Guardadas as proporções, o contexto social que torna difícil freiar a criminalidade – seja na Região Central, na Região Metropolitana da Capital – passa pela precariedade do sistema prisional e de um política antidrogas defasada, conforme analisa Rodrigo Azevedo, professor da Escola de Direito da PUC-RS e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A necessidade de vagas prisionais que sejam em condições adequadas, dentro do que prevê a Lei de Execuções Penais, e também o controle da população carcerária, especialmente a questão das facções que acabam se organizando dentro do sistema são urgentes. Ainda, o atendimento ao egresso com a implementação de políticas que de fato deem resultado na inserção social do apenado para que tenha boas condições de empregabilidade, escolarização e encaminhamentos a documentação após o cumprimento da pena:
– A política de drogas está defasada, não é discutida. temos uma legislação que é relativamente recente, de 2006, que não resolveu os problemas que temos, e pelo contrário, acabou agravando a criminalização de pequenos comerciantes de drogas que vivem na periferia, comercializam as drogas e vendem, muitas vezes, para pessoas de classe média e alta. São a grande clientela do sistema carcerário porque a pena é alta e não há qualquer previsão em termos de quantidade de droga para estabelecer um limite a este encarceramento. Temos pessoas vendendo pequenas quantidades, que podem ser confundidas com o porte para uso pessoal, mas que são criminalizadas pela condição social ou pelo local onde foram presas. Às vezes, recebendo penas elevadas, lotando o sistema e constituindo essa massa de manobra das facções.
Articulação
Segundo o professor, o sistema prisional feminino tem o número de cerca de 70% de presas nessa situação, no masculino, em torno de 30%. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem uma ação tramitando que procura estabelecer um limite em termos de quantidade da droga a partir do qual poderia ser criminalizado por tráfico e a quem essa criminalização não poderia ser feita, e o tratamento possível é como porte para uso pessoal que tem uma pena que nem prevê a possibilidade da prisão.
– É uma questão muito ampla que, se não enfrentada, não se resolve simplesmente pela repressão penal, porque esses grupos sempre têm peças de substituição, como manter a estrutura, mesmo quando lideranças são presas. Me parece que a alternativa repressiva precisa ser repensada porque ela, por si só, não dá conta do problema – avalia Azevedo.
Enquanto Santa Maria vive sua década mais violenta e com recordes de homicídios no primeiro semestre deste ano, o Estado, vê o número de feminicídios saltar. Sob esta ótica, o especialista analisa a flexibilização ao acesso às armas de fogo. Segundo Azevedo, quando se faz um discurso liberalizante em relação às armas, se estimula a presença dessas armas em ambientes domésticos que acabam sendo utilizadas e fazendo com que conflitos tenham desfechos fatais, especialmente contra a mulher.
– A repreensão por si só não vai resolver, mas, sim, o investimento em prevenção, articulando diferentes secretarias e áreas de governo desde a educação, iluminação pública, uma série de políticas intersetoriais que tenham impacto na segurança pública. Além disso, a participação das prefeituras têm avançado no reconhecimento da necessidade de um papel protagonista do poder local, na medida que está mais próximo, mais capacitado para identificar regiões com maiores riscos. Isso também é uma exigência dos nossos tempos –pontua.
Em Santa Maria
A Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm) e o Presídio Regional de Santa Maria (PRSM) estavam, até a última sexta-feira, com número de detentos maior do que podem comportar. O PRSM, com capacidade para 258 pessoas, estava com 280 presos e presas. Já a PESM, com capacidade para 766, estava com 826 homens.
“Estamos tão vulneráveis à criminalidade como estávamos às doenças antes das vacinas”
A “profissionalização do crime” e crimes ligados à sociedade digital é outro ponto levantado pelo delegado Marcelo Mendes Arigony. Esse cenário demanda maior aparelhamento dos órgãos policiais e dos servidores para o enfrentamento desse novo paradigma de criminalidade. Arigony menciona dois gargalos que impossibilitam uma eficiência maior nas ações de segurança pública. O primeiro está na falta de ações efetivas em áreas de vulnerabilidade social que permitam acompanhamento familiar e condições de dignidade. O segundo está na atuação das forças de segurança quanto à questão prisional.
– Nunca se trabalhou tanto como na última década. Os números de prisões e apreensões estão aí para demonstrar o trabalho eficiente das polícias. Mas a gente não consegue enxergar eficácia social e a criminalidade cede pouco, porque o sistema prisional não consegue conter. E pior ainda acaba funcionando como mola propulsora da criminalidade. Cada pequeno criminoso que é jogado no sistema prisional acaba se transformando num criminoso maior, mais empoderado. Isso porque as facções hoje comandam o sistema. Penso que nós estamos tão vulneráveis à criminalidade como estávamos vulneráveis às doenças antes de inventar as vacinas. Há um novo paradigma de relação na sociedade e isso chegou tão rápido que não deu tempo para nos adaptarmos e criarmos barreiras de precaução. Da mesma forma a polícia e a Justiça ainda não conseguem atender essas novas demandas a contento. O que pode fazer é investir em tecnologia para as polícias e treinamento – pontua o delegado.
O que cabe a cada um
Governador – Cabe estruturar as polícias Civil e Militar, manter relação federativa integrada com os municípios para construção de um Plano Estadual de Segurança Pública e administrar presídios e detentosDeputados e senadores – Cabe a fiscalização do cumprimento da legislação em segurança e articulações junto aos poderes Executivo, Judiciário e Ministério Público para o desenvolvimento e institucionalização de políticas de Estado a da contribuição no encaminhamento de emendasPresidente – Cabe a coordenação de uma política nacional com prioridade na proteção da vida humana e a redução dos crimes. À União estão subordinados policiamento da faixa de fronteira e o combate ao tráfico internacional e interestadual de drogas e a fiscalização das rodovias federais
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