Se os traficantes de Santa Maria comandam toda a logística do tráfico de drogas em Santa Maria de dentro da Penitenciária Estadual (Pesm), eles também recebem e vendem entorpecentes nas dependências da cadeia. O comércio interno é confirmado pelas autoridades e por familiares dos detentos. Há quem diga que isso é uma afronta ao Estado, que não consegue impedir a entrada de drogas (assim como a de celulares) nas casas prisionais. Mas, nos bastidores, também há os que especulam que o consumo de drogas dentro das prisões funciona como anestésico aos apenados. A lógica, nesse caso, seria a seguinte: enquanto tiverem seu consumo garantido, os presos não trazem problemas ao sistema, como protestos, rebeliões, motins etc.
O problema é que essa suposta "estratégia de manutenção da ordem interna" gera um ciclo de violência que mantém a dependência dos usuários, ameaça a vida deles e de familiares, promove outros crimes e devasta famílias.
Da mesma maneira que no caso dos celulares, a forma mais comum de entrada da droga na prisão é por meio das visitas.
_ A principal forma de abastecimento é por meio das visitas femininas. Mães e mulheres que levam na cavidade vaginal o que é distribuído dentro da penitenciária. Elas têm a função de levar e, lá dentro, tem pessoas que têm a função de vender para os usuários _ explica o titular da Delegacia de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec), Sandro Meinerz.
Mais uma vez, o problema recai sobre a falta de equipamentos eficazes de revista que barrem a entrada das drogas, assim como no caso dos celulares.
_ Não há sistema de detecção nem todas as pessoas são submetidas à revista minuciosa. Se fossem, certamente reduziria bastante (a entrada) _ diz Meinerz.
Aos usuários presos, oferta é feita na porta da cela
Dentro da cadeia, os clientes são os mesmos que eram dependentes nas ruas e que acabaram no sistema prisional por um motivo ou outro. Muitos são presos por terem cometido crimes contra o patrimônio, furtos e roubos para sustentar o vício. Na prisão, além de não se livrarem da dependência, os detentos se tornam um grande mercado consumidor _ a droga dentro da cadeia é mais cara do que fora. A necessidade física do entorpecente torna os usuários reféns dos traficantes.
A droga é oferecida na porta da cela. Entregue diretamente no pátio ou em meio a roupas ou pelas chamadas "jiboias" _ espécies de cordas feitas com tecidos que cortam os corredores de cela a cela. Os detentos, que, por estarem restritos de liberdade, não têm como conseguir dinheiro para pagar pela droga, contraem dívidas com os traficantes. O pagamento pode ser cobrado de familiares, em dinheiro e objetos, ou dos presos em forma de prestação de serviços.
Família paga a conta da dependência
Fora da cadeia, os familiares dos detentos precisam pagar a conta. Pais, mães, irmãos e outros parentes são ameaçados e cobrados a qualquer hora do dia e da noite na rua ou em suas casas. Diante do medo, eles pagam (veja entrevista). O dinheiro é reinvestido e acaba fomentando o tráfico.
_ O detento usuário está junto com o traficante no sistema prisional. Se ele deve, a família será ameaçada. A principal ameaça feita ao preso é que alguém de fora vai sofrer uma consequência. Para a família, a ameaça é que o parente preso vai sofrer a consequência. Então, eles intimidam as pessoas, que pagam e não procuram a polícia, não denunciam por temer represálias. A dívida paga continua a movimentar a estrutura criminosa, a máquina de abastecimento de drogas, o que é muito grave _ diz Meinerz.
'Se tu não paga aqui, a gente apaga tua família na rua'
Um parente de preso do regime fechado na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm) relatou ao Diário como ficou refém dos traficantes aqui fora, devido às dívidas que o detento contraiu por ser usuário de drogas dentro da casa prisional. Confira alguns trecho"