Foto: Pablo Iglesias (Diário)
Aos 61 anos, a professora Lúcia Rejane da li Rosa Gama Madruga entra para história de Santa Maria ao ser eleita a primeira vice-prefeita em 166 anos de fundação da sua cidade natal. De professora a gestora pública, a mulher, mãe e avó dedicou grande parte da trajetória profissional à educação, com atuação no curso de Administração da Universidade Federal Santa Maria (UFSM), como chefe de departamento e coordenadora de curso, além de pró-reitora de Planejamento. E, claro, secretária municipal de Educação, função que a projetou para a política partidária com um desfecho bem-sucedido na primeira eleição que disputou. A passagem por cargos de gestão se deve muito a sua capacidade de liderança.
Na varanda de um sobrado, sede da chácara de um dos seus dois filhos, Lucas, no distrito de São Valentim, a 25 quilômetros do centro de Santa Maria, Lúcia recebeu a reportagem do Diário, junto de parte da família, para uma entrevista, poucos dias após o resultado das urnas. O local serve como um refúgio para descansar da inquietação da cidade, principalmente após meses intensos de campanha.
- Eu comecei a minha vida (profissional) em 1981, quando eu ingressei na faculdade de Matemática da Universidade Franciscana (UFN), que, na época, era Faculdade Imaculada Conceição (FIC), lugar onde tive minha primeira formação para buscar a minha independência. Em 1982, eu comecei a cursar Administração na UFSM e, em 1988, por meio de um concurso, passei a lecionar na universidade como professora no Centro de Ciências Naturais e Exatas, lecionando a matemática em diversos cursos por cinco anos - relembra a agora vice-prefeita eleita, sobre o início da carreira.
O reencontro e o convite
Quatro anos depois, em 1992, um encontro inesperado com um ex-professor do curso de Administração serviria como um primeiro passo na carreira de gestora. A convite do professor Ronaldo Etchechury Morales, ela foi trabalhar no Departamento de Administração da UFSM, onde foi chefe e coordenadora do curso. E só deixou departamento depois de um novo convite, desta vez do então reitor da UFSM Felipe Muller para assumir a Pró-reitoria Adjunta de Planejamento, em 2009.
Aposentado da UFSM desde 2015, Morales foi professor de Lúcia nas disciplinas de análise financeira, orçamento empresarial e introdução a administração. E descreve como era a estudante.
– Ela era uma aluna brilhante, mas, depois que ela se formou, perdemos o contato. No entanto, durante uma reunião de preparação para um dos vestibulares, nós nos reencontramos e foi quando soube que ela era professora do curso de Matemática. Na época, eu era presidente do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe) e eu tinha uma vaga para o Departamento de Administração. Foi quando levei a Lúcia para o curso, porque ela tem uma capacidade enorme de gestão e planejamento e tem sensibilidade e percepção das coisas. Quando veio a notícia de que ela seria secretária de Educação, eu só pedia uma coisa: que deixassem ela trabalhar e deixaram. O resultado esta aí – afirma Morales.
Escolha inusitada
Oito anos depois e com uma longa trajetória acadêmica e na área administrativa na universidade, Lúcia assume a Secretaria Municipal de Educação. A escolha do seu nome é até um pouco inusitada. A indicação ao prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) partiu de um ex-aluno dela: Alexandre Lima, Chefe de Gabinete do prefeito. Ele foi peça fundamental no início da trajetória política da vice-prefeita eleita.
– Conheci ela no início da década de 90, quando eu fui aluno do curso de Administração e lá já me chamava a atenção a postura dela e a competência em sala de aula. Anos depois, nos reencontramos por meio de amigos. Em 2017, durante a transição de governo, nós buscávamos uma pessoa com perfil técnico em áreas importantes, como a educação. A partir dessa missão, eu e minha esposa ficamos responsáveis por buscar esse nome e, pela história dela dentro da UFSM, ela tinha competência. Nós indicamos, e o prefeito confiou na nossa escolha, mesmo sem saber quem era ela – recorda Lima.
A boa convivência em sala de aula e sua capacidade de liderança é relembrada por outro ex-aluno de Lúcia.
- Eu fui aluno da Lúcia nas disciplinas de recursos humanos na UFSM em 2003, convivi com ela cerca de um ano no curso e ela sempre foi uma líder nata, muito comunicativa, conseguia engajar as pessoas além de ter um repertório técnico. Ela sabe lidar muito com as pessoas, e isso era o que tornava ela diferente dos demais professores. A gente gostava de estar nas aulas dela - descreve o empresário Jones Costa Caldas Júnior.
De discreta para linha de frente
Durante a campanha eleitoral, Lúcia mostrou uma personalidade diferente da observada pelos corredores da Secretaria de Educação, sempre séria, discreta e até avessa a entrevistas. Agora, na linha de frente da campanha, ao lado do prefeito eleito Rodrigo Decimo (PSDB), o que se vê é outra face, que poucos conheciam. A explicação para essa mudança, segundo a própria Lúcia, foi sair da zona de conforto.
- Eu era mais contida na Educação (Secretaria), porque o ambiente é muito crítico e até polêmico, então eu sempre me mantive discreta, até por uma questão de postura, mas a pessoa que vocês estão vendo agora sou eu, essa é a minha forma de ser e, aí, eu disse assim: "nesse momento, não tem como eu não ser eu, as pessoas vão ter que me conhecer de verdade", e esse é o meu perfil, uma das minhas características é o sorriso - diz vice-prefeita eleita, que nasceu em casa pelas mãos de uma parteira.
Várias habilidades
No ambiente de casa, Lúcia tem afinidade com a cozinha, com crochê, tricô, artesanato e com a jardinagem. Para o marido, Sérgio Madruga, ela é a pessoa mais criativa da casa. Já a nora Bruna, mãe das suas duas únicas netas - Laís, 8 anos e Lara, 2 meses, a define como um esteio na família.
- É ela quem tem as melhores ideias. É ela quem toma a frente da família e comanda tudo. Ela é quem nos une. Aliás, ela até reclama que é só ela quem tem as ideias - descreve o marido.
Vida no campo
Um dos seus passatempos preferidos é descansar na chácara do filho e a fazenda, que fica na localidade de Pau Fincado. Pela proximidade da chácara com a cidade, pelo menos uma vez por semana, ela procura ir até o local. Aliás, a lida no campo é uma das suas atividades de lazer favoritas para cuidar dos animais e das plantas, montar a cavalo ou somente aproveitar momentos mais reservados em família. Emocionada, ela recorda que a vida no meio rural remete à infância.
- O meu pai era produtor rural, e foi nessa vida que eu fui criada. Eu morei pra fora até os 6anos, quando fui para a cidade estudar e, depois disso, todas as minhas férias de inverno e de verão, eu passava no campo, até eu me casar aos 21. E o rural na vida de uma pessoa é você se divertir com qualquer coisa, andar a cavalo, visitar as fazendas vizinhas, chegava a andar 14 quilômetros a cavalo - relembra a ex-professora.
Pela primeira vez na história de Santa Maria, uma mulher vai ocupar a posição de vice-prefeita e, justamente, a representatividade feminina é uma de suas bandeiras.
- Eu sempre defendi a ideia de que a mulher tem que ocupar o lugar de tomada de decisão, e eu sou muito crítica sobre a mulher ocupar um lugar sempre de retaguarda e, agora, nessa posição, eu vou poder não só representar as mulheres, como também trazer o olhar feminino para o processo, porque nós temos uma forma diferente de ver o mundo - afirma Lúcia.