
Foto: Mateus Ferreira (Diário)
Estrada centenária que liga Santa Maria e Itaara está bloqueada desde maio do ano passado. De lá para cá, moradores já tentaