Aos 55 anos, Eliane Ravazi Matos vive uma rotina bem diferente da que estava habituada. Dona de dias agitados, há um mês, precisou diminuir o ritmo após ter uma das pernas amputadas e passar por um trauma sem precedente. Ela era uma das 33 passageiras do ônibus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que tombou em Imigrante e deixou sete vítimas fatais. Ao Diário, ela falou sobre a recuperação e o futuro:
– É começar uma vida diferente agora, de uma outra maneira.

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O dia do acidente
Desde que as aulas começaram, em 11 de março, a rotina de Eliane era dividida entre trabalho e estudos. Apesar da dupla jornada, estava feliz. Era o sonho dela ingressar no curso de Paisagismo. No dia da viagem, ela lembra que tudo estava indo bem até que o ônibus começou a ganhar velocidade enquanto se aproximaram de Imigrante. Logo percebeu que tinha algo errado, mas não teve tempo para uma reação.
– Lembro que eu comentei “nossa, que lugar alto”, e no que eu terminei a frase, o ônibus voou. E aí, eu não vi mais nada. Apaguei. Eu acordei e vi aquilo tudo revirado. Olhei pra cima e vi uns bancos pendurados e pessoas mortas do meu lado. Foi quando eu comecei a pedir por ajuda. “Ajuda, ajuda, meu pé está preso”, eu dizia.
Entre dor e pedidos de ajuda, Eliane desmaiou e não lembra de mais nada do acidente. Quando acordou, estava no Hospital Bruno Born, em Lajeado, onde recebeu os primeiros atendimentos.
A recuperação
Foram oito dias de internação no Vale do Taquari. Eliane lembra que, logo depois de acordar, passou por um dos momentos mais difíceis da recuperação: a notícia da amputação da perna esquerda. “Disse que precisou amputar para salvar a minha vida”, lembra. Além disso, foram sete costelas, a clavícula e a escápula quebradas.
– Aquilo me chocou, mas eu tenho uma fé muito grande, e Deus me confortou como tem me confortado até agora. Tem dias que dá um desespero, uma vontade de sair para fazer o que eu sempre fazia, e penso no porquê. Mas, no mesmo momento, já vem o pensamento de que eu tive a chance que, infelizmente, alguns colegas não tiveram – comenta.
Quando retornou para Santa Maria, optou pelos cuidados domiciliares oferecidos pela UFSM. Desde então, tem tido sessões com um psicólogo e visitas da equipe médica contratada pela instituição. Cerca de 20 dias após a alta hospitalar, passou por um novo procedimento cirúrgico, desta vez na perna direita, e custeado pelo plano de saúde da família.

Sobre a recuperação, Eliane comenta sobre a assistência recebida:
– Eu tinha que estar fazendo fisioterapia há algum tempo já, mas ainda não iniciamos. Tem sido difícil de lidar com a universidade, é muito demorado para liberar uma coisa. Tem que ficar insistindo e insistindo. Esperei que tivesse mais esse cuidado porque lá (em Lajeado) foi falado que eu teria todo um atendimento aqui, de médicos que estariam me acompanhando, e não foi isso que aconteceu. Demorou 12 dias para chegar o primeiro médico aqui.
Futuro
O trauma, para Eliane, ainda é recente. Por isso, tem evitado ver imagens ou lembrar do acidente. Questionada sobre o futuro, ela conta que não pensa em desistir do sonho mas que, por enquanto, deve ficar afastada da instituição. O objetivo, agora, é retomar a rotina e fazer justiça pelas vidas perdidas ou alteradas após o acidente:
– Eu não tenho ódio no meu coração, mas eu quero muito que seja feito justiça. Eu quero que a universidade pague pelo que ela fez, para que não aconteça com mais ninguém. Foram vidas perdidas. E eu acho que eles deveriam dar atenção para quem ficou, porque muito do que foi falado não está sendo feito.
Rotinas alteradas
Eliane mora com a família no Bairro Nossa Senhora Medianeira, em Santa Maria. Desde o acidente, a rotina tem sido outra. O quarto, por exemplo, precisou ser adaptado para receber uma cama hospitalar. E outras estruturas da casa devem ser modificadas para facilitar a locomoção – com o auxílio de muleta ou cadeira de rodas.
No último mês, o marido João Batista de Matos, 60 anos, deixou o emprego. Conforme ele, a recuperação tem sido prioridade nesse momento. O casal está junto há 37 anos.
– Estamos nessa luta agora. Estou direto com ela. Eu parei com o meu serviço. Ela também. Mudou a rotina total, mas é o momento de estar com ela. Não existe plano B. Meu plano A é manter ela com saúde.

