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OPINIÃO: O moralismo calculado

Giorgio Forgiarini

Houve uma época, nos anos 70, em que o dinheiro público financiava filmes eróticos. Me refiro à pornochanchada, gênero cinematográfico baseado principalmente na banalização do sexo e do corpo feminino. Títulos como “Sob o Domínio do Sexo”, “O Padre que Queria Pecar” e “Inquietações de Uma Mulher Casada” foram financiados, produzidos e/ou distribuídos pela Embrafilme, empresa pública criada pelos militares no ano de 1973.

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Nos anos 80, todos que passavam pela Saldanha Marinho podiam ver na fachada do Cine Independência cartazes de divulgação de filmes pornográficos americanos e brasileiros, alguns deles financiados com verba pública. Aliás, não apenas no Independência, naquela época era comum cinemas exibirem filmes pornôs.

Já nos anos 90, havia um programa musical na TV aberta que atraía a audiência masculina com mulheres sumariamente vestidas, tomando banho no palco, para o deleite de quem pouco se lixava para a música. No domingo à tarde, um canal mostrava uma competição de modelos seminuas numa banheira, enquanto outro exibia crianças maquiadas e sumariamente trajadas “segurando o tchan” ou “ralando na boquinha da garrafa”.

A questão é que, à época, apesar de tantos e reais abusos, não havia a paranoia moralista que vemos hoje. Ninguém praguejava contra o gasto de dinheiro público em produções de valor cultural duvidoso. Ninguém brigava na frente dos cinemas pedindo o fim das sessões pornô, ou sequer a retirada de cartazes obscenos do alcance da visão de menores. Também não havia protestos na porta das emissoras contra a sexualização e a erotização de crianças na TV. 

Então, uma pergunta se mostra pertinente: Por que vivemos hoje um moralismo raivoso que não havia antes? Tenho uma hipótese: Por pura racionalidade eleitoral. O discurso moralista atual não parte de convicções ideológicas ou religiosas, mas de um cálculo milimétrico feito para alcançar um eleitorado atarantado e descrente na política tradicional. 

Diante da total incapacidade de oferecer propostas ou alternativas para a política, a economia ou a segurança pública, grupos se apropriam da questão moral para inventar inimigos, tachá-los de impuros e atacá-los de maneira espetaculosa, fazendo-se aparecer para o eleitorado como únicos capazes de salvar o país de uma suposta decadência moral.

Protestos em frente a museus, ataques à arte considerada subversiva e discursos intolerantes, surgem, então, não como manifestações de irracionalidade ou ignorância, como se poderia supor, mas, ao contrário, de uma racionalidade pragmática e perversa. São eficientes instrumentos de divulgação política, com a ajuda de setores da esquerda, que insistem em reverberá-los, potencializando ainda mais seus efeitos. O cálculo, é preciso dizer, vem dando resultado. O moralismo calculado está em voga e, tenho certeza, deve render ainda mais votos no próximo pleito. Rezo para estar errado, mas não creio que esteja.


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