Descrita como silenciosa por muitos profissionais da saúde, a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), ou apenas Hipertensão, é uma doença crônica que leva o indivíduo a apresentar níveis de pressão arterial elevados sistematicamente. Conforme a Secretaria de Saúde de Santa Maria, a estimativa é de que cerca de 49,4 mil pessoas tenham a doença no município, apresentando registros de pressão arterial igual ou superior a 140/90 mmHg. Deste quantitativo, 34.645 pessoas, equivalente a 70%, buscam exclusivamente o Sistema Único de Saúde (SUS) para realizar a aferição, monitorar a condição ou realizar o tratamento para essa doença, que não tem cura.
A condição é constatada com o auxílio de um aparelho que monitora a pressão em milímetros de mercúrio (mmHg), possibilitando a observação das pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD) referentes à tensão com que sangue passa nas paredes arteriais quando o coração contrai e relaxa. Mesmo que uma porcentagem significativa de pessoas hipertensas seja composto por idosos, é preciso estar atento às condições que resultam na incidência da doença em jovens.
Nesta reportagem, saiba quais são os fatores que ocasionam a condição, quais foram os dados obtidos pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) sobre a doença no município, como funciona o monitoramento na Atenção Básica de Saúde e de que formas as mudanças no estilo de vida da pessoa com hipertensão podem trazer bem estar a longo prazo.
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Panorama
Além de agir silenciosamente no corpo, o médico cardiologista Hugo Fontana Filho alerta que, em 95% das vezes, a hipertensão não tem uma causa definida, podendo surgir por questões genéticas ou fatores comportamentais, como dieta elevada com sódio, obesidade, sedentarismo, entre outros pontos. Ele explica como funciona o processo que resulta no aparecimento da doença e de consequências graves:
–Os nossos vasos tanto cerebrais quanto cardíacos, carótidas, vasos renais e vasos dos membros inferiores não foram feitos para suportar a tensão que o sangue tem contra as paredes dos nossos vasos, quando a pressão está alta. Quando se estuda, percebe-se que os níveis acima de 11/6 são ideais para manter a saúde dos nossos vasos por muitos anos. Então, seria esse estresse do sangue contra a parede dos vasos quando a pressão está elevada que causa risco de AVC (Acidente Vascular Cerebral), infarto, insuficiência renal e de doença arterial periférica.
Levando em consideração o senso comum sobre os efeitos da doença, Fontana Filho destaca a relação médico e paciente como um ponto positivo no cuidado e monitoramento da doença, uma vez que existem casos em que a pressão alta não é necessariamente um indicador.
–Os sintomas infelizmente não são um bom parâmetro para nos indicar se somos hipertensos ou não. Todos os dias, no consultório, presenciamos pacientes com 180 de pressão e totalmente assintomáticos. A dica é medir a pressão de vez em quando em um dia comum. Se está muito estressado, com dor na coluna, dor no dente, se brigou com filho, esposa ou marido, essa pressão não nos serve, porque ela pode estar relacionada com as coisas que estão causando estresse. A pressão precisa ser medida no dia-a-dia, para sabermos se ela é boa ou não.
Se nesse processo for obtido o diagnóstico de hipertensão arterial, além do uso de farmacológicos, algumas medidas poderão ser indicadas como parte do tratamento. São elas:
Fazer exercício físicoControlar o pesoEvitar alimentos processadosReduzir a ingestão de sódio (sal)
Investigação
A hipertensão em Santa Maria também é tema de investigação no Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). No Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão Práticas de Cuidado nos diversos cenários de Atenção à Saúde, a professora e chefe do Departamento de Enfermagem, Maria Denise Schimith analisa os dados obtidos por acadêmicos sobre a patologia.
Entre 2017 a 2018, uma pesquisa desenvolvida pelo grupo contou com a participação de 558 usuários da Atenção Básica de Saúde de Santa Maria. Deste quantitativo, 269 são homens (48,2%) e 289 mulheres (51,8%), com idades entre 20 e 79 anos. Além de dados básicos como etnia, estado civil, nível de escolaridade, religião e ocupação, os participantes responderam perguntas sobre:
condições de moradiaconsumo de bebida alcoólicahábito de fumartratamento para depressãoestresseíndice de massa corporal (IMC)sedentarismotratamento para hipertensão arterial sistêmica
Para Maria Denise, um dos dados a ser observado com atenção é o número de participantes que realizam o tratamento para hipertensão arterial sistêmica. De 558, 159 mantêm uma rotina de controle da doença, ou seja, 28,5% do total. Ela reflete sobre o uso de medicamentos e os resultados obtidos sobre o tratamento:
–É um critério médico. É ele que vai dizer qual é o tipo e qual é a maneira de tomar, entre outros pontos. Na maioria dos casos, temos como resultado de pesquisa que as pessoas tem muito pouca aderência à medicação. Isso também altera demais a forma que a pessoa vive com essa pressão alta, porque se ela toma regularmente essa medicação prescrita, ela evita ter crise hipertensiva. É essa crise que pode levar a um acidente vascular encefálico e consequências piores. Então, o nosso maior cuidado com a pessoa hipertensa é a de que ela faça a adesão ao tratamento.
Ainda no âmbito desta pesquisa, um recorte com jovens de 20 a 29 anos também foi realizado. O estudo visou identificar e analisar a presença de fatores de risco cardiovascular, entre outros. O levantamento, que contou com 129 relatos (63 de homens e 66 mulheres), constatou que 9 pessoas, ou seja, 7% tinham diagnóstico médico de hipertensão. Outros pontos que contribuem para o aparecimento prematuro da doença foram registrados, resultando nas seguintes constatações:
Em adultos jovens sedentários, obesos, que faziam uso de, no mínimo, 30g de álcool por dia, fumantes ativos e passivos, usuários de drogas (maconha e cocaína), que já fizeram tratamento para depressão e se consideram estressados foram evidenciados fatores de risco cardiovascular.A grande maioria percebia a ausência de doenças como fator indicativo de saúde.Os participantes sabem que praticar atividade física e manter uma alimentação saudável é essencial para prevenção de doenças, no entanto, alguns ainda não mantêm esses hábitos de vida. O acesso dos adultos jovens se dá por meio das Unidades de Pronto Atendimento, pois alegam que o atendimento é mais rápido e em horário oposto ao do trabalho.
Monitoramento
Por ser uma doença de difícil controle e de longa duração, a Hipertensão exige um cuidado multidisciplinar. Em Santa Maria, a partir do primeiro atendimento, um plano de cuidado compartilhado é gerado para que as equipes das Unidades Básicas de Saúde (UBS), Estratégias de Saúde da Família (ESF), em parceria com as equipes da Atenção Primária (EAP), acompanhem o usuário.
No contexto atual, da estimativa de 34.645 pessoas que buscam cuidado e tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) em Santa Maria, 15.511 estão cadastrados em unidades de saúde habilitadas com EAPs no município, uma vez que somente as ESFs e as UBS que já foram habilitadas neste modelo de atenção possuem acesso a Ficha de Cadastro Individual – documento específico para o registro e monitoramento da situação de saúde dos usuários.
Além da Unidade Central Móvel, que contabiliza 195 usuários cadastrados, confira a lista de unidades de saúde que contam com EAP e o número de usuários cadastrados até o momento:
Região Oeste
Dr. Floriano Rocha – 491Nova Santa Marta – 618Alto da Boa Vista – 575Felício Bastos – 347Roberto Binato – 1170São João – 208Rubem Noal – 499Vitor Hoffmann – 626Parque Pinheiro Machado – 517
Região Centro
José Erasmo Crossetti – 325Dom Antônio Reis – 52
Região Sul/Centro Oeste
Oneyde de Carvalho (EAP) – 292Oneide de Carvalho (ESP) – 368Urlândia – 989Santos – 814Passo das Tropas – 170Centro Social Urbano – 748Lidia – 430
Região Leste/Centro Oeste
Wilson Paulo Noal (EAP) – 621Wilson Paulo Noal (ESF) – 457São José – 701Walter Aita – 270Maringá – 231São Francisco – 389Pains/Arroio do Só – 382
Região Norte/Nordeste
Itararé (EAP) – 635Itararé (ESF) – 433Joy Bets – 152Kennedy (EAP) – 403Kennedy (ESF) – 803Bela União – 437Santo Antão – 163
A enfermeira responsável pelas Políticas de Doenças Crônicas em Santa Maria, Maria Evanir Vicente Ferreira, reforça que o cadastramento de pacientes ocorre desde a implantação do Programa Previne Brasil, em 2020. Porém, a pandemia teria sido um dos empecilhos para que o processo não alcançasse as demais 19 mil pessoas que têm a doença no município.
–Nós aceleramos a atualização do cadastramento que já vinha acontecendo. Estávamos avançando bastante na questão da organização do atendimento e acompanhamento dessas pessoas. Mas, com a pandemia, tivemos um obstáculo. Praticamente paramos, e agora estamos retomando – afirma.
A enfermeira ainda ressalta que o período também foi propício para o agravamento da doença tanto por conta da falta de acompanhamento quanto pelo surgimento de outras doenças, como a obesidade:
–As pessoas que foram ganhando peso e correndo risco de desenvolver a doença. E aquele que já tinha o diagnóstico, de complicá-la. A pandemia agravou a questão das doenças crônicas. Hoje, estamos fazendo busca ativa e indo atrás para tentar sanar esses problemas. Mas, a hipertensão é um dos principais fatores de risco para infecção por Covid. Então, a maior parte deles (pacientes) ainda estão em casa, com medo de sair. Nós estamos retomando o acompanhamento e controle dessa doença, porque é uma das que mais causa óbitos no mundo. Não é só em Santa Maria.
Apesar de uma parcela significativa do monitoramento de pacientes com hipertensão ocorrer em unidades de saúde, existem casos que exigem cuidado ambulatorial, especialmente aqueles considerados de alto risco. Maria Evanir explica que o processo envolve o encaminhamento para a equipe do Ambulatório de Especialidade em Hipertensão Arterial e Diabetes, do Hospital Regional de Santa Maria.
No espaço, o usuário é atendido por uma equipe multiprofissional, composta por enfermeiro, psicólogo, farmacêutico, assistente social, fisioterapeuta, educador físico, técnico em enfermagem, médico cardiologista, médico endocrinologista, medico nefrologista, oftalmologista e médico angiologista, conforme a necessidade apresentada. Conforme a enfermeira, entre 2018 a 2022, 1508 pacientes foram encaminhados ao ambulatório.
Mudança de estilo
Todas as segundas, quartas e sexta-feiras, a costureira Leonor Prestes Saccol, de 77 anos, levanta e coloca o uniforme do grupo santa-mariense de hipertensos Novo Estilo de Vida. A participação já é rotina há mais de 25 anos. Ela se recorda da primeira crise hipertensiva que teve perto dos 50 anos. Para Leonor, o choque do diagnóstico da doença deu lugar à força para mudar o estilo de vida e recomeçar. Ao lado dos colegas, ela deixa uma mensagem a quem precisa conviver com a hipertensão e outras doenças:
–As pessoas devem frequentar grupos, porque é muito bom e faz muito bem de verdade. Claro que precisamos continuar tomando os remédios, mas a prática ajuda muito .
Visando reverter os efeitos da doença, o grupo Novo Estilo de Vida realiza a prática de exercícios físicos e dança no ginásio A “Professor João Vaz” do Centro Desportivo Municipal (CDM) desde 1993. Quatro anos após o início das atividades no local, a associação ganhou uma sala, na qual entre quadros e lembranças, são feitas as aferições de pressão arterial dos participantes.
O zelo pela saúde dos 41 participantes com idades de 60 a 87 anos é uma prioridade para a professora de Educação Física, Maria da Conceição dos Santos Xavier, 56. Trabalhando com o grupo desde 1998, ela descreve a participação nas aulas como um combo de oportunidades que vai além do cuidado com a hipertensão:
–É importante para a saúde, para a convivência entre eles e para a interação social. Eu sempre digo que é um combo. Um conjunto que faz com que a melhora na qualidade de vida deles venha a acontecer.
Para participar, basta entrar em contato com a professora e coordenadora do grupo Maria da Conceição pelo telefone (55) 99645-3314.
Grupo santa-mariense de hipertensos “Novo estilo de vida”
Aulas – Segunda, quartas e sexta-feiras, das 7h às 8h30minMensalidade – R$50 reaisInscrições – Entre em contato com Maria da Conceição pelo telefone (55) 99645-3314
Arianne Lima – [email protected]
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