Estive participando, durante três dias, na semana passada, de um curso de qualificação referente ao Programa Mediar-RS, o qual já completou um ano aqui no Estado, com diversos núcleos instalados, sendo um aqui em Santa Maria, de responsabilidade do delegado titular da Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento. A polícia civil gaúcha, com esse programa, e falo não em nome da instituição, mas como delegada atuante já há 18 anos, vai de encontro à cultura de ódio instalada em nossa sociedade e, também, tenta sedimentar o que já ecoa entre juristas e doutrinadores: o direito penal não é e nem tem a pretensão de resolver todos os conflitos. O direito penal não tem a solução para todos os problemas dentro de uma sociedade.
É inconteste que vivemos com um derramamento de ódio e intolerância, disseminados muito mais pela mídia e redes sociais, não se podendo confundir liberdade de expressão com discurso de ódio, os quais são completamente diferentes. Tenho direito de me expressar, direito esse constitucionalmente garantido. Por outro lado, o discurso de discriminação, racismo, sexismo, homofobia e todo tipo de preconceito é nocivo e traz consequências desastrosas à sociedade de um modo geral. Nesse sentido, ressalto o que já disse há um tempo, é da sociedade caótica que surgem os falsos heróis. Há, nesses discursos, uma aniquilação da educação de nossas crianças e adolescentes.
Na contramão desse discurso, surge o Mediar/RS, que tem a intenção de trazer o diálogo, a conversa, a escuta como forma de resolução do conflito. O objetivo é tentar uma resolução para os pequenos conflitos, que, na sua grande maioria, podem ser resolvidos sem intervenção do direito penal. Destaco que é somente para os delitos de menor potencial ofensivo. Saliento, como ouvi muito dos instrutores do curso: “Nós mediamos relações, não crimes”. É uma escuta ativa, para depois uma mediação para solucionar aquele conflito, passando, posteriormente, pelo crivo do poder judiciário.
O direito penal deve ser usado como a última medida para resolução do problema, quando não pode ser resolvido em outras searas. De forma alguma a polícia quer deixar de fazer seu papel de polícia judiciária, do qual está incumbida pela nossa Constituição Federal. Mas, quer, sim, mediar relações conflituosas, como brigas de vizinhos, pequenos desacertos, que perfazem a grande maioria dos registros policiais. O que se quer é a cultura de paz, e não a cultura de ódio. “Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero.” (Nelson Mandela)