Vítima busca por responsabilização criminal, afirma advogado
A defesa de Eliane afirma que a família vai buscar responsabilização criminal diante das sequelas físicas e psicológicas. Para o advogado Christiano Pretto, está claro que o ônibus da instituição não tinha condições de rodar.
– Não vamos medir esforços para buscar uma responsabilização criminal e uma responsabilização cível para os envolvidos que deixaram de se importar com a vida humana colocando um ônibus que sequer poderia estar rodando. Tem um laudo no inquérito policial que atesta isso – afirmou o advogado.

De acordo com Pretto, a defesa também acompanha a assistência dada a Eliane após o acidente:
– Depois que a dona Eliane veio para Santa Maria, houve bastante negligência por parte da universidade para fornecer profissionais. Também teve o fato de que depois que fez a cirurgia de amputação do membro em Lajeado, surgiu um novo problema que não foi visto pelos profissionais que atenderam ela lá, o que a submeteu a mais uma cirurgia.
O que diz a UFSM:
“A partir do momento da alta em Lajeado, a UFSM contratou e enviou ambulância para o transporte de retorno. No primeiro dia, a equipe de home care, com atendimento de enfermagem, já estava disponível na residência. A indicação de fisioterapia foi dada na semana passada, após realização de nova cirurgia, e deve começar nesta semana. Sobre atendimento médico, foi realizado conforme necessidade, com visita do médico da UBS, com encaminhamento até o Husm para reavaliação, e com neurologista contratado de forma particular para consulta a domicílio, além da realização de exames. A UFSM segue prestando apoio a partir das indicações médicas e das equipes de saúde, bem como à disposição para ouvir as demandas de cada um dos envolvidos”.
Relembre o acidente
Um ônibus com estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) caiu em uma ribanceira de 52 metros de altura, perto do trevo de acesso ao município de Imigrante, na região do Vale do Taquari, na manhã de sexta-feira (4), e deixou sete mortos e 26 feridos. Todas as vítimas fatais eram calouras do curso de Paisagismo do Colégio Politécnico da instituição.
No total, 33 pessoas — estudantes, professoras e o motorista — estavam em uma excursão que faria visita técnica ao Cactário Horst (espaço dedicado ao cultivo de cactos e suculentas), em Imigrante, quando o acidente aconteceu. Uma das teorias da causa do acidente seria falha nos freios. O ônibus pertencia à UFSM, mas o motorista era terceirizado.
O acidente aconteceu a cerca de 850 metros do destino final, entre os quilômetros 3 e 4 da rodovia, pouco antes das 11h. O primeiro chamado que os bombeiros voluntários receberam foi às 10h48min.

As despedidas das vítimas fatais Dilvani Hoch, Fátima Eliane Riquel Copatti, Flavia Marcuzzo Dotto, Janaina Finkler, Marisete Maurer e Paulo Victor Estefanói Antunes foram realizadas no sábado em Santa Maria, São Pedro do Sul, Vale Vêneto (distrito de São João do Polêsine), Estância Velha e São Martinho da Serra. Elizeth Fauth Vargas foi sepultada no domingo (6), em Passo Fundo.
Duas pessoas seguem hospitalizadas
Um mês após o acidente com ônibus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que tombou no Vale do Taquari, duas pessoas seguem internadas. Em Santa Maria, no Hospital Astrogildo de Azevedo, está Fernanda Gonçalves de Menezes, 45 anos. Em Lajeado, Emerson Andrade dos Santos, 26 anos, segue internado no Hospital Bruno Born. Ambos estão estáveis e sem previsão de alta.
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