
Flores pequenas, douradas e cheias de história. Há muito tempo conhecida por suas propriedades calmantes, a macela sempre foi tratada como um remédio natural pelos gaúchos. Mas agora, essa planta tão presente nos lares e saberes populares, se mostra ainda mais valiosa: um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) identificou que a macela tem ação protetora sobre os neurônios — uma descoberta inicial que pode ajudar na busca de novos tratamentos contra transtornos psiquiátricos e neurodegenerativos.
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Coordenado pela bióloga Profa. Dra. Fernanda Barbisan e desenvolvido no Laboratório de Biogenômica, do Departamento de Patologia da UFSM, o estudo foi feito com a planta da forma como é tradicionalmente consumida pela população: usando o chá. O trabalho ganhou destaque ao ser publicado no Journal of Ethnopharmacology, uma das principais revistas médicas do mundo sobre o uso medicinal tradicional de plantas, e recentemente foi selecionado como um dos 19 destaques, entre cerca de mil inscritos, para apresentação no Congresso Internacional do Cérebro, Comportamento e Emoções que será realizado em junho, em Fortaleza.
O estudo

De nome científico Achyrocline satureioides (Lam.) DC, a macela, que também é conhecida popularmente como marcela, é tradicionalmente utilizada na medicina popular no tratamento de doenças relacionadas principalmente ao sistema digestivo, com ação antisséptica, anti-inflamatória e para o tratamento de gripes, entre outros problemas respiratórios. Ela também é conhecida pela ação calmante, e é usada como calmante natural. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, é comum o uso de travesseiros recheados com macela, na tentativa de diminuir a ansiedade e melhorar o sono.
Diante da ausência de evidências científicas que comprovassem os benefícios da planta, surgiu a motivação para estudá-la mais a fundo. Já haviam sido identificadas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, mas nada que relacionasse diretamente a macela ao sistema nervoso central, conforme explica Fernanda.
Com o financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e apoio da Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade (FUnATI) de Manaus-AM, e parceria do Laboratório de Análises Químicas Industriais e Ambientais, o estudo teve início em 2021, com o uso de neurônios humanos.
Durante a pesquisa, os neurônios foram submetidos a uma substância tóxica capaz de provocar sua morte. Porém, ao receberem o tratamento com o chá de macela, eles não apenas resistiram à substância tóxica, mas também apresentaram melhora nos indicadores de saúde. Resultados que podem contribuir futuramente para criação de novos tratamentos de doenças psíquicas, como ansiedade e depressão, e transtornos neurodegenerativos, como Alzheimer e Parkinson:
— Hoje em dia, sabemos que a população é bastante acometida por transtornos psiquiátricos e neurodegenerativos, e esses são resultados iniciais que podem contribuir futuramente para a criação de novos tratamentos para esse tipo de doença. Nossa intenção não é substituir nenhum medicamento, mas usar a marcela em conjunto nesses casos — explica Fernanda.
Recentemente, o laboratório deu início a uma nova etapa da pesquisa, na qual as células estão sendo expostas ao cortisol — hormônio relacionado ao estresse — para avaliar se o chá de macela também pode oferecer proteção nesses casos. No futuro, a intenção é investigar seus efeitos em outros organismos, como as moscas e roedores, para entender seu potencial terapêutico em seres vivos.
— Tenho um carinho especial por esse trabalho porque é a planta símbolo do nosso Estado, é uma planta que a gente consome, que a gente vê, acho que todo mundo tem alguém da família que já indicou o chá de marcela. Então, estudar essa planta e tentar contribuir com evidências científicas para efeitos positivos dela é muito relevante. É interessante valorizar o que a gente tem aqui, né? Quem sabe um dia a gente não consiga estimular o cultivo e o uso da Marcela até para contribuir com o desenvolvimento tecnológico e econômico da nossa região — reforça a professora.
Reconhecimento
Além de ser selecionado para ser apresentado no Congress on Brain, Behavior and Emotions, que será realizado em julho em Fortaleza, o artigo também foi publicado Journal of Ethnopharmacology, uma das revistas mais relevantes da área.
Quem vai apresentar o projeto no congresso é a farmacêutica Maria Eduarda Chelotti, 24 anos, cujo trabalho de conclusão de curso foi baseado na pesquisa com a macela desenvolvida na UFSM. Natural de Faxinal do Soturno, na Quarta Colônia, ela lembra que a planta sempre foi usada na região para tratar problemas gastrointestinais.
Atualmente, Eduarda é mestranda no programa de pós-graduação em Farmacologia da universidade, onde dá continuidade a pesquisa envolvendo a planta.
— Desenvolver tesse trabalho tem sido muito interessante, ainda mais por ter resultados tão positivos, e por encontrar propriedades tão importantes na marcela. Todo esse projeto vem sendo muito agregativo no meu desenvolvimento na ciência. Ser reconhecido e levar nosso trabalho para fora e conhecimento para fora também é muito importante — diz a mestranda.
Como preparar o chá
A forma recomendada de preparo, de acordo com a Farmacopeia Brasileira, é a infusão das flores secas. A dosagem sugerida é de 0,5 a 1,5 g de flores secas de macela (cerca 1 colher de chá) para 150 ml de água quente, mas não fervente. Depois, o ideal é cobrir com um pires e deixar cerca de 10 a 15 minutos em infusão. O chá pode ingerido até três vezes ao dia.
Embora não existam registros de toxicidade, ainda não há estudos específicos sobre o uso da macela em gestantes e lactantes — por isso, seu consumo, durante a gravidez não é recomendado. Pelo mesmo motivo, não é recomendado o consumo do chá por crianças menores de 12 anos.
É importante salientar que o uso da marcela não deve substituir o acompanhamento e o tratamento médico.
Curiosidades
- a macela pode atingir até 1,2 m de altura
- ocorre em campos e beiras de estradas
- suas flores são pequenas, de coloração amarela a dourada
- a colheita é realizada entre março e abril
- é a Planta Medicinal Símbolo do Rio Grande do Sul, instituída através da lei nº 11.858, de 5 de dezembro de 2002
- no Rio Grande do Sul, existe a tradição de colher macela na Sexta-Feira Santa, antes do nascer do sol, ainda banhada com o orvalho da manhã. Para muitos, esse ritual faz com que a planta tenha um poder medicinal maior
- além do sul do Brasil, também é muito usada no Uruguai, Argentina e Paraguai como planta medicinal fitoterápica
