Santa Maria zera o número de crianças e adolescentes aptos para adoção

Redação do Diário

Santa Maria zera o número de crianças e adolescentes aptos para adoção

Fortalecer a rede de proteção à criança e ao adolescente em Santa Maria é um dos desafios dos órgãos e entidades envolvidos na causa. O trabalho, que começa na atuação do Conselho Tutelar e, em último recurso, acaba no processo de adoção tem evoluído nos últimos anos. Quando não há mais recursos, e a criança ou o adolescente precisa ser adotado, há outros mitos que precisam ser quebrados. A criança perfeita não existe, todas vêm carregadas de traumas, o processo rápido nem sempre depende da Justiça e os pretendentes precisam estar conscientes de todos os desafios. Adotar, além de um ato de amor, é também um ato de aceitação das fragilidades, vulnerabilidades e dificuldades dos filhos.

Indo na contramão dos números do Brasil, que possui mais de 4 mil crianças aptas a serem adotadas, atualmente, não há criança ou adolescente aptos para adoção em Santa Maria. Em 2021, foram 19 adoções finalizadas no município. Os dados deste ano são celebrados pela magistrada do Juizado Regional de Infância e Juventude, Gabriela Bobsin, na semana em que é comemorado o Dia Nacional da Adoção. Há três situações: a Justiça trabalha na reestruturação da família de origem, a fim de levar a criança ou o adolescente de volta para casa; a criança ou o adolescente estão sendo preparados para serem adotados; ou a criança ou adolescente opta por não ter uma nova família. Em Santa Maria, são cerca de 40 crianças em instituições de acolhimento. Elas não estão aptas para adoção, pois se enquadram em uma dessas três situações.

– A adoção não é algo compulsório. Assim como os pretendentes precisam se preparar, mediante um processo de avaliação, fazer curso preparatório, as crianças ou adolescentes também precisam ser preparados para estarem prontos para poder estabelecer novos vínculos, pois eles possuem como referência as relações das famílias de origem, por isso elas precisam ter um suporte emocional. Hoje, não temos nenhuma apta a ser adotada – afirma a juíza.

No Rio Grande do Sul, conforme os dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, o cenário é diferente de Santa Maria. No total, há 314 crianças ou adolescentes aptas a serem adotadas. Quanto ao número de pessoas que pretendem adotar, 4.082 estão habilitadas, seja casal ou individual. Aqui na cidade, são 95 habilitações.

O tempo de espera em média é de cinco anos, devido às etapas de preparação, adaptação até a sentença judicial de adoção. Segundo a juíza, outro motivo para esse período ser prolongando, embora reforce que o considera dentro do normal, é devido às características exigidas por quem pretende adotar:

– O prazo depende do perfil pretendido pelos adotantes. Como a maior procura é por bebês de 0 a 6 meses, naturalmente o tempo de espera por este perfil será maior. Além disso, o perfil de crianças mais velhas e de adolescentes não é tão buscado – destaca a juíza.

ALERTA

Apesar dos números positivos, a advogada e professora Bernadete Schleder dos Santos, especialista em direito de família e sucessões, faz um alerta sobre dois temas que precisam ser discutidos e aprimorados no processo de adoção: as devoluções de crianças no processo de adaptação, e os adolescentes quando atingem a maioridade e são obrigados a deixar os abrigos de amparo.

– O processo de adoção evoluiu. Não pode ser mais considerada apenas uma coisa romântica. Exige enorme responsabilidade. Quando uma criança é devolvida para um abrigo, isso gera um trauma tão grande, que demora muito tempo para ela se recuperar. Teria que existir alguma previsão legal quanto a isso – relata.

ONG Nações em Ação oferece atividades para crianças em vulnerabilidade

Sobre o fato de os adolescentes atingirem a maioridade, a especialista acredita que o poder público precisa ter um olhar especial, para evitar que essas pessoas saiam para rua sem qualquer amparo.

PASSO A PASSO DA ADOÇÃO

Você decidiu adotar – Procure o Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude da sua cidade ou região, levando os documentos necessários. Entre em contato com a unidade judiciária para conferir a documentaçãoAnálise de documentos – Os documentos apresentados serão autuados pelo cartório e serão remetidos ao Ministério Público para análise e prosseguimento do processo. O promotor de justiça poderá requerer documentações complementares.Avaliação da equipe interprofissional – É uma das fases mais importantes e esperadas pelos postulantes à adoção, que serão avaliados por uma equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário. Nessa fase, objetiva-se conhecer as motivações e expectativas dos candidatos à adoção; analisar a realidade sociofamiliar; avaliar, por meio de uma criteriosa análise, se o postulante à adoção pode vir a receber criança/adolescente na condição de filho; identificar qual lugar ela ocupará na dinâmica familiar, bem como orientar os postulantes sobre o processo adotivo.Participação em programa de preparação para adoção – A participação no programa é requisito legal, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para quem busca habilitação no cadastro à adoção. O programa pretende oferecer aos postulantes o efetivo conhecimento sobre a adoção, tanto do ponto de vista jurídico quanto psicossocial; fornecer informações que possam ajudar os postulantes a decidirem com mais segurança sobre a adoção; preparar os pretendentes para superar possíveis dificuldades que possam haver durante a convivência inicial com a criança/adolescente; orientar e estimular à adoção interracial, de crianças ou de adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou com necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos.Análise do requerimento pela autoridade judiciária – A partir do estudo psicossocial, da certificação de participação em programa de preparação para adoção e do parecer do Ministério Público, o juiz proferirá sua decisão, deferindo ou não o pedido de habilitação à adoção.Ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – Com o deferimento do pedido de habilitação à adoção, os dados do postulante são inseridos no sistema nacional, observando-se a ordem cronológica da decisão judicial.Buscando uma família para a criança/adolescente – Quando se busca uma família para uma criança/adolescente cujo perfil corresponda ao definido pelo postulante, este será contatado pelo Poder Judiciário, respeitando-se a ordem de classificação no cadastro. Será apresentado o histórico de vida da criança/adolescente ao postulante e, se houver interesse, será permitida aproximação com ela/ele.O momento de construir novas relações – Caso a aproximação tenha sido bem-sucedida, o postulante iniciará o estágio de convivência. Nesse momento, a criança ou o adolescente passa a morar com a família, sendo acompanhados e orientados pela equipe técnica do Poder Judiciário. Esse período tem prazo máximo de 90 dias, prorrogável por igual período.Uma nova família – Contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência, os pretendentes terão 15 dias para propor a ação de adoção. Caberá ao juiz verificar as condições de adaptação e vinculação socioafetiva da criança/adolescente e de toda a família. Sendo as condições favoráveis, o magistrado profere a sentença de adoção e determina a confecção do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. Nesse momento, a criança/adolescente passa a ter todos os direitos de um filho.

Mais detalhes no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Fonte: Corregedoria Nacional de Justiça

A EXPECTATIVA DA GESTAÇÃO NÃO BIOLÓGICA

Aos 40 anos, a professora Maria do Carmo Vargas, hoje com 44, encontrou o parceiro que fez despertar o desejo de ser mãe. O problema é que o corpo, biologicamente, já não respondia a empolgação do casal na mesma proporção. Uma mulher com 40 anos tem chance de 50% de engravidar. As chances vão diminuindo com o passar dos anos. Aos 43 anos, cai para 1%. Depois de 45 anos fica quase impossível engravidar a partir dos seus próprios óvulos. Foram três perdas gestacionais neste período.

– Meus óvulos estavam “velhos” e eu não conseguia segurar uma gravidez mais do que cinco semanas. Acabei desistindo. Não quis optar pela inseminação artificial. E como sempre cogitei a adoção, acabamos optando por entrar com o processo – conta.

Professora Maria do Carmo Vargas está apta para receber uma criança desde setembro de 2021. Foto: Marcelo Oliveira (Diário)

Em março de 2021, durante a pandemia, eles fizeram o cadastro pelo site do Conselho Nacional de Justiça como pretendentes à adoção. Em setembro do mesmo ano, saiu a sentença judicial os colocando aptos a receber a criança. O processo longo e criterioso não fez com o que casal desistisse da ideia da adoção.

– O processo é criterioso, e entendo que precisa ser assim. A adoção é complexa, muitos casais não estão prontos, precisa ser estruturado emocionalmente. Em Santa Maria, tem sido muito ágil, existe uma pressa do judiciário de que as crianças não fiquem aguardando muito tempo – diz Maria do Carmo.

Com a preparação e a capacitação para a adoção, eles entenderam que o processo não pode ser idealizado, o que acaba fazendo com que pretendentes desistam ou, muitas vezes, devolvam a criança por não se adaptarem às dificuldades que naturalmente existem:

– A gente precisa entender quais são os limites. Desejamos vivenciar a fase de bebê, então não abrimos muito a idade, por exemplo. Eu também sempre tive a vontade de ter uma menina. Na hora da escolha do perfil fomos muito conscientes. Não dá para romantizar a adoção.

Antônia foi o nome escolhido pelo casal, que já planeja o quarto, escolhe roupinhas, passa horas olhando fotos de bebês e espera todos os dias pelo chamado para levar a filha para casa.

– É uma gestação, só que não é biológica. Todo esse processo nos fortaleceu enquanto casal.

APADRINHAMENTO

Nos próximos meses, Santa Maria deve contar com uma nova ferramenta: o apadrinhamento afetivo, que é uma lei nacional em vigor desde 2017, e busca promover vínculos afetivos seguros e duradouros entre as crianças e adolescentes com pessoas da sociedade que se dispõe a serem padrinhos ou madrinhas. Quem tiver interesse em passar por um processo de preparação pode visitar o afilhado na instituição de acolhimento, levá-lo para passeios nos finais de semana e viagens, orientar seus estudos, dar suporte na educação e na saúde, entre outras experiências.

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Nesta semana, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) foi indicado para receber o Prêmio Adoção Tardia – Gesto Redobrado de Cidadania, concedido pelo Senado Federal. Este é um reconhecimento a pessoas ou instituições que desenvolvem ações, atividades ou iniciativas destinadas a promover a adoção tardia de crianças e adolescentes no país.

FAMÍLIA ACOLHEDORA

Aprovado em 2018 em Santa Maria, o projeto Família Acolhedora prevê que famílias voluntárias ofereçam um ambiente afetuoso e acolhedor para crianças e adolescentes que, por algum motivo, estão afastados da família de origem. A Secretaria de Desenvolvimento Social do município é responsável por tirar a proposta do papel. Até o momento, foram contratados três profissionais (uma coordenadora, uma assistente social e uma psicóloga) que terão capacidade de orientar 15 famílias na cidade. A ideia é que crianças de zero a 11 anos tenham a possibilidade de participar de uma rotina familiar, enquanto a Justiça tenta reestruturar a família de origem.

– Essa equipe está se qualificando. Até o fim do ano estaremos nessa formação. Logo vamos abrir para a inscrição das famílias interessadas. Ano que vem acredito que o projeto já esteja funcionando – projeta o secretário João Chaves.

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As famílias também serão capacitadas e passarão por uma avaliação psicossocial. A família não poderá estar na lista de adoção e nem pretender adotar a criança ou adolescente no futuro. Cada família vai poder acolher até duas crianças por um período máximo de dois anos. O auxílio financeiro será de um salário mínimo. Em casos de pessoas com deficiência, o valor será de um salário e meio.

– Dificilmente vamos acabar com o acolhimento institucional. Os abrigos são importantes. Mas o projeto vem para complementar. A criança cuidada por uma família vive muito melhor do que a criança que está em um abrigo institucional. É uma família de referência, o cuidado é diferenciado.

EM SANTA MARIA, GRUPO ORIENTA FAMÍLIAS NO PROCESSO DE ADOÇÃO E ADOLESCENTES NO PRIMEIRO EMPREGO

O município conta com o Grupo de Apoio e Incentivo à Adoção (Gaia), que possui projetos de orientação às famílias adotantes, apoio na construção de políticas públicas e de promoção da autonomia para adolescentes de 14 anos ou mais que não possuem perspectivas de adoção. A intenção do projeto “Esperançando” é profissionalizar os jovens e garantir um primeiro emprego. Do salário recebido, 30% ficam com o adolescente e outros 70% são depositados em juízo, como uma poupança para a maioridade.

– Ao atingir a maioridade, esses jovens ficam em um limbo social. Eles saem das instituições e, se não tiverem nenhum contato familiar, ficam sozinhos no mundo – relata a presidente do Gaia, Daniela Ramos Sonza.

Para Daniela, o fortalecimento da rede de proteção infanto-juvenil no município é fundamental, já que toda criança ou adolescente adotado passa por ela antes de chegar até a família:

– Eles não saem das famílias de origem com histórias bonitas. São muitos traumas. Se os pretendentes não entenderem o funcionamento da rede, poderão ter dificuldade de criação de vínculo. As dores precisam ser entendidas.

A presidente do Gaia afirma que o problema da rede municipal é a falta de comunicação e integração das informações, o que torna lento o prazo de destituição familiar da criança ou adolescente.– Nós procuramos a Universidade Federal de Santa Maria para tentar criar um aplicativo de celular que, pelo CPF da criança, mostre imediatamente ao juizado o que está acontecendo. Hoje a rede só se comunica quando há extrema necessidade. Precisamos evitar a violação dos direitos da criança e atuar precocemente.

Jaiana Garcia e José Quintana Jr

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