
Quase um mês separa Rodolfo Bopp do acidente com o ônibus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mas o trauma ainda é recente. Ele era o motorista que conduzia os alunos do curso de Paisagismo do Colégio Politécnico até a cidade de Imigrante, onde o veículo tombou e deixou 26 feridos e sete vítimas fatais. Em entrevista ao Diário, ele falou sobre o momento do acidente, o andamento das investigações e a recuperação.
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O motorista conta que um dia antes da viagem realizou o procedimento padrão, como sempre fazia em outros deslocamentos. Checou óleo e a água do radiador. Após fazer a limpeza, colocou o veículo de volta na garagem. Estava tudo pronto para a viagem, marcada para as 6h de sexta-feira, 4 de abril. Bopp, que trabalha há mais de uma década como motorista, há pelo menos sete anos prestava serviços para a UFSM.
No dia da viagem, que tinha como destino Imigrante, o trajeto demonstrava normalidade até que o motorista precisou acionar o freio. Foi quando o veículo, de acordo com o motorista, começou a ganhar velocidade. Nesse momento, percebeu que “não tinha mais o que fazer”. A única preocupação era evitar chegar no perímetro urbano da cidade com um veículo sem freio:
– Puxei o freio estacionário, e também não parou. É só ribanceira para os dois lados. Ele (o veículo) começou a ganhar muita velocidade, e eu comecei a procurar um lugar para entrar com o ônibus e tentar parar. Não tinha mais o que fazer, freio não tinha mais. Quando eu vi o milharal, eu achei a oportunidade de entrar ali e tentar parar. Até porque, eu entrar no perímetro urbano da cidade, sem freio, para mim não era uma opção. O que eu quis evitar, a todo momento, foi que o ônibus tombasse várias vezes. E eu era o para-choque. Era para eu estar morto. Na minha cabeça, eu estava morto, não tinha o que fazer.

Quando o ônibus tombou, Bopp contou que pediu para que os agricultores que trabalhavam no entorno da lavoura chamassem por socorro. Logo depois, ajudou a tirar alguns passageiros do ônibus. Com um corte profundo na cabeça, foi encaminhado ao hospital pelos socorristas. Foram 14 pontos na cabeça, hematomas e escoriações deixadas na pele do motorista.
– Tirei uma das professoras do ônibus, inclusive. O marido dela me mandou mensagem dias depois, agradecendo – conta.
Os dias após o acidente
Em meio à recuperação do acidente e dos ferimentos – Bopp segue em tratamento –, acompanhou e colaborou com a investigação em andamento. Para ele, foram momentos difíceis, já que era colocado como culpado pela tragédia:
– Foi muito tenso, principalmente porque a minha conduta foi colocada em cheque. Eu jamais sairia de casa pensando que uma coisa dessas fosse acontecer. Jamais. Eu tenho uma convivência boa com os alunos e os professores que eu conheço. Enquanto não sai o laudo, infelizmente, o motorista é o culpado.
O sentimento após laudo da perícia
O laudo do Instituto-Geral de Perícias (IGP), que apontou falha no sistema de acionamento dos freios, foi um alívio para o motorista. O resultado foi divulgado na última quarta-feira (30).
– Não posso dizer que foi um alívio porque foram sete vidas perdidas, mas me acalmou o coração. Mostrou que não foi culpa minha. Se tivesse como parar, eu teria parado o ônibus, porque imagina, eu também poderia morrer.
O sentimento, agora, é de luto pelas vítimas e desejo pela recuperação dos pacientes. No futuro, Bopp afirma que pretende voltar ao trabalho:
– É uma perda irreparável para as famílias. E para mim, vou ser sempre o motorista que se acidentou com o ônibus. Eu pretendo voltar a trabalhar porque eu amo o que eu faço. Se Deus me permitir, vou continuar trabalhando.
Motorista passa de suspeito para vítima, afirma advogado
A defesa do motorista Rodolfo Bopp vê, a partir de agora, um novo caminho na investigação do caso. Para o advogado Flávio Barreiro, pela primeira vez, o motorista passa a ser tratado como uma vítima do acidente – e não mais como um suspeito.
– Esses novos elementos, reforçados por essa perícia que constatou a falha no sistema de freios, traz para o inquérito um novo rumo. E como eu já falei desde o início: não houve imperícia, imprudência ou negligência. No meu entender, o Rodolfo passa da condição de suspeito para a condição de vítima.

Relembre o acidente
Um ônibus com estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) caiu em uma ribanceira de 52 metros de altura, perto do trevo de acesso ao município de Imigrante, na região do Vale do Taquari, na manhã de sexta-feira (4), e deixou sete mortos e 26 feridos. Todas as vítimas fatais eram calouras do curso de Paisagismo do Colégio Politécnico da instituição.
No total, 33 pessoas — estudantes, professoras e o motorista — estavam em uma excursão que faria visita técnica ao Cactário Horst (espaço dedicado ao cultivo de cactos e suculentas), em Imigrante, quando o acidente aconteceu. Uma das teorias da causa do acidente seria falha nos freios. O ônibus pertencia à UFSM, mas o motorista era terceirizado.
O acidente aconteceu a cerca de 850 metros do destino final, entre os quilômetros 3 e 4 da rodovia, pouco antes das 11h. O primeiro chamado que os bombeiros voluntários receberam foi às 10h48min.
As despedidas das vítimas fatais Dilvani Hoch, Fátima Eliane Riquel Copatti, Flavia Marcuzzo Dotto, Janaina Finkler, Marisete Maurer, Paulo Victor Estefanói Antunes e Elizeth Fauth Vargas foram realizadas no sábado em Santa Maria, São Pedro do Sul, Vale Vêneto (distrito de São João do Polêsine), Estância Velha e São Martinho da Serra. Elizeth Fauth Vargas foi sepultada no domingo (6), em Passo Fundo.
Inquérito em andamento
- A Polícia Civil de Teutônia, responsável pela investigação, já ouviu mais de 30 pessoas – entre eles, o motorista do ônibus, a direção do Colégio Politécnico e a maioria dos sobreviventes. Conforme a polícia, a principal hipótese levantada é a falha nos freios.
- A perícia mecânica feita pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) e divulgada em 30 de abril, apontou uma falha no sistema de acionamento dos freios, causada por desgaste excessivo em uma das rodas. A condição foi classificada como falha de "potencial catastrófico". O relatório também informou que todos os equipamentos de segurança obrigatórios, como cintos de segurança, estavam presentes no ônibus.
- Uma sindicância interna também foi aberta na UFSM, liderada por dois engenheiros mecânicos. O objetivo é investigar as condições da frota e fazer uma avaliação dos procedimentos da instituição no que diz respeito ao transporte de alunos e professores.
- Em última manifestação sobre o acidente, o reitor Luciano Schuch, comentou sobre os aspectos identificados no laudo do IGP. Conforme ele, as informações serão usados na sindicância. Schuch ainda reforça que o ônibus passou por uma revisão preventiva em setembro de 2024, feito por uma empresa credenciada, no custo de cerca de R$ 14 mil. “Desde então, o veículo percorreu aproximadamente 10 mil quilômetros até a data do acidente”, disse a instituição em nota.
- A investigação, por parte da Polícia Civil, segue. O delegado José Romaci Reis afirmou que novos laudos técnicos serão realizados, como no caso do disco do tacógrafo. O dispositivo deve indicar a velocidade do ônibus nos últimos quatro quilômetros de trajeto. A intenção é saber qual era a velocidade quando o veículo começou a descer a serra e qual o pico de velocidade pouco antes de sair da pista e cair no barranco. Reis também estuda a possibilidade de realizar uma nova perícia no ônibus para verificar outras possíveis irregularidades que não puderam ser esclarecidas pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) devido à falta de equipamentos adequados.
- Até o momento não há definição sobre quem será indiciado no caso, e que ainda faltam ser ouvidos dois motoristas e duas vítimas do acidente.
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