“Democracia é a gente concordar que pode discordar”. A frase faz parte da campanha lançada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no mês de setembro, com o propósito de estimular o respeito à diversidade de ideias na política. Ou seja, incentivar a tolerância e a convivência pacífica entre os que pensam diferente, em uma época e ambiente hostil a ideias divergentes. Denominada “Pela democracia, com todas as diferenças”, a campanha tem sido veiculada em televisão aberta, nas redes sociais do TSE e na TV Justiça.
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Construir debates saudáveis em torno de assuntos que envolvem a política, essenciais para a manutenção da democracia, pode significar um desafio diante do fenômeno da polarização. Cada vez mais presente nos espaços de convívio social, como o ambiente familiar, a polarização está relacionada a uma divisão em polos, que representam posições diferentes sobre determinado tema. Ao longo dos últimos anos, o conceito de polarização tem sido usado de modo negativo, para se referir à disputa entre dois grupos que se fecham em suas opiniões e não estão dispostos ao diálogo.
Em época de eleição, as discussões se intensificam e abrem espaço para conflitos familiares. Para equilibrar a balança entre o respeito às diferenças e o debate, é preciso utilizar algumas estratégias para controlar os ânimos. E, sim, democracia começa em casa. É o que pratica a família santa-mariense da médica Vani Lunardi Di Fante, 59 anos. Ela se identifica com as ideias do espectro político à esquerda, enquanto o marido, João Alberto Corrêa Di Fante, 62, considera-se de centro, e o filho, Vítor Lunardi Di Fante, 31, defende os ideiais de centro-direita.
Regras de conviência
Para a convivência pacífica diante da diversidade de pensamento, explica Vani, para conseguir dialogar de forma pacífica, são estabelecidas regras, como evitar exageros e entender que a liberdade de um acaba quando começa a do outro.
– Temos nossas posições, falamos em reuniões familiares, mas com discussões moderadas e sem desrespeito. Cada um colocando seu ponto de vista e criticando pontos mais extremos. Podemos nos manifestar, argumentar, mas, se houver exageros, peço para pararmos, pois muitas situações não valerão a pena. Nossa tranquilidade e civilidade devem ser mantidas – afirma.
Guardadas as preferências políticas da família, eles concordam que o respeito está em primeiro lugar.
– Já tivemos discussões acaloradas em que discordamos um do outro, mas nunca houve um afastamento entre nós por conta dessa discordância. Acho que, apesar de não haver um consenso na família, essas posições políticas não podem vir a ser um fator de afastamento entre nós – avalia o filho Vítor.
O caminho até a escolha
Visões sobre economia, política social e costumes são alguns dos fatores que podem ajudar a definir a posição política de um eleitor. Para Vani, pautas como igualdade social e inclusão são o que a aproximam da esquerda. Já o filho se identifica com a direita pela defesa ao liberalismo econômico, em que há menos interferência do Estado na vida do cidadão.
Dissabores da eleição de 2022
A oposição de preferências políticas também se tornou motivo de divergência na família da aposentada Denise Peres, 70 anos, especialmente após as eleições para a Presidência em 2022. À época, a disputa entre apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou as ruas, redes sociais e as relações. Ela, de direita, divergia das preferências da mãe, Lucy Peres, 96 anos, e de outros parentes que se consideram de esquerda. Com o tempo, as diferenças passaram a ser mais respeitadas.
– Hoje, a relação está tranquila, mas já tivemos muitas divergências pelas opiniões políticas, a polarização dividiu nossas opiniões – relembra Denise.
Rede sociais e internet impulsionam conflitos, diz sociólogo
Apesar de a polarização estar em evidência na atualidade, o fenômeno, contudo, remonta às origens da humanidade, quando os humanos começaram a formar grupos como forma de sobrevivência, nos quais competiam entre si, criando rivalidade e conflitos. Como explica Márcio de Medeiros, doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), embora a tendência dos grupos seja ancestral, na contemporaneidade, o cenário apresenta novos fatores que intensificam a dinâmica, como o surgimento da internet e das redes sociais.
– A formação de grupos, agora, ocorre em um ambiente virtual, transcende fronteiras geográficas e alcança um número muito maior de indivíduos. As redes sociais funcionam como plataformas que não apenas facilitam isso, mas também amplificam os conflitos, pois tendem a promover interações que mantêm os usuários engajados por mais tempo. Quanto mais intenso o debate, mais tempo as pessoas permanecem online, o que contribui para o aumento da animosidade entre os grupos – afirma ele.
Persuasão e convencimento
Na democracia, segundo o sociólogo, o processo eleitoral oferece um espaço em que o poder é disputado pela persuasão e o convencimento. Em relação à “paixão avassaladora” por determinadas figuras políticas ou ideologias, o especialista propõe diversas explicações. Como a teoria da projeção que ajuda a entender como os eleitores depositam suas esperanças, medos e desejos nas figuras políticas, transformando-as em símbolos de suas próprias aspirações.
– Os líderes políticos se tornam figuras que transcendem sua própria individualidade e passam a representar um conjunto de expectativas sociais.
Ambiente familiar
Sobre o extremismo, vivenciado, muitas vezes, dentro do ambiente familiar, onde parentes e amigos de longa data acabam tornando-se desafetos e mesmo inimigos ideológicos, o sociólogo destaca que uma das principais explicações se dá pelo fenômeno da dissonância cognitiva, que ocorre quando as pessoas enfrentam informações ou opiniões que contradizem suas crenças pré-existentes.
– Para reduzir o desconforto causado por essa dissonância, elas tendem a evitar confrontar suas próprias visões e se fecham ao diálogo com aqueles que pensam de forma diferente. Esse processo psicológico pode explicar por que, em muitos casos, a comunicação genuína entre pessoas próximas, como familiares e amigos, torna-se rara – avalia.
Medeiros considera que as redes sociais intensificam essa dinâmica, quando pessoas passam a consumir informações que confirmam suas visões de mundo, reforçando suas crenças em ideais e ídolos, e diminuindo a disposição para ouvir opiniões divergentes.
– As redes sociais e grupos de aplicativos de mensagens operam sob algoritmos que priorizam conteúdos que geram mais engajamento, o que, muitas vezes, significa incentivar a exposição a discursos polarizadores e extremistas. Assim, os indivíduos ficam imersos em ambientes onde suas crenças são validadas, e quaisquer visões opostas são percebidas como ameaças.
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