
Foto: Senge-RS (Reprodução)
Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira, em Porto Alegre, AVTSM e Sindicato dos Engenheiros do Estado detalharam petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
Além de manter os réus no processo criminal da tragédia da boate Kiss presos com a validação do júri de 2021, a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) também quer reaver a responsabilidade do Estado Brasileiro na tragédia em que 242 jovens morreram e mais de 600 ficaram feridos. Para isso, entrou com uma petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Nela, constam entes públicos que deveriam ser responsabilizados, segundo a associação, como servidores públicos municipais de Santa Maria.
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Os detalhes do pedido foram apresentados nesta quarta-feira (29) em coletiva de imprensa realizada com conjunto com o Sindicato dos Engenheiros no Estado (Senge-RS). Ela está disponível na íntegra no canal TV Senge-RS, no Youtube. Outros órgãos, que também estão juntos na petição, estiveram presentes.
Além da responsabilização dos quatro réus, Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, familiares e sobreviventes travam uma batalha antiga para colocar na lista também os entes públicos. Na coletiva, o presidente da AVTSM, Flávio Silva, destacou a necessidade de mudança e responsabilização do setor público:
– Se hoje estamos aqui é porque violências graves aconteceram. Falo que, muitas vezes, tenho vergonha de morar no Brasil, porque aqueles que têm dinheiro matam não são punidos e responsabilizados. Esperamos que essa brilhante petição nos remeta às possibilidades de fazer grandes mudanças, inclusive quanto às prevenções de incêndio.
Detalhes da petição
A apresentação da denúncia à comissão ocorreu em janeiro de 2017. O Estado Brasileiro foi notificado em 2021, quando respondeu apresentando objeções. Três anos depois, 2024, a CIDH aceitou o pedido e, a partir de agora, julga se houve violação de direitos humanos por parte do Brasil pelo incêndio da boate Kiss.
Alegações apresentadas
- Demora no inquérito policial – Para eles, constitui violação da convenção de Direitos Humanos
- Falhas de inspeção e irregularidades do estabelecimento que podem ter contribuído para as mortes, lesões e danos decorrentes do incêndio, além da falta de investigação, punição e reparação total e oportuna
- Pedem o reconhecimento ao direito à vida, à integridade pessoal, à justiça e devido processo legal das 242 vítimas fatais, de 645 sobreviventes e dos familiares de ambos
- Cerca de 15 leis violadas, no nível municipal até federal
- Fragilização da Lei de Improbidade administrativa (dificuldade em responsabilizar gestores públicos que não cumprem seu dever por omissão)
O que diz a carta de aceite da proposta
Conforme texto trazido na coletiva, a comissão avaliou como positivo o trabalho da Polícia Civil nos inquéritos policiais, "mas as etapas subsequentes foram lentas e problemáticas" , pois foram mais de 10 anos sem que o processo final alcançasse seu fim com o trânsito em julgado e arquivado.
Se os argumentos forem provados (fase atual de análise), o Estado Brasileiro pode ser responsabilizado e receber uma sentença.
Na petição apresentada, constam três entes públicos que deveriam ser responsabilizados, segundo os autores do pedido. Veja a lista a seguir e as justificativas para a responsabilização:.
- Servidores públicos municipais de Santa Maria – Pela falha de fiscalização, culpabilização das vítimas e familiares e sem investigação nem punição
- Promotores do Ministério Público do Rio Grande do Sul – Não exerceram sua função, como também não fecharam a casa noturna. Processaram os pais das vítimas por calúnia e difamação e arquivaram os inquéritos contra agentes públicos
- Bombeiros – Não impediram o funcionamento de local sem plano de prevenção e proteção contra incêndios (PPCI). Não tinham equipamentos necessários, permitiram civis em risco. Bombeiros foram julgados na Justiça Militar contra crimes contra civis
Prefeitura de Santa Maria
Em resposta aos questionamentos, a Prefeitura de Santa Maria se posiciona sobre o assunto em nota. Leia na íntegra:
"A Prefeitura, por meio da Procuradoria-Geral do Município, entende que o trágico incêndio ocorrido no dia 27 de janeiro causou profundo impacto na história do Município e é um tema que deve ser tratado com respeito e solidariedade. Nos últimos anos, a administração municipal atuou em apoio aos familiares e sobreviventes, tendo providenciado a desapropriação do imóvel onde estava localizada a boate; a licitação do Memorial às Vítimas da Kiss, que é financiada com verbas do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do MPRS com contrapartida da Prefeitura; e infraestrutura e acompanhamento para a realização de iniciativas alusivas à tragédia, em prol da preservação da memória, da prevenção e da homenagem às vítimas.
Em relação a eventuais processos judiciais decorrentes da petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a tragédia na boate Kiss, que pede a responsabilização de entes públicos, entre eles servidores públicos municipais, a Procuradoria-Geral do Município se manifestará dentro dos autos, quando notificada formalmente".
Quem integra o pedido à comissão
Na coletiva, a especialista em litígio de Direitos Humanos e que está à frente do pedido, a advogada Tâmara Biolo Soares, falou sobre as instituições que integram a petição. Na explicação, as instituições peticionárias (que assinam o pedido junto à AVTSM) se relacionam com a tragédia, pois trabalharam para atender os afetados e, nos últimos 12 anos, passaram a colaborar com a causa. Tâmara ainda salientou que a composição dos entes (conselhos e sindicatos) foi elogiada pelo CIDH.
A denúncia busca sansões em dois níveis, no individual e institucional, detalhou Tâmara:
- No caso do Ministério Público, por exemplo, queremos que sejam abertas investigações a respeito das condutas dos promotores que conheciam desse caso e, na época, nada fizeram. E infringiram a lei ao nada fazerem. Queremos abertura de processos administrativos e judiciais, que incluem os servidores públicos municipais de Santa Maria e, também, os promotores que foram envolvidos. E queremos, também, mudanças institucionais. Tem que haver órgãos maiores e melhores atuando e olhando para a atuação do Ministério Público - disse a advogada.
Quem integra a petição
- Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM)
- Sindicato dos Engenheiros no RS (Senge-RS)
- Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RS)
- Conselho Regional de Psicologia
- Conselho Regional de Serviço Social
- Instituto dos Arquitetos do Brasil no RS (IAB-RS)
Sobre a flexibilização da lei
A Lei 13.425 de 2014, conhecida como Lei Kiss, trata das normas de segurança, prevenção e proteção contra incêndios no Rio Grande do Sul. É ela que detalha prazos, penalidades, infrações aplicáveis. Mas a preocupação do Senge-RS e de outros órgãos é a aplicação na prática, já que a lei vem sendo flexibilizada.
Leia mais:
As condenações do Brasil no âmbito nacional
Foi em 2006 que o Brasil teve, pela primeira vez, sua condenação no âmbito dos direitos humanos. O caso era de Damião Ximenes Lopes, e reivindicava a responsabilização do Estado Brasileiro pela morte de um paciente esquizofrênico no Ceará. No total, o Brasil já recebeu 14 sentenças. Apesar das decisões contra o país, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos não tem poder de Justiça. Logo, não é capaz de punir a nação que não cumpre suas sentenças.
O que é a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é um órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. Foi criada em 1959 e tem sede em Washington, nos Estados Unidos. Integra o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que conta também com a Corte Interamericana de Direitos Humanos
- O principal objetivo é promover a observância e a defesa dos direitos humanos por meio de realização de diligências, sindicâncias, entrevistas com interessados, entendimentos com autoridades públicas e qualquer outro procedimento adequado, visando à elucidação de denúncias apresentadas a fim de salvaguardar a dignidade das pessoas e consolidar o Estado de Direito e a democracia