O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em São José dos Campos (SP) esteve no centro dos noticiários do país com a tragédia ocorrida no litoral paulista, nos dias 17 e 18 de fevereiro, e que matou 65 pessoas. Isso porque o Cemanden emitiu um alerta às Defesas Civis nacional e paulista dois dias antes sobre o risco de chuvas fortes naquela região. O diretor do órgão é Osvaldo de Moraes, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atualmente, ele está cedido ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações e comanda o Cemaden. Em entrevista ao grupo Diário, Moraes fala sobre o trabalho do órgão, os desastres naturais, as mudanças climáticas e as áreas de risco em Santa Maria.
Diário de Santa Maria – Como é o trabalho realizado pelo Cemaden?
Osvaldo de Moraes – O Cemaden foi criado em 2011, depois daquele desastre na região serrana do Rio de Janeiro em que mais de mil pessoas perderam as vidas. Tudo que o Brasil tinha, até então, para tratar de antecedentes de desastres eram ações humanitárias e de recuperação. Então, o governo federal decidiu criar um centro para tratar exatamente do monitoramento dos processos que levam aos desastres e de fazer o alerta desses desastres para a população. Vamos começar a definir a diferença do que é o alerta do Cemaden e do que é uma previsão do tempo. O centro não é uma instituição de meteorologia. O órgão usa as previsões meteorológicas para fazer a estimativa dos impactos dos eventos meteorológicos e de clima, eventos extremos meteorológicos e de clima. e como que esses eventos se manifestam no Brasil. As principais consequências desses eventos e que mais causam mortes são os processos de alagamento, inundação, enxurrada e deslizamento de encostas. São esses os processos que causam cerca de 95% das mortes devido a desastres no Brasil. Outros eventos que também causam mortes são muito poucos. O número de mortes causadas por outros desastres são muito poucos. Então, o que Cemaden faz é o monitoramento dos processos que levam a inundação, enxurrada, alagamento e deslizamentos de terra. O Cemaden, por exemplo, não faz previsão de geada, não faz previsão de tornado, não faz previsão de granizo, não faz previsão de vendavais.
Diário – O órgão consegue prever, com antecedência, temporais e os locais que podem ser atingidos nas diferentes regiões do país?
Moraes – O Cemanden monitora 1.036 municípios no Brasil, mas nem todos são monitorados pelo Cemaden. O grupo acompanhado pelo centro representa aproximadamente 18% de todos os municípios do Brasil e metade da população brasileira. Mas nesses 1.036 municípios é onde são registrados mais de 80% dos desastres no Brasil. Então, embora o número de municípios não seja expressivo, o Cemaden tem uma boa cobertura e envolve a grande maioria dos municípios onde há histórico de desastres. Para operar, o Cemaden foi construído sobre quatro pilares. O primeiro foi o mapeamento das áreas de risco para eventos, como inundação, enxurrada, alagamento, deslizamento de terra. Então, todas as áreas de risco nos municípios em que o Cemaden monitora foram mapeadas pelo Serviço Geológico do Brasil. O segundo pilar foi a criação de uma rede observacional para monitorar essas áreas de risco. Há mais de 6 mil sensores no Brasil instalados próximos a essas áreas de risco. O terceiro pilar foi a definição de uma equipe multidisciplinar e qualificada para trabalhar no centro. E o quarto pilar, que eu acho que é um grande diferencial, é a elaboração do perfil da população brasileira que vive nas áreas de risco. Então, quando o Cemaden emite um alerta para o município de Santa Maria, por exemplo, nós dizemos qual é a área do município que pode ser afetada, qual o perfil da população que mora nessa área de risco, quantas pessoas e quantas casas podem ser afetadas.
Diário – Como o Cemaden mapeia as áreas de risco, e quantas dessas áreas foram identificadas em Santa Maria?
Moraes – No município de Santa Maria, por exemplo, são aproximadamente 30 áreas de riscos, nas quais moram mais de 10 mil pessoas, a maioria em vulnerabilidade social. Então, ter uma política adequada a essas pessoas é necessário. Esse é um problema recorrente em quase todos os municípios do Brasil, e os prefeitos se deparam com poucos recursos para gerenciar a questão. Talvez o que deveríamos ter é uma redistribuição mais adequada dos recursos captados por impostos pagos pelo cidadão.
Diário – Hoje, o Rio Grande do Sul vive uma estiagem severa, e São Paulo foi atingido por uma tragédia pela chuvarada, além de estados do Nordeste, normalmente castigados pela seca, sofrerem, recentemente, com enchentes. Por que isso tem acontecido?
Moraes – Muitas vezes, nós achamos que o desastre é apenas aqueles que se semelham ao que aconteceu no litoral norte de São Paulo, de Recife, ou de Petrópolis do ano passado, mas a falta de água também caracteriza um desastre. E os impactos da falta de água se dá, não apenas na produção de alimento, mas também no uso da água para abastecimento humano. E se nós olharmos, por exemplo, a distribuição dos recursos hídricos no estado do Rio Grande do Sul, e fizermos um mapeamento do indíce do desenvolvimento social nesta mesma população, vamos ver um grande correlação. As áreas que possuem melhor desenvolvimento econômico e social são as que os recursos hídricos são mais abundantes, e as áreas com menor desenvolvimento social são aquelas em que os recursos hídricos são mais escassos. Ou seja, o norte do Rio Grande do Sul tem o desenvolvimento diferente da parte Sul do estado, exatamente por causa do acesso aos recursos hídricos. Então, se não fizermos uma gestão adequada das águas que caem da chuva, nós vamos viver, recorrentemente, com o cenário que temos hoje no Estado. E, todos os anos, a imprensa não se cansa de chamar atenção que o recurso hídrico está sendo escasso, que nós estamos passando por uma estiagem ou que nós vamos ter uma seca. No ano seguinte se repete a mesma coisa. Ou seja, estes apelos midiáticos são logo esquecidos a partir do momento que as chuvas se tornam normais. E a gente esquece que estes processos são amplificados pelas mudanças climáticas, que estão tornando os extremos mais intensos. É reflexo não só na quantidade de chuva, mas também na ausência da água. Logo, teremos recorrentemente períodos de estiagem muito mais frequentes e intensos do que no ano passado. E se não nos prepararmos, ano que vem ou nos próximos três anos, estaremos conversando novamente sobre o mesmo assunto. Podem escrever e guardar o que estou dizendo agora.
Diário – O Cemaden emitiu alerta sobre os riscos de desastres no litoral de São Paulo ao governo do Estado. As autoridades não teriam levado a sério?
Moraes – Particularmente, em relação ao desastre do litoral norte de São Paulo, o Cemaden fez uma previsão do desastre que iria acontecer e localizou exatamente onde seria aquele evento por algumas peculiaridades. Uma delas é que, embora o centro não seja uma instituição de meteorologia, possui meteorologistas experientes trabalhando, com mais de 20 profissionais. Cerca de 90% deles são doutores em meteorologia das mais diferentes áreas. Então, essa equipe consegue detalhar as informações que nós recebemos de instituições como, por exemplo, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e fazer uma análise um pouco mais detalhada. Por isso, o Cemaden conseguiu, com mais de 48 horas de antecedência, saber onde nós teríamos o impacto da daquela chuva extrema, quais seriam os municípios que estavam em risco e emitiu os alertas para as Defesas Civis. E cabe às Defesas Civis fazerem as intervenções municipais. (Colaboraram Bibiana Pinheiro e Letícia Klusener)