Do auge ao esquecimento, Concha Acústica reúne memórias da cultura santa-mariense

Leandra Cruber

Do auge ao esquecimento, Concha Acústica reúne memórias da cultura santa-mariense

Foto: Marcelo Oliveira 

Inaugurada entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980, ainda sob administração de Oswaldo Nascimento, prefeito de Santa Maria na época, a Concha Acústica do Parque Itaimbé é um dos pontos mais democráticos da cultura na cidade.

O palco a céu aberto e em formato de meia-lua, que leva o nome do consagrado cantor e compositor Lupicínio Rodrigues, já recebeu centenas de artistas de Santa Maria e, também, de fora. Segundo o roqueiro Pylla Kroth, em meados de 1994, a rádio Transamérica realizava eventos periodicamente no local. Às vezes, até de quinzenalmente. Em uma dessas ocasiões, a banda Fuga lotou o espaço da Concha e os arredores do Parque Itaimbé. Para o vocalista da banda, tocar no local foi uma das primeiras realizações profissionais.

– Em 1976, vi a banda Genesis tocar e decidi que queria ter a sensação de fazer um show para milhares de pessoas. A Concha foi o primeiro lugar que pude ter esse sentimento. A Fuga fez show várias e várias vezes lá e nunca teve só meia dúzia de pessoas. Então, era o verdadeiro sonho do rock se realizando, principalmente, porque a cidade vivia o ‘rock and roll’ no seu auge – relembra Pylla.

De acordo com o produtor cultural Márcio Grings, que assistiu ao show mencionado da banda Fuga na Concha Acústica, a sensação de estar no local era a de presenciar um momento histórico:

– Lembro de ter aquela sensação de que a Fuga era uma banda extraclasse, uma célula única naqueles dias, e vê-los ao vivo sempre teve um peso, não apenas circunstancial, mas de estar presenciando algo histórico, como de fato foi.

Nos anos 1990, os equipamentos de áudio e vídeo ainda não eram populares ou acessíveis como hoje. Mas, ainda assim, alguns registros históricos foram feitos dos momentos em que bandas como a Fuga encantaram milhares de pessoas na Concha.

Fotos: Heron Domingues

O sócio-diretor da HD Vídeo Produtora, Heron Domingues, é o responsável pelo retrato ao lado (acima), que mostra a efervescência da cena cultural da cidade naquela época. Para ele, a Concha Acústica foi um lugar que, por anos, parecia ser mágico.

– Além da beleza do local, simples, mas ao ar livre, e da parte arquitetônico, pensada para que o palco pudesse ser visto integralmente e para que os artistas pudessem acompanhar todos os cantos da plateia, a Concha era ponto de referência, de encontro, de arte e cultura – diz Domingues.

Pylla e a banda Fuga são, hoje, um marco para o rock santa-mariense e deixaram um desafio para outros grupos da cidade: encher a Concha Acústica. Algumas já conseguiram…

UM PALCO EM ASCENSÃO

Foto: Rodrigo Ricordi

Criada em 2007, a banda Rinoceronte é um dos destaques da música santa-mariense. A banda formada por Paulo Noronha, voz e guitarra, Vinícius Brum, baixo e voz, e Luiz Henrique na bateria, realizou shows em estados como Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais e São Paulo. Mas foi em Santa Maria que entenderam o cenário mágico contado por Pylla, Márcio e Heitor.

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De acordo com Paulo Noronha, tocar na Concha Acústica foi um divisor de águas para a Rinoceronte.

– A sensação de se sentir em casa é ótima, né? E tocar na Concha era assim. Imagina reunir mais de mil pessoas num domingo à tardinha, naquele espaço em formato de meia lua. Era louco. Sempre que tocamos a Concha estava em boas condições, mas sabemos que isso não é mais uma realidade. Então fica um sentimento de saudade e também de esperança para que a gurizada volte a ocupar.

HISTÓRICA RECENTE

Foto: Rodrigo Ricordi

Em 2016, o local recebeu um grande evento. A banda Guantánamo Groove protagonizou o show OCUPA Concha Acústica em alusão ao álbum OCUPA, recém lançado pelo trio Yuri Medeiro, Gustavo Borges e Vagner Uberti, na época. Eles reuniram um público de centenas de pessoas que cantaram canções como Se Movimente e Homem- Bomba.

– A Concha sempre foi uma referência para nós. Fizemos o primeiro show em dezembro de 2012, com pouco tempo da formação da banda. Na época, ainda que precários, tinha banheiros e um ponto de luz. Tínhamos que escolher entre iluminação ou poder ligar os amplificadores. E sabemos que condições ideais nunca existiram, mas era bom estar lá – diz Yuri.

O artista lembra, ainda, que a Concha Acústica teve um papel fundamental para a juventude santa-mariense em um período após a tragédia da Kiss, quando as pessoas não se sentiam seguras para frequentar locais fechados. Em 2014, no lançamento do primeiro EP da banda, o Boca, a Guantánamo teve a certeza que a Concha era um fenômeno.

– Foi bacana ter na Concha uma possibilidade de incentivar a ocupação dos espaços público de Santa Maria e, ao mesmo tempo, tentar curar algumas feridas com a arte e se aproximar das pessoas daqui. E é difícil descrever a sensação de estar naquele palco aberto, tínhamos uma fé na arte que certamente marcou uma geração.

BANDAS DE FORA

A Concha Acústica já foi palco para grupos como a Doyoulike?, banda gaúcha, e para o projeto Valentin, do músico Érico Junqueira:

– A gente ouvia falar desse local público e a céu aberto em Santa Maria, sabíamos que os guris da Guantánamo, por exemplo, já tinham lotado. Foram diversas as vezes que toquei na Concha e fiz até amigos. Nunca fiz questão de tocar em outro lugar que não fosse lá. O espaço é diferente e gera uma proximidade com o público que é única – ressalta Érico.

ALÉM DO ROCK

Mas, nem só de riffs de guitarra sobreviveu a Concha Acústica. Ao longo dos anos, o espaço recebeu movimentos de diferentes estilos, como o rap que, além de incentivar a ocupação de lugares públicos, assim como as bandas da cidade, também reivindicavam o acesso aos espaços no centro pela periferia.

Em 2014, em comemoração aos 5 anos da Revista O Viés, o coletivo realizou um grande evento na Concha que contou com participações das bandas Guantánamo Groove, Geringonça e dos artistas Junior Holkem e Roger Ferreira, da Rima Suprema, Matheus Almeida Bessa e Cauê Jacques, da Nova Beat, e Fabricio Atak, da Estampa da Quebrada. De lá para cá, a cena cultural santa-mariense mudou, mas o movimento hip hop continuou forte.

A Batalha do Ita traz para o Parque Itaimbé, desde 2017, shows e competições de batalha de rimas. A iniciativa surgiu como desdobramento do programa Bambaataa, projeto de extensão do curso de Comunicação Social da UFSM, e as batalhas são realizadas em parceria com o Coletivo de Resistência Artística e Periférica (CO-RAP).

Em 2018, a 10ª Batalha do Ita organizou, também, shows de artistas do movimento hip hop da cidade como Hawk, Caug Lima e Justina Monteiro. Para Diovana Vieira, uma das organizações do evento, a Batalha surge como uma forma de mobilizar MCs da cidade e buscar oportunidades artísticas em Santa Maria.

– Com a repercussão das batalhas, começamos também a participar de eventos com artistas nacionais como Brisa Flow e KL Jay. E, assim, os MCs das batalhas que aconteceram na Concha começaram a abrir grandes shows. E é justamente por isso que queremos continuar com a Batalha do Ita. Se antes da pandemia o rap já era resistência pura, imagina agora que temos cada vez menos espaços para buscar oportunidades artísticas – explica a relações públicas.

O ÚLTIMO ESPETÁCULO

Apesar da estrutura deteriorada pelo tempo, pela ausência de iluminação e de energia elétrica – ponto fundamental para shows, por exemplo – artistas de Santa Maria continuaram colorindo e movimentando a Concha Acústica. A última apresentação que lotou a estrutura de concreto foi o espetáculo Amores aos Montes, do Teatro Por Que Não?, e, desde então, as arquibancadas nunca mais se encheram com as centenas de pessoas que já passaram por ali.

Foto: Pedro Piegas 

O espetáculo do grupo de teatro ocorreu em março de 2020 e, além de marcar as comemorações de 10 anos de atuação do Teatro Por Que Não?, foi também o último evento realizado na Concha antes da pandemia. Na época, a estrutura já não era a ideal, especialmente para peças de teatro, mas não impediu que a realização de Amores aos Montes encantasse o público.

– O espetáculo nasceu para ser realizado em praças públicas. E, lá na Concha, era incrível a proximidade com o público. Naquele dia, nós realizamos o último evento presencial em, praticamente, um ano e meio, e foi lindo. Não sei se já tínhamos visto o lugar tão cheio – diz Geison.

Ainda, de acordo com Juliet Castaldello, a ideia é voltar a ocupar o espaço para que não caia no abandono.

– Sabemos que quando algum espaço fica muito tempo sem atividades começa a surgir aquele discurso de que é perigoso e que não serviria mais para a realização de eventos, como a própria Gare. Mas está abandonado por quem? Já que as pessoas continuam a frequentar esses espaços. Então, apesar de não termos planos para a Concha em 2022, queremos continuar ocupando espaços públicos.

O FUTURO DA CONCHA

A Concha Acústica do Parque Itaimbé recebe manutenções de limpezas semanais. Funcionários da Sulclean limpam as arquibancadas, retiram o lixo do local e, após dias de chuva nos quais as gramas crescem mais rápido, também capinam e cuidam do local da forma que é possível.

De acordo com a prefeitura, não existem projetos específicos para a revitalização do espaço. No entanto, a Concha faz parte da área prevista para ser reformada pelo Projeto Ilumina Esporte, do Programa Avançar no Esporte, que prevê melhorias na iluminação pública de parte do Parque Itaimbé. A última revitalização completa da Concha Acústica ocorreu em 2011, quando Cezar Schirmer ocupava o cargo de prefeito de Santa Maria e Iara Druzian era secretária de Cultura. Na última década, somente pequenos reparos e manutenções de limpeza foram realizados.

Ainda segundo a administração municipal, para revitalizar o espaço referência em cultura da cidade, seria necessária uma forma dentro da estrutura existente. A prefeitura, por meio da Secretaria de Cultura, trabalha no projeto necessário para a reforma, mesmo sem previsão para que de fato ocorra uma revitalização.

Arte: Paulo Chagas

Hoje, quem tem o desejo de ver a cultura santa-mariense efervescer novamente, assim como artistas que já se apaixonaram pelo palco da Concha, pode ocupar o local a partir de um envio de ofício para a Secretaria de Cultura, com informações sobre o evento. A pasta faz avaliação do documento para a possibilidade de liberação de uso do espaço.

Assim, o desejo de artistas como Yuri Medeiros é que o espaço apagado pelo tempo volte a ser um centro de mobilização artístico pulsante e vivo da Cidade Cultura.

– Falar sobre a Concha Acústica é acessar momentos de uma Santa Maria maravilhosa. Por isso, fica o apelo para que nós, artistas e bandas da cidade, voltemos a ocupar esses espaços e levemos adiante a ideia de movimentar a cultura dos lugares públicos – ressalta Yuri.

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