmava o que antes parecia apenas especulação: a Covid-19 havia chegado a Santa Maria. O pedido das autoridades era simples: “Fique em casa!”.
Uma das profissionais que buscou soluções perante a confirmação dos primeiros casos na cidade foi a médica infectologista Jane Costa. Segundo ela, pesquisadores, autoridades e especialistas começaram a se reunir ainda em janeiro daquele ano, quando a OMS emitiu o decreto. Portanto, quando o primeiro caso foi confirmado no dia 21 de março, um cronograma já estava em andamento.
Entre os serviços importantes que surgiram na pandemia, está o Centro de Referência da Covid-19, que entre março de 2020 e 5 de agosto de 2022 (quando foi desativado), atendeu mais de 170 mil pessoas e realizou cerca de 90 mil testes para detectar a presença do coronavírus.
A criação de leitos Covid-19 em hospitais importantes de Santa Maria também é um marco desta história de resiliência. Para Jane, hoje com 63 anos, o movimento foi essencial para que tivéssemos o cenário atual:
– Para nós, o pior ano foi 2021. Não foi 2020, porque naquele ano nos organizamos. Organizamos as estruturas e tivemos até um trabalho de telemedicina, que ajudou as pessoas a terem conhecimento.
Em mais de 40 anos de carreira, a médica infectologista nunca havia presenciado um cenário como o da pandemia de Covid-19. Os altos números de internações, mortes e as despedidas simplificadas pelo momento são alguns dos pontos citados pela profissional, que segue na luta por respostas.
– Hoje, tudo é mais fácil, porque sabemos que a Covid-19 é uma doença transmitida por gotículas respiratórias e que é só manter distância a 1,30m e fazer o simples uso da máscara. É diferente do vírus da varicela, que fica mais tempo no ambiente, ou a bactéria da tuberculose.Outra coisa que sabemos é que os vírus já existiam. Tivemos em 2002, uma cepa, que era a SARS-COV-1. Em 2012, tivemos outra, que é o Mers, com uma mortalidade de 35% e que ficou restrita ao Oriente Médio. E agora, veio o SARS-COV-2, que é a Covid-19. Então, ele não foi criado agora. Ele já existia. Todas as vezes que temos uma grande circulação de vírus, surgem mutações mais ou menos agressivas – argumenta a infectologista.
Casos confirmados de Covid-19
- Brasil – 39.232.810 casos
- Rio Grande do Sul – 3.163.038
- Santa Maria – 85.671
Dados atualizados em 21 de março de 2025
Fontes: Paineis Coronavírus RS e Brasil
“Tivemos perdas de pessoas próximas e muitos munícipes”, conta o secretário da Saúde
Nos primeiros anos, o cenário de Covid-19 em Santa Maria foi de medo, mortes e hospitalizações. O primeiro óbito por conta da doença ocorreu em 14 de maio de 2020. A informação estampou a capa do Diário do dia seguinte, com uma ressalva: “o enterro foi com portões fechados”. Os anos seguintes seriam assim: de despedidas simples e sem os tradicionais velórios, por orientação das autoridades.
Segundo o painel Coronavírus RS, 1041 pessoas morreram em decorrência da Covid-19 em Santa Maria entre 14 de maio de 2020 e 21 de março de 2025.
– Para mim, uma história marcante foi de uma família com 12 pessoas. Restaram cinco depois da Covid-19. O último membro a morrer foi o mais jovem. Ele era jovem, saudável e não tinha nenhuma comorbidade. Ele foi o último a pegar a doença, ficou 90 dias na UTI e faleceu – relembra a médica infectologista Jane Costa, que contribuiu com a assistência local.
Mortes por Covid-19
- Brasil – 715.610 óbitos
- Rio Grande do Sul – 43.214
- Santa Maria – 1041
Dados atualizados em21 de março de 2025
Fontes: Paineis Coronavírus RS e Brasil
Aprendizados
Nos hospitais, também não havia espaço para a espera. As informações sobre pacientes demoravam mais do que o normal, porque o foco era lutar pela vida, mesmo que isso custasse a própria. Um dos episódios marcantes deste cenário local foi a vinda de 15 pacientes de Manaus para Santa Maria em fevereiro de 2021. Na ocasião, eles permaneceram no Hospital Regional, recebendo cuidados contra a doença.
A situação foi citada pelo secretário da Saúde, Guilherme Ribas, em entrevista à Rádio CDN sobre os 5 anos de pandemia. Além dos leitos de retaguarda e de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), ele refletiu sobre os esforços feitos pela prefeitura em relação à transmissão do vírus e os óbitos:
– Tivemos perdas de pessoas próximas, de muitos munícipes. Mas acho que foi um aprendizado, porque Santa Maria é uma cidade que conseguiu se organizar em um formato que deu um retorno. Conseguimos reagir perante um evento que afetou o mundo inteiro.
Fim da pandemia?
Com os avanços das pesquisas e o início da vacinação contra a Covid-19, diversas cenas se tornaram menos frequentes, o que gerou em muitos uma sensação de normalidade. Em 22 de maio de 2022, o Brasil decretou o fim a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) por Covid-19, o que não significava necessariamente o fim da pandemia, mas que o cenário apresentava uma tendência de melhora em diversos aspectos.
Quase um ano depois, em 5 de maio de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também declarou o fim da classificação dada à doença e que estava vigente desde janeiro de 2020. Hoje, ficam as reflexões e um novo modo de conviver com a Covid-19.
– Hoje, o coronavírus é visto como um vírus de resfriado comum. Ainda tem pacientes que apresentam problemas, mas são aqueles com algum nível de imunossupressão e que o sistema imunológico não funciona adequadamente. Mas (o coronavírus) não é mais aquela cepa agressiva, com grau de virulência, como foi antes – comenta Jane Costa.
Para o atual cenário, a médica infectologista olha com preocupação para os cuidados básicos que qualquer doença respiratória exige, mas que não parecem serem seguidos para a população santa-mariense.
– Acho que desaprendemos coisas. Na epidemia de H1N1, aprendemos que tínhamos que lavar as mãos e fazer a higiene da tosse. Só que nos últimos anos, desaprendemos tudo isso. E o aprendizado da Covid-19 é o mesmo: lavar a mão e não tossir nela. E se está com tosse, colocar uma máscara – conclui.
