No tradicional armazém da esquina das ruas Benjamin Constant e Venâncio Aires faltará o comerciante com a caneta atrás da orelha e a calculadora na mão. Mas ficarão as quatro décadas de boa vizinhança e uma memória repleta de trocas: de produtos a boas histórias trocadas rotineiramente por cima do balcão.
Na madrugada de sábado, Amilton Flores Paz, dono do tradicional Bar e Armazém Esquinão, morreu aos 68 anos. Horas antes recebera a visita de uma das filhas e do neto Ravi, de 10 meses. Junto deles e do genro compartilharam uma pizza e algumas cervejas. Uma embolia pulmonar venceu a saúde, que parecia boa até aquele dia. Amilton foi sepultado no Cemitério Ecumênico Municipal, no começo da tarde de domingo. Ele era viúvo há 27 anos e pai de Clarissa, que vive nos Estados Unidos, e Letícia que estava em Santa Maria, no último fim de semana.
Muitos dos moradores e clientes que vivem no entorno do Parque Itaimbé ou na divisa dos bairros Centro e Menino Jesus lamentaram a perda do comerciante ao chegarem no estabelecimento na manhã desta segunda-feira. A irmã e sócia de Amilton há 40 anos, Jane Flores Paz, 70 anos, foi quem deu a notícia. Ela manteve a tradição de abrir o armazém às 8h. Abriu “por força e homenagem”.
Em março de 2017, o Diário publicou uma reportagem da série “Diário nos bairros”. Confira abaixo a reprodução do texto:
Um estoque de bons produtos e de amizades
Não é qualquer esquina que resguarda tanta tradição em Santa Maria quanto a que encontra as ruas Benjamim Constant e Major Duarte. É lá, na divisa dos bairros Centro e Menino Jesus, que o Bar e Armazém Esquinão reúne amigos de longa data e “quebra-galho” de muito cliente.
O estabelecimento já existe há 70 anos. À época, era o “Armazém do seu Lucindo”. Há 33 anos, é administrado por Amilton Paz Flores, 63, e sua irmã Jane.– Tem nome mais bonito? Paz e Flores junto – brinca o dono do estabelecimento, que credita o sucesso do negócio à boa comunicação com o público.
No armazém, que de bar só leva o nome, tudo fica à vista do cliente. A organização é simples: uma folha de caderno com escritas a lápis sinaliza o preço de cada item, os produtos do gênero alimentício ou de limpeza distribuídos em uma prateleira de madeira e legumes em caixas. Seu Amilton diz que mantém as coisas no mesmo lugar porque o pessoal já está acostumado e, assim, “se acha fácil.”
Até pouco tempo atrás, o Esquinão era um dos poucos estabelecimentos do ramo na vizinhança, sobretudo, na última década. No entorno do armazém, as casas deram lugar a altos prédios e redes de mercado se instalaram, o que acabou aumentando a concorrência. Apesar do movimento ter diminuído, o dono não reclama.
O único problema para ele são os assaltos – o Esquinão já foi alvo dos ladrões por seis vezes –,e a inadimplência. Mas, para um pequeno número de clientes fiéis, o dono ainda vende fiado e anota no caderninho as compras a serem pagas no começo de todo mês.
Essa rotina com clientes – são cerca de 100 por dia –, com fornecedores ou mesmo com quem aparece por ali para tomar um mate, ele não abre mão. Anos atrás, quando pessoas eram convidadas a trabalharem em bancos, ele chegou a receber convite do Banrisul, mas não quis largar a vida de comerciante.
– Eu gosto é de estar no balcão– diz o proprietário, que não para de mexer na calculadora nem enquanto conversa.
“CARA DE INTERIOR”
Se tem algo característico no Esquinão é estar situado na área central da cidade, mas ter “cara de interior”. O local é bem abastecido de produtos coloniais. Tem salame, cucas, rapadura e doce de abóbora.
–E quando a gente sabe que o freguês gosta de alguma coisa, liga para a casa dele para avisar: chegou o pãozinho caseiro – conta o proprietário.
As frutas e verduras parecem ter sido recém colhidas da horta. Há dias, em que mal se entra no estabelecimentos e já se sente o cheiro agradável de uvas recém-colhidas que toma conta do ambiente. Aos domingos, ainda tem o tradicional frango assado. Segundo seu Milton, é o melhor da cidade