Foto: Beto Albert (Diário)
Desde 1932, mulheres podem votar e ser votadas no Brasil e, desde 2010, elas são a maioria do eleitorado brasileiro, mas a participação política ainda é baixa quando se fala em candidaturas e representação nos espaços políticos. Em relação ao Legislativo, o número de mulheres eleitas no país é crescente e alcançou o percentual de 18% em 2024, o que corresponde a 1.232 vereadoras eleitas. No recorte estadual, é de 21%. No entanto, em nível municipal, o índice é de apenas 14% e não apresenta sinais de evolução a cada eleição. Ou seja, vai na contramão do cenário nacional.
+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp
No contexto gaúcho, 1.046 vereadoras foram eleitas no último domingo (6). O número é maior que o registrado nas últimas eleições municipais, que foram de 940 (em 2020) e 805 (em 2016). O número ainda representa a minoria, mas indica tendências de crescimento. A capital Porto Alegre se encaixa nessa estatística. Comparado ao pleito de 2020, elegeu mais uma mulher. A partir de 2025, serão 11 vereadoras.
As três vereadoras eleitas somaram juntas 9.038 votos dos santa-marienses. A bancada feminina da 28ª Legislatura será formada por três representantes de esquerda: Helen Cabral e Marina Callegaro, ambas do PT e reeleitas, e Alice Carvalho, do PSol — a mais votada entre os 21 parlamentares.
Em 27 gestões, 24 mulheres fizeram história na Câmara e quatro exerceram o cargo de presidente da Casa. É menos de uma mulher a cada legislatura. Em 2012, ano em que Santa Maria voltou a eleger 21 vereadores, quatro mulheres foram eleitas. Em 2016, o número subiu para cinco e em 2020, voltou a cair, com quatro vagas. Neste ano, o decréscimo continuou.
Historicamente invisibilizadas
A luta por igualdade e garantia dos direitos das mulheres é um caminho percorrido há muito tempo em todo o mundo. O marco inicial das discussões parlamentares começou em meados do século XIX, com o avanço das pautas feministas e discussão sobre opressão e discriminação. De acordo com a socióloga, historiadora e professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria Mariana Selister, as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no campo político, atualmente, ainda são resultados do longo período em que foram invisibilizadas e impedidas de participarem deste espaço.
— As mulheres foram afastadas desse processo político por séculos. Portanto, a sociedade ainda tem essa visão patriarcal e esses estereótipos de que cabe ao homem a autoridade, a liderança e o poder de decisão. São estereótipos sociais construídos historicamente por uma sociedade patriarcal — explica.
Santa Maria entre o conservadorismo e progressismo
As eleições municipais de 2024 em Santa Maria evidenciaram que, ainda, há muito a avançar para garantir a equidade entre homens e mulheres nos espaços de poder. No município, por exemplo, 54% do eleitorado é feminino, mas o número não se reflete na quantidade de mulheres eleitas. Segundo a especialista, há características chaves na identidade cultural da cidade que ajudam a explicar esse cenário.
Historicamente, Santa Maria é composta por uma mistura entre o mundo rural e o urbano, pontua Mariana. Em sua origem, o município tem a marca dos trabalhadores do campo, seja com as pequenas propriedades rurais fundadas pelos imigrantes na região ou pelos latifundiários que fundaram a cidade. Com isso, estão atreladas características mais conservadoras e tradicionais, como explica a especialista. De outro lado, estão os aspectos da urbanização, os quais estão ligados a movimentos como abolição da escravatura e transição para o Brasil República e, consequentemente, carregam também ideais progressistas e de liberdade.
– Então, estamos no Coração do Rio Grande, mas também no coração desses conflitos: rural e urbano, tradicionalismo e progressismo. Isso é uma marca cultural e a ideia de que o poder é masculino está arraigada.
De acordo com ela, esse cenário é reproduzido na sociedade, em estereótipos patriarcais, que tradicionalmente favorecem os homens. O contexto reflete nos dados eleitorais, onde o cenário a nível nacional é masculinizado desde seu princípio.
Caminhos a percorrer
Uma das políticas criadas para estimular a participação feminina nos espaços de decisão é a cota de gênero, regra que prevê que partidos garantam o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo. No entanto, esta política é alvo de fraudes constantemente, como candidaturas fictícias, conhecidas também como laranjas. Para a socióloga, a cota é importante, mas é preciso ir além.
Mais do que cumprir índices mínimos, a professora defende a necessidade de investimento por parte dos partidos para incentivar o empoderamento das candidatas desde antes do lançamento da candidatura e prestar apoio à mulher durante a campanha para que se desenvolva tanto quanto a do homem.
— Precisamos, por exemplo, da mídia falando sobre isso. O papel da escola, da educação, de professores de sociologia no Ensino Médio, de falarem sobre processo político, sobre representação, sobre democracia. É fazer o entendimento do processo político, para que as pessoas tenham condições de escolher quem elas querem.
A mudança também pode ocorrer por meio da representatividade e dos espelhos produzidos pelas mulheres que já ocupam cargos. Segundo a professora, todos cidadãos são responsáveis por este processo.
— Esse deve ser o compromisso de todos os lados, de todas as siglas partidárias — afirma.
Quem são as eleitas
- Alice Carvalho, 28 anos, é psicóloga e a única negra a integrar a lista dos 21 eleitos. Ela foi a mais votada nesta e na eleição passada. No entanto, será seu primeiro mandato como vereadora - a regra do quociente eleitoral não permitiu a entrada de Alice na eleição de 2020.
- Helen Cabral, 54 anos, é professora e há um ano e meio atua como vereadora, tendo ocupado uma vaga como suplente. Seu histórico na política é antigo, participa desde a década de 1980 como militante do PT.
- Marina Callegaro, 42 anos, é advogada. Este será o segundo mandato na Câmara. Desde o começo da carreira, defendeu a bandeira petista.
O que esperar do mandato
O Diário perguntou às três vereadoras eleitas: “como a mulher santa-mariense será representada por meio da sua voz no Legislativo?”. Confira as respostas abaixo. A ordem é alfabética.
Alice Carvalho (PSol)
"Não basta ser mulher, é preciso estar do lado das nossas lutas históricas. E isso, a mulher santa-mariense, pode ter a certeza que vai encontrar na nossa atuação. Podem esperar um mandato que vai estar na linha de frente combatendo todo e qualquer retrocesso que tentem impor aos nossos direitos. E, assim como já dediquei a minha militância política, antes de ter um mandato, dedicarei-me, agora como parlamentar. Vou vocalizar aquilo que eu já defendia nas ruas na construção dos movimentos sociais. O parlamento repleto de homens brancos vai encontrar uma mulher negra que vai se levantar diante de qualquer tentativa de ataque aos nossos direitos."
Helen Cabral (PT)
"Serei uma voz ativa e incansável na defesa dos direitos das mulheres, da população LGBTQIAPN+, da luta antirracista e minorias. Nossa atuação deve se concentrar em propor leis e ações que garantam igualdade e equidade de gênero, combate à violência doméstica, acesso à saúde reprodutiva, cotas para mulheres e minorias em cargos de liderança e políticas públicas para a primeira infância. Defenderei a construção de novas creches públicas e a ampliação do horário de funcionamento em horário compatível com o trabalho das mães e pais. Serei uma representante fiel das mulheres e dos setores mais oprimidos da sociedade, trabalhando incansavelmente para construir um mundo mais justo e igualitário para todas e todos".
Marina Callegaro (PT)
"As mulheres de Santa Maria novamente estarão sendo representadas por mim. Darei continuidade a todo trabalho que desenvolvi na primeira legislatura por meio de diversas leis e ações, dentre elas: Auxílio Inclusivo (que beneficiou 8.111 famílias – 7 mil são mulheres chefes de família), defesa de todas as mulheres, através da Procuradoria Especial da Mulher e efetivação de leis. Um exemplo é o protocolo Não é Não – no combate a violência e o assédio sexual – além da Lei de Proteção Pelo Fim do Feminicídio e o Programa Municipal de Combate à Violência Contra Mulheres e Meninas".
Leia também