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Justiça decreta falência da boate Kiss, que tem dívidas que podem passar de R$ 77 milhões; pagamento de indenizações é incerto

Justiça decreta falência da boate Kiss, que tem dívidas que podem passar de R$ 77 milhões; pagamento de indenizações é incerto

Foto: Beto Albert (Diário)

Em julho de 2024, a Justiça de Pelotas decretou a falência da Santo Entretenimentos, conhecida popularmente como boate Kiss. Com isso, uma administradora judicial, com sede em Porto Alegre, ficou com a responsabilidade de realizar o levantamento de bens no CNPJ da empresa, apuração de credores e realizar o pagamento das indenizações a quem tem direito. Porém, o cenário encontrado se resume a uma dívida milionária que pode passar de R$ 77 milhões, e a incerteza sobre os pagamentos.


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Onze anos. Esse é o tempo que familiares, que já ganharam o direito na Justiça, aguardam o pagamento das indenizações referentes ao incêndio, que ocorreu em 27 de janeiro de 2013. Desde então, o processo de pagamento andou a passos lentos e contou com diversas mudanças de juízes. Inconformada com a situação, a advogada que representa a família de uma das vítimas entrou com um pedido de falência da empresa.


A advogada é Cristina Meira, 48 anos, que representa Patrícia Medianeira Carvalho e Joana Carvalho Treulieb, viúva e filha, respectivamente, de João Aloisio Treulieb, que era gerente da copa e morreu no incêndio. Na época, ele tinha 29 anos.

A advogada Cristina MeiraFoto: Beto Albert (Diário)


Em julho deste ano, a Justiça declarou a falência da boate, que estava registrada na Junta Comercial do RS com o nome de Santo Entretenimentos LTDA. As sócias da empresa constam como Angela Aurélia Callegaro e Marlene Terezinha Callegaro, mãe e irmã, respectivamente de Elissandro Spohr. Em 2011, houve uma cessão de cotas para Mauro Londero Hoffmann, porém essa cessão de cotas não foi levada para registro perante a Junta Comercial. 


O processo de falência foi julgado e deferido pela Vara Regional Empresarial de Pelotas. Ele tramita na cidade do sul do Estado em razão da competência daquela Vara Regional. Os processos de falência de empresas de Santa Maria, como o caso da Kiss, são direcionados para essa comarca. Na Lei de Falência, existe uma ordem de pagamentos, onde os créditos trabalhistas possuem prioridade. Esse é o caso de João:


– O objetivo, ao entrar com o pedido de falência, foi porque na Justiça do Trabalho se esgotaram todas as instâncias possíveis de cobrança dos créditos trabalhistas (a indenização por acidente do trabalho que resultou na morte de João). É para tentar agilizar o pagamento desses créditos que se arrastam há mais de uma década. Não vamos entrar no mérito de quem sofreu mais e tem prioridade nos pagamentos pela Lei da Falência, é impossível mensurar a dor de cada um. Vamos usar a lei e aplicá-la de acordo com a ordem – diz a advogada. 


A partir da decretação de falência, a própria Justiça determinou uma empresa como a administradora judicial da "massa falida", termo dado aos bens da pessoa jurídica que não é mais operante. A empresa Catalise Administração Judicial, de Porto Alegre, assumiu esse papel desde então. O advogado Fábio Cainelli, sócio do escritório, é um dos responsáveis pelo trabalho.


– Na falência, em suma, a administradora é responsável por assumir a representação processual da massa falida. Somos responsáveis por arrecadar eventuais bens que existam, realizar a venda desses bens (se houver) e pagar os credores. De forma geral, organizamos os restos de uma empresa falida – explica.


O primeiro passo feito pelo escritório foi fazer um levantamento dos bens que pudessem existir no CNPJ da empresa. O que, de acordo com Cainelli, não existem. Ao longo de setembro, uma última busca por possíveis bens foi feita novamente. Porém, mais uma vez, nada foi encontrado.


– Os únicos bens que haviam no CNPJ da Kiss eram os móveis que estavam dentro do prédio, mas que se perderam no incêndio, como a mobília e o estoque, por exemplo. Ela não tinha imóvel próprio. O local era alugado e hoje encontra-se tombado para a construção do memorial. Portanto, não existem bens desde o ocorrido. 


Foto: Beto Albert (Diário)


O segundo passo foi realizar o levantamento de credores, ou seja, quem tem créditos a receber, com processos já finalizados na Justiça. Esse trabalho foi concretizado em outubro e o valor da dívida chega a R$ 12 milhões consolidados. Desse total, pelo menos R$ 10 milhões seriam somente de origem trabalhista.


Além disso, existem ações indenizatórias que tramitam na Justiça e ainda não foram julgadas, de tipos diversos. Aqui, o valor é de cerca de R$ 65 milhões, chamado como "reserva de valor", pois ainda não está concretizado. No total, somando os dois valores, dívida pode passar de R$ 77 milhões. 


Se não há bens no CNPJ da empresa, como pagar essas dívidas?

Foto: Beto Albert (Diário)


Cainelli é enfático ao afirmar que não há, até o momento, dinheiro para pagar essas dívidas. O trabalho agora está em buscar direitos que a massa falida tenha perante terceiros. Essa seria a saída com o objetivo de buscar recursos para sanar, mesmo que parcialmente, esses débitos. 


– Nosso levantamento apontou que não há bens no nome da empresa jurídica. Não há recurso que se vislumbre a possibilidade de arrecadação da massa falida. Estamos fazendo esse levantamento agora sobre a possibilidade da massa falida ter algum direito perante terceiros que tenha ficado no passado, já que bens não existem – afirma.


administradora segue em busca de recursos para que o pagamento dessas dívidas seja feito. Não há um prazo final para essa apuração. 


Plano B: desbloquear a ação cautelar?

Em 2013, a 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Maria determinou a indisponibilidade dos bens da Santo Entretenimento e das duas sócias, que foi deferida por meio da ação cautelar. A Justiça Estadual estendeu o processo de execução e bloqueio de bens também aos demais sócios "registrados ou não": Mauro Londero Hoffmann e Elissandro Callegaro Spohr.


Por se tratar de um documento sigiloso, o Diário não teve acesso ao processo, porém o valor estaria cotado em cerca de R$ 5 milhões e a cautelar segue bloqueada pela Justiça. 


Na esfera cível, Angela Callegaro, Marlene Callegaro e Elissandro Callegaro Spohr são representados pelo escritório Kummel & Kummel Advogados Associados, de Santa Maria, que optou por não se manifestar sobre esse assunto. Já a defesa de Mauro Hoffmann não foi localizada pela reportagem.


Neste momento, a esperança da advogada Cristina Meira é depositada na possibilidade do desbloqueio dessa ação, que levaria os bens para leilão e o valor seria usado para o pagamento das dívidas. Como a prioridade são os créditos trabalhistas, a sua cliente ficaria mais perto de receber o valor pedido. 


– O objetivo, ao entrar com o pedido de falência, é justamente para desbloquear esse valor, levar os bens para leilão e que esses pagamentos voltem a ocorrer – afirma.


A advogada Cristina MeiraFoto: Beto Albert (Diário)


Segundo ela, alguns pagamentos foram feitos ao longo dos anos por meio de quantias retiradas da cautelar. A partir de 2019, nenhum outro pagamento foi realizado. 


– A grande questão é: a Justiça estava agindo de uma forma, pagando os credores trabalhistas, e por que não pagou mais? O que aconteceu? É o receio de não ter dinheiro para todo mundo? Isso é óbvio, não haverá para todos, pois a Kiss é uma devedora insolvente. Mas existem credores preferenciais. E por que eles existem? Porque a legislação prevê isso, pois o crédito trabalhista é um crédito de natureza alimentar - questiona Cristina. 


A indenização por acidente de trabalho que resultou na morte de João, feita no ano da tragédia e deferida na Justiça do Trabalho, gira em um valor de R$ 2, 5 milhões. Porém, agora, por meio da Lei de Falências, o crédito pedido é de equivalente a 150 salários mínimos com a cotação atual - cerca de R$ 211 mil. 


– Acompanho minha cliente desde o momento pós-incêndio. Ela optou por abrir mão da diferença de valores. O valor é muito inferior ao que era pedido e que a família tem direito na Justiça. Porém, o desejo de receber essa quantia (150 salários mínimos) é para dar uma qualidade de vida adequada para a Joana, pois minha cliente sobrevive com o salário da pensão por morte, o equivalente a um salário mínimo e a remuneração do seu trabalho.


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Maria Júlia Corrêa

julia.correa@diariosm.com.br

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