Eduardo Ramos
A emoção misturada com dor e revolta de familiares e amigos de Gabriel Marques Cavalheiro marcaram a despedida do jovem de 18 anos. O sepultamento ocorreu na manhã de domingo (21), em São Gabriel, no cemitério Irmandade de São José. O corpo de Gabriel foi encontrado em um açude na região de Lava Pés, no interior do município.
O velório do jovem de 18 anos ocorria na capela da funerária São José desde às 14h30min de sábado, após o corpo de Gabriel ter passado por exame de necropsia no Posto Médico-Legal (PML) em Santa Maria, sendo liberado por volta das 12h30min do mesmo dia.
Foto: Eduardo Ramos (Diário)
Enquanto os últimos preparativos para o sepultamento eram realizados, por volta das 8h30min, uma multidão era tomada pela emoção em frente à funerária São José. O percurso da capela até o cemitério durou cerca de 30 minutos. Gabriel, que era conhecido pela admiração à cultura gaúcha, foi homenageado. Em cavalos, amigos e moradores de São Gabriel lideraram o cortejo, seguido por uma longa fila de veículos.
– O Gabriel era um excelente amigo meu e da minha família. Todo mundo queria muito bem ele, principalmente os meus filhos. Eles jogaram bola na última semana, antes dele desaparecer. Ele veio para cá para servir no Exército e aconteceu essa baita tragédia. Ele era um guri do bem. Não tinha porque acontecer isso. Só queremos justiça – afirmou o peão Mateus Andrade Pacheco, 37 anos, que participou da homenagem durante o cortejo.
O adeus
No cemitério, nem as paredes estreitas diminuíram a quantidade de pessoas que queriam se despedir do rapaz. Após o sepultamento, Gabriel recebeu uma salva de palmas e, logo após, a música Faz um milagre em mim, do cantor Regis Danese, foi cantada em coro por todos os presentes. Aos poucos, o momento de reza e louvor deu espaço a pedidos por justiça, que passaram a ecoar mais alto pelo cemitério. Paulo Jaime Trindade da Costa, 70, é um dos familiares que se manifestou. Emocionado, ele comentou ao Diário sobre o ocorrido:
– É algo sem explicação. Era muito fácil terem pegado ele (Gabriel) e levado até a delegacia para prestar depoimento, por que agarrar e fazer o que fizeram? Os camaradas sabiam onde tinham colocado (o corpo). Eles não tiveram o bom senso de largar e dar uma respostas para ninguém. Se fosse o pai ou a mãe deles, o que eles pensariam se alguém fizesse isso?
Foto: Eduardo Ramos (Diário)
Leonilda Magalhães de Oliveira, que é vizinha dos avôs de Gabriel, em Guaíba, emocionou-se ao falar do jovem que conhece desde que nasceu. Após a confirmação da morte de Gabriel, ela se deslocou até São Gabriel para dar adeus a quem só guarda lembranças boas.
– Eu tinha uma esperança antes da jaqueta ser encontrada. Depois disso, fiquei dois dias de cama e estou muito abalada até agora. É muito sofrimento – afirmou Leonilda ao Diário.
Causas de morte
Conforme o perito criminal do Instituto-Geral de Perícias (IGP), Railander Barcellos, alguns elementos no exame de necropsia foram achados e necessitam ser corretamente examinados em laboratório. O resultado do laudo deve levar até 30 dias. No entanto, algumas das análises laboratoriais podem ser concluídas antes.
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Sentimento de revolta toma conta do município
Entre 10h e 14h, a área central de São Gabriel mantinha um típico movimento de sábado (20). Carros da Brigada Militar, que, segundo a população, costumam trafegar regularmente pelas ruas, eram quase imperceptíveis. A exceção ficava na rua onde está a sede da BM, na Avenida Francisco Chagas, em que viaturas saíam e entravam no pátio, além de outra que estava isolada. Essa é a via por onde um veículo levou Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, até a localidade de Lava Pés.
Nelson Rodrigues, 54 anos, é taxista na praça central da cidade. O assunto do desaparecimento de Gabriel foi o principal comentário ao longo da semana, mas a revolta aumentou depois que o corpo do jovem foi encontrado.
– Era só o que se falava e se lamentava. Mas, depois que encontraram o corpo, piorou. Pessoal se revoltou com a atitude da Brigada (Militar). Que tipo de ação é essa? Será que já faziam abordagens como essa antes? – questionou Rodrigues.
Ao mesmo tempo em que se iniciava o velório de Gabriel, em frente à sede da Brigada Militar do município, no sábado, um grupo de moradores deu início a um protesto, utilizando cartazes e balões pedindo justiça. Em certo momento, as mais de 100 pessoas que estavam reunidas fizeram um minuto de silêncio em homenagem ao jovem morto.
Foto: Maurício Barbosa (Bei)
Família
Anderson da Silva Cavalheiro, 40 anos, trabalha como encarregado por depósito e é pai de Gabriel Marques Cavalheiro. Anderson saiu da cidade de Guaíba para sua pior viagem, cujo destino é sepultar o único filho. Em depoimento emocionado, o pai falou do sonho abreviado do filho e de uma trajetória exemplar.
Na foto, Anderson da Silva Cavalheiro, pai de Gabriel. Foto: Eduardo Ramos (Diário)
O jovem queria prestar serviço militar obrigatório em São Gabriel, bem como viver na cidade. Tranquilo, tímido, mas cheio de amigos, Gabriel era conhecido pela admiração à cultura gaúcha. Era filho único de Anderson, e irmão de Bianca e Suelen, também filhas da sua mãe Rosane.
Professores e colegas enviaram um vídeo em homenagem a Gabriel, e um ônibus saiu de Guaíba, sábado. Todos pedem transparência nas investigações.
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Relembre o caso
Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, desapareceu no dia 12 de agosto, em São Gabriel. O jovem, nascido em Guaíba, estava hospedado na casa dos tios para realizar os exames de alistamento militar. Ele teria sido avistado, pela última vez, por uma testemunha sendo colocado em uma viatura da Brigada Militar.
Desde quarta-feira (17), as buscas se concentraram na localidade conhecida de Lava pés, a dois quilômetros do ponto de abordagem.
Os três policiais suspeitos estão presos em Porto Alegre
Após a audiência de custódia realizada na Justiça Militar Estadual (JME), em Santa Maria, na tarde de sábado (20), os três policiais militares investigados foram transferidos para o Presídio Militar de Porto Alegre, onde devem permanecer ao menos até a conclusão dos inquéritos da Polícia Civil e do inquérito policial-militar (IPM), da Corregedoria-Geral da Brigada Militar – ainda na noite de sexta-feira (19), os três tiveram a prisão preventiva decretada.
Conforme a Justiça Militar Estadual (JME), como o processo ocorre sob sigilo, não foram divulgados os nomes dos três suspeitos. O comando da Brigada Militar informou em coletiva que tratam-se de um sargento e dois soldados, com 16, 15 e 5 anos de serviço na corporação. Também não há informações sobre ter ocorrido, nesta audiência, solicitação de liberdade provisória por parte da defesa dos suspeitos na audiência de custódia realizada sábado (20).
A viatura utilizada na abordagem permaneceu em isolamento no Comando da Brigada Militar de São Gabriel, local onde ocorreu a perícia no veículo. Foto: Eduardo Ramos (Diário)
Sem comando
Segundo o advogado Solano Costa, designado pela seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS) para acompanhar as investigações do caso, informações dão conta de que São Gabriel estaria sem comando efetivo desde 2016.
– Teria quem respondesse interinamente pela unidade, mas nenhum comandante oficial, efetivo, que residisse na cidade – relatou Solano.
Na última semana, quem respondeu pela Brigada Militar em São Gabriel foi o representante do Comando Regional da Fronteira Oeste, o major Aníbal Silveira, comandante do 2º Regimento de Polícia Montada. Ele reside e atua em Rosário do Sul.
A reportagem encaminhou questionamentos sobre o caso para a assessoria da Brigada Militar em Porto Alegre, mas, até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno.
Reportagem: Maurício Barbosa, Rafael Menezes, Gilberto Ferreira, Lenon de Paula, Pâmela Rubin Matge, Arianne Lima, Vitória Parise
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