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"Não sei quando a gente vai receber e se vamos receber", afirma viúva de vítima da Kiss, que aguarda o pagamento da indenização trabalhista

Foto: Beto Albert (Diário)

Patrícia Cavalheiro (à esq.) e Joana Treulieb (à dir.), viúva e filha, respectivamente de João Treulieb, vítima no incêndio

Com a definição da falência da boate Kiss, 11 anos depois do incêndio que vitimou 242 pessoas, é hora da Catalise Administração Judicial, de Porto Alegre, organizar o que restou da massa falida. Esse fator novo gera um fio de esperança a quem espera por mais de uma década pelo pagamento das indenizações.

Dentre as diversas tarefas, é atribuição da administradora judicial fazer o levantamento de credores e realizar o pagamento a quem tem direito, com processos já julgados. Na aplicação da Lei das Falências de uma empresa, o procedimento tem um fluxo diferente, tendo como uma das prioridades o pagamento das dívidas de origem trabalhistas, por exemplo. Neste caso, segundo o levantamento feito pela administradora judicial, são pelo menos R$ 10 milhões devidos para 26 credores. 


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Uma das famílias que aguarda pela indenização é composta por Patrícia Cavalheiro, 47 anos, e a filha Joana Carvalho Treulieb, 11 anos. Elas são viúva e filha de João Aloisio Treulieb, que era gerente de copa da boate Kiss. Ele morreu dois dias antes de completar 30 anos. Elas são representadas pela advogada Cristina Meira.


Foto: Beto Albert (Diário)


Bacharel em Direito, Patrícia estava no oitavo mês de gestação quando a tragédia ocorreu e Joana acabou nascendo prematura, em março de 2013. Ela e João estavam casados há menos de um ano, após uma década de namoro. 


– Na verdade, fui dar conta do que realmente tinha ocorrido muito tempo depois. Eram muitas coisas para processar ao mesmo tempo. Eu perdi o marido, meus sogros perderam o filho, mas ganharam uma neta. Levei pelo menos quatro anos para me reorganizar.


A gestação de Patrícia não foi fácil, segundo ela. Por isso, ela não trabalhava na época. João era o principal responsável pelo sustento do lar. Com a tragédia e por João ser funcionário com carteira assinada, a família recebe, até hoje, a quantia de um salário mínimo pela pensão por morte.


– Desde aquele momento, recebemos ajuda de muita gente. Temos uma rede apoio, principalmente dos avós paternos da Joana. 


Ainda em 2013, advogada Cristina Meira entrou com duas ações na Justiça: a primeira para o recebimento das parcelas rescisórias, cerca de R$ 8 mil na época. Após um acordo, esse valor foi recebido em 2015. Já a segunda ação indenizatória trabalhista pelo acidente de trabalho que resultou em morte, hoje cotada em R$ 2,5 milhões, nunca foi recebida.


– Ele era funcionário, tinha a carteira assinada, estava trabalhando no momento em que tudo ocorreu. Não há o que discutir em relação à ação trabalhista. Pensei que esse processo andaria mais rápido, mas até hoje não conseguimos receber nada desse valor – afirma Patrícia.


Por mais de uma década, a família aguarda pelo pagamento das verbas indenizatórias. Agora, por meio da Lei da Falência, o pedido indenizatório é de 150 salários mínimos - o equivalente a um pouco mais de R$ 211 mil, referentes aos créditos de origem trabalhista, que são prioridades na ordem de pagamentos.


– Eu achei que isso seria mais rápido, que os trâmites judiciais seriam seguidos como deve ser. Mas muitas coisas aconteceram no meio do caminho, muita informação desencontrada... eu sei que tem uma sentença do processo indenizatório em um valor bem expressivo, mas não sei dizer quando a gente vai receber, e se vamos receber.


Atualmente, a renda da família se baseia no salário de Patrícia em um escritório de advocacia, além da pensão por morte deixada por João. Joana estuda no 6º ano do Ensino Fundamental em uma escola particular no centro de Santa Maria. 


– Não passamos necessidade. Felizmente a nossa rede de apoio é grande, tem os dindos, os avós, cada um ajuda em uma parte para que ela possa ter uma educação de qualidade e uma vida mais tranquila. Mas sozinha eu não conseguiria.


Questionada se acredita se receberá o valor pedido, Patrícia é enfática: 


– Olha, eu já não acreditei, acreditei, desacreditei... mas agora eu acredito que sim. Se esse dinheiro existe, não tem por que nós não recebermos.


Filha de vítima nasceu logo depois da tragédia

Foto: Beto Albert (Diário)


Joana tem 11 anos, está no sexto ano do Ensino Fundamental e nasceu em março, um pouco mais de um mês após o incêndio. Ela faz acompanhamento psicológico desde os 2 anos de idade. Como não conheceu pessoalmente o pai, ela cria na memória a imagem de João de acordo com o que lhe contam.


– Segundo meus dindos, meu pai era uma pessoa gentil, legal, brincalhona. Dizem que ele é bem parecido com o meu avô. Espero um dia receber algo na Justiça. A gente espera que um dia isso possa se resolver – afirma a menina.


Homenagens ao pai que nunca conheceu

No Dia dos Pais de 2019, Joana estava no 1º ano e participou de uma atividade alusiva à data. Ela fez uma cartinha, onde na capa desenhou ela, sua mãe e o pai. Dentro do material, além do desenho das mãos e frases alusivas à data.


Joana com a carta feita para o paiFoto: Beto Albert (Diário)


Quando a tragédia completou 10 anos, em janeiro de 2023, Joana foi protagonista de uma série de reportagens feitas pelo Diário. Na época, ela escreveu uma carta em homenagem a João, relatando a sensação de ter ido ao cemitério ver o túmulo do pai pela primeira vez e sobre o sentimento em nunca ter lhe conhecido. Confira a matéria completa aqui. 



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Maria Júlia Corrêa

julia.correa@diariosm.com.br

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