Foto: Beto Albert (Diário)
No último domingo (17), foi o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Trânsito. A data foi instituída em 1995 pela Organização das Nações Unidas (ONU). A data serve para homenagear quem partiu em decorrência desse tipo de acidente, mas também refletir sobre as consequências que perdas violentas no trânsito deixam para quem fica.
Essa é justamente a situação dos familiares de Otávio e Yasmim, que morreram após a moto em que estavam ser atingida por um carro em alta velocidade, na noite do dia 16 de dezembro de 2023, na BR-158, em Santa Maria. Onze meses após o acidente, familiares do casal convivem com o luto e a busca por justiça, pois o motorista que conduzia o carro está solto.
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No Bairro Tancredo Neves, na zona oeste do município, a família da jovem recebeu a equipe do Diário para uma conversa. O pai de Otávio mora no mesmo bairro e também participou do encontro. Tanto as irmãs, quanto os pais das vítimas usavam uma camiseta branca, estampada com a foto do casal, acompanhada da frase "Justiça por Otávio e Yasmim".
Entre relatos e desabafos, as lágrimas se misturam à conversa. Na sala da casa, porta-retratos do casal decoram o ambiente, como uma forma de pensar que os dois ainda estão ali, mesmo que seja em memória.
– Esses meses têm sido horríveis, não teve ano pior na minha vida. Eu não me curei, não aceito. Sou evangélico e somos tratados a tentar lidar de uma forma melhor com os fatos que ocorrem nas nossas vidas, mas, infelizmente, isso ainda não aconteceu comigo. Para mim, parece que ele ainda vai voltar – afirma Elton Siqueira, 58 anos, pai de Otávio.
Otávio era filho único e morava com o pai em Santa Maria, enquanto a mãe vive em Cachoeira do Sul. Apaixonado por motos, o jovem havia trocado de motocicleta um mês antes do acidente. A última lembrança que Elton tem do filho é justamente de ter visto ele no bairro:
– Vi ele na Avenida Paulo Lauda (avenida principal do bairro), ele passando de um lado da pista, e eu do outro. Ele abanando para mim, e eu para ele. Foi a última vez que vi meu filho com vida. Eu vou dormir e levanto pensando neles.
"É como se ela estivesse viajando", assim Dani Pacheco Soares, 57 anos, resume a falta que Yasmim, sua filha mais nova, faz.
– Eu também não acredito. Sinto muita saudade. Cada dia, cada momento, cada hora....durmo, acordo e levanto pensando nela. Não consigo colocar em palavras a dor e a saudade que sinto. Ela sempre teve um pensamento correto, era madura para a idade dela.
Nos momentos difíceis, a mãe usa as lembranças para se apegar às memórias da filha. E assim, conseguir lidar com a ausência, dia após dia.
– Lembro que eu sentava aqui na sala, vendo televisão e ela vinha, sentava do meu lado, às vezes no meu colo e falava para mim "mãe, sou tua linda, sou teu bebê", porque ela era a minha menor – relembra, emocionada.
O casal completou três anos de namoro um dia antes do acidente e tinham sonhos, queriam melhorar de vida juntos. Otávio trabalhava como supervisor de vendas da operadora Claro, enquanto Yasmim atuava no setor de crediário das lojas Colombo e sonhava em cursar direito.
– Eu tenho uma outra filha, mas nossa relação é distante. Para mim, a Yasmim chegou para preencher esse vazio de "filha" que havia em mim. Ela era uma filha para mim – conta Elton.
Quando as famílias se encontram, é como se o casal ainda estivesse presente ali. Emilene Pacheco Gerhard, 26 anos, uma das irmãs de Yasmim, conta que os dias passam, mas as lembranças continuam vivas.
– A vida empurra a gente para a frente né, mesmo que a gente não queira. Posso estar mal, mas preciso tocar a vida, levar as crianças para a escola, tomar banho e me alimentar. Algumas coisas passam no automático, que nem parece que isso aconteceu com a irmã. Eu paro e penso: não, isso aconteceu com a Yasmim, minha irmã mais nova. E então os pensamentos voltam.
Yasmim era a mais nova entre quatro irmãs. Apesar disso, era considerada bastante madura para a sua idade, conforme fala sua irmã Eduarda Pacheco Gerhard, 26 anos:
– Eu durmo e acordo pensando que a irmã que ajudei a criar não está mais aqui. Uma criança que a gente defendia de tudo, para nós ela era um bebê. Ela era muito correta, madura e justa.
Questionado de acredita na justiça, Anderson da Silva Soares, 51 anos, pai de Yasmim, afirma:
– Não tinha quem soubesse mais os segredos da minha vida do que a minha própria filha. Pode ter certeza disso. Ela era maravilhosa. Ainda tento acreditar na justiça, espero que seja feita, assim minha filha poderá descansar.
Motorista estava alcoolizado e responde em liberdade
Conforme a ocorrência policial na época, Lucas Diefenthaler, 41 anos, dirigia um VW Gol quando colidiu contra a traseira da moto onde estava o casal. Após o acidente, ele foi submetido ao bafômetro pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), que resultou em 1,02 miligramas de álcool por litro de ar expelido, e na contraprova 0,99 mg/l, o que caracteriza crime de trânsito.
O motorista chegou a ser levado para a Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm), mas foi solto dois dias depois, sob algumas condições. Ele teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) cassada, perdendo a permissão para dirigir e não poderia sair de Santa Maria.
A família de Yasmim é representada na Justiça pelos advogados Daniel Tonetto e Bernardo Raddatz. Segundo Raddatz, o motorista foi denunciado foi homicídio com dolo eventual, quando não há a intenção, mas se assume o risco de matar. O advogado explica que o acusado teria descumprido as medidas cautelares impostas pela justiça, e por isso, a defesa teria entrado com pedido de prisão preventiva, que foi negado:
– Ele voltou a dirigir e descumpriu as medidas cautelares. Entramos com recursos pedindo a prisão preventiva, porém não foi concedida e sim, somente o uso da tornozeleira eletrônica. Ele está sendo monitorado, mas respondendo em liberdade.
Segundo as irmãs de Yasmim, Lucas também mora no Bairro Tancredo Neves e teria sido visto por elas andando na rua.
– Isso é mais do que injustiça. Já vimos ele andando aqui pelo bairro. Ele bebeu e foi embora dirigindo, então assumiu o risco de matar, não foi um acidente. É horroroso ele não estar preso após matar duas pessoas. Colocaram uma tornozeleira eletrônica nele para exemplo, então quer dizer que a minha irmã e o Otávio foram pegos para exemplo? Não queremos isso – afirma Emilene.
Raddatz explica que o processo está na 1º fase do júri e que uma primeira audiência está programada para ocorrer em janeiro de 2025, no qual testemunhas serão ouvidas:
– Trabalhamos hoje para levar o caso para o Tribunal do Júri. Nosso objetivo é que a família do casal possa ter um pouco de justiça. Nada que fizermos trará seus filhos de volta, mas é para que outras famílias não vivenciem essa dor.
O Diário tentou contato com a defesa de Lucas, que não foi localizada.
Segundo Eduane Pacheco Gerhard, 30 anos, irmã de Yasmim, a família vive com medo e redobrou os cuidados ao sair de casa. Existe o receio de que um novo acidente possa ocorrer:
– Quando a gente sai, mandamos a localização uma para outra e não paramos de ligar até que chegue no local. A gente vive assim agora, traumatizadas. Não é o medo em sair, mas sim de que outro acidente possa acontecer, conosco ou com os nossos filhos. A sensação é como se a vida da Yasmim e do Otávio não fossem nada para as leis.
Protestos
No dia 16 de dezembro deste ano, a morte do casal completará um ano e as famílias não deixarão a data passar em branco. Um quarto protesto está planejado para ser feito no dia 14, com o objetivo de relembrar o fato e reforçar o pedido por justiça.
– As pessoas reclamam que não estamos deixando eles descansarem, para parar de chorar, seguir a vida.... é a pior coisa que a gente pode ouvir. Fazemos essas manifestações porque queremos respeito pela vida deles e para que isso não ocorra com outras pessoas. É uma dor tão forte que só quem passa pelo luto sabe – relatam as irmãs de Yasmim.
Segundo Elton, o trajeto ainda não está definido, mas o destino final é certo: a sede do Fórum de Santa Maria. Também existe o desejo de fazer uma simulação do acidente com atores, algo que ainda está sendo planejado.
– O objetivo é impactar. Queremos que ouçam o que temos a dizer e que as pessoas entendam o que de fato aconteceu. Alguma coisa tem que ser feita – afirma.
Outros três protestos foram feitos com o objetivo de pedir justiça pela morte dos jovens. O primeiro foi realizado na tarde do dia 22 de dezembro de 2023. Em uma sexta-feira chuvosa, a carreata começou no Ginásio do Oreco, no Bairro Tancredo Neves, às 17h, e seguiu até a sede do Ministério Público (MP), no Bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria. Dezenas de carros e motos com banners e imagens estampadas do casal buzinavam durante o trajeto e, sobretudo, na chegada ao MP.
Quando o acidente completou um mês, no dia 16 de janeiro deste ano, uma nova manifestação foi realizada, mas em Cachoeira do Sul, terra natal do motociclista. Na ocasião, os manifestantes saíram do Hotel União, um ponto tradicional da cidade, passaram pelas principais ruas de Cachoeira do Sul e seguiram até a sede do Ministério Público (MP). Cerca de 120 pessoas estiveram presentes.
Ainda em janeiro, uma segunda manifestação foi realizada em Santa Maria, em um trajeto que saiu da zona oeste do município e seguiu até a Gare. No local, familiares discursaram e fizeram uma rodada de orações pelo casal.
– Tenho certeza que se fosse para outra pessoa (o protesto), o Otávio e a Yasmim estariam lá, porque eles eram assim – finaliza Emilene.
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