Foto: Vinícius Machado (Diário)
Em Santa Maria, mais de 57 mil pessoas não foram votar no 1° turno das eleições.
Descontentamento com o cenário político, questões relacionadas ao trabalho, falta de opções razoáveis e complexidade logística de ir até as urnas. Essas são algumas das diversas razões que levam um eleitor a se abster do voto, segundo o cientista político, diretor do Movimento Voto Consciente e pesquisador do Laboratório de Política e Governo da Universidade Estadual Paulista de Araraquara, Bruno Silva. Em Santa Maria, o índice de abstenções foi de 27,57%, indicando que 57.661 eleitores não compareceram às urnas.
No Brasil, a média foi de 21,71%. No programa Bom Dia, Cidade, o especialista descreveu o cenário como preocupante e apontou quais processos podem ser adotadas pelos partidos para motivar e recuperar os eleitores que, de alguma forma, decidiram por não decidir.
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No município, o número de abstenções se aproxima da quantidade de votos registrada por Valdeci Oliveira (PT), que contabilizou 58.580. Em 2020, a disputa entre Jorge Pozzobom (PSDB) e Sergio Cechin (Progressistas) no 2° turno registrou a abstenção de 64.016 eleitores, o equivalente a 31,34% dos eleitores aptos. Este foi o maior número de abstenção dos últimos 20 no município. Na época, o país vivia a pandemia da Covid-19.
O especialista descreve as abstenções como uma "caixa preta", ou seja, não há como precisar exatamente o motivo da ausência dos eleitores, e explica o impacto que a decisão gera no cenário político:
— Isso, obviamente, nos preocupa na condição de cidadãos, nos preocupa também na condição de sociedade, porque significa que sistematicamente, um percentual menor de pessoas são aquelas que têm definido o futuro político do município e, consequentemente, escolhido aqueles que de fato vão votar sobre os projetos, apreciar as políticas públicas e levar adiante as ações necessárias nos municípios. É um quadro preocupante, ainda mais quando você traz, por exemplo, o dado da própria cidade de Santa Maria, que tem uma abstenção que se manteve presente mesmo em um contexto político muito diferente do que havia sido aquele contexto político em 2020, marcado pela pandemia.
Fatores que podem ter afastado o eleitor das urnas
O cientista explica que as profundas mudanças no cenário político brasileiro podem ter influenciado a ausência do eleitor na votação. O desencantamento com a política e o mundo público fez com que o cidadão enxergasse o assunto de uma forma:
— Nos últimos 10 anos, a gente tem uma conjuntura que, de algum modo, se naturalizou uma visão de que a política é o lugar malfeitores, da corrupção por excelência, o lugar do problema e não da solução das nossas vidas. Isso ficou muito evidente, principalmente com um dos impactos que começa em 2013, quando milhões de pessoas foram às ruas. Isso tudo foi sendo canalizado para um sentimento de antipolítica, que de alguma forma resultou na atual configuração política que temos, sobretudo conduzido pela Operação Lava Jato, que trouxe impactos positivos em uma determinada etapa da operação, que tentou de alguma forma trazer elementos para travar muitos dos esquemas que a gente vinha acompanhando, mas que depois acabou mostrando também toda a sua faceta política, e nesse sentido, colocou os políticos no banco dos réus, e a política, consequentemente, começa a ser a atividade que beira a criminalidade — relembra Silva.
Como resolver
— A gente precisa tentar rearticular isso, produzir lideranças, os partidos precisam ter um compromisso maior para poder engajar e trazer as pessoas — explica.
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Ainda segundo o pesquisador Bruno Silva, outro ponto relevante que pode ter colaborado para o desgosto do eleitor foi o novo formato da comunicação política nas redes sociais. Apesar de ter ficado fora do segundo turno, a campanha do candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), ganhou a atenção do país pelo uso indiscriminado e violento do universo digital. O desafio de lidar com as novas tecnologias é apenas um prenúncio daquilo que será visto nos próximos dois anos:
– As campanhas têm migrado para esse universo digital e muitas das vezes, alguns protocolos não são seguidos, e o respeito em relação aos candidatos não está dentro do horizonte. O respeito, principalmente em relação ao fato de você ter um competidor, e que isso é saudável e fundamental dentro de qualquer processo democrático, vai sendo colocado em segundo plano, onde se naturaliza a linguagem de que você precisa combater os inimigos e ficar apenas com seus amigos. A política é o espaço de ponte entre diferentes, e não espaço de convivência somente entre os iguais.
O ponto alto da campanha do ex-coach foi marcada pela circulação de uma fake news, onde ele apresentou um laudo falso que alegava envolvimento do oponente Guilherme Boulos (PSol) com consumo de drogas. A divulgação do documento não foi suficiente para prejudicar Marçal, que ficou de fora do 2° turno por menos de 1% dos votos. No fim, a disputa em São Paulo será entre Ricardo Nunes (MDB) e Boulos.
— Isso mostra o quanto você precisa estar no centro das atenções de alguma forma, mas o mais preocupante é que você vai criando determinados recortes da realidade, e o cidadão vai deixando em segundo plano aquela postura que a gente espera se tratando de vida pública. Como, por exemplo, algo guiado mais por um horizonte de racionalidade e razoabilidade, entender que nos extremos, a gente não constrói pontos posteriores para ter que governar. A gente tem criado, muita das vezes pela política, muito mais muros do que pontes, e esse é um verdadeiro problema porque a democracia ela força naturalmente um processo de negociação, um processo de conversa, de diálogo que tem que caminhar mais pelo centro. Não quer dizer que as posições políticas devam ser toda a centristas, não é isso. Mas a ela tem que caminhar de uma forma mais razoável - comenta Bruno sobre a campanha de Marçal.
No horizonte
— É preciso ressignificar a política, e de alguma forma produzir um reencanamento. Isso passa, sem dúvida alguma, pelos partidos terem que se fortalecer, e a sociedade se aproximar dos políticos no sentido até mesmo pedagogicamente ir aprendendo. Como se comportar, quais as decisões, como respeitar uma certa institucionalidade... Gerar essa aproximação entre líderes e liderados, entre esses que serão os próximos representantes e agora os representados vai ser um processo fundamental se a gente quiser de fato fortalecer a democracia — complementa o especialista.
A importância de incentivar a juventude no campo político
Para o especialista, o grande desafio é educar e ensinar sobre política aos jovens:
— Se orientados da maneira correta, trazidos pra dentro do processo de discussão política, e conscientizados da forma adequada, eles tendem a participar, mas muitos não têm se interessado, têm se distanciado. Muitos deles têm levado ainda as questões do debate público de modo relativamente superficial. E perceba, não é porque essa juventude não gosta de política, não se interessa, é que ela precisa ser mobilizada da maneira correta. Se não for através da educação, explicação, conscientização da importância será pelas redes sociais pela lógica do ódio, da performance, da "lacração", como costuma ser a linguagem. Então, acho que temos um desafio também como sociedade de educar as novas gerações para a importância, o significado da democracia e os riscos que se tem em deixá-la a mercê de tudo — finaliza.
Não votei, e agora?
Como o voto é obrigatório no país, quem não comparecer e não justificar a ausência em até 60 dias pelo site justifica.tse.jus.br. O eleitor que não justificar está sujeito a pagar multa de R$ 3,51. Caso o eleitor não compareça em três votações consecutivas, ele terá a inscrição eleitoral cancelada. Com isso, ele não consegue realizar procedimentos como emissão de documentos (RG e passaporte), se inscrever em concursos públicos e concorrer em futuras eleições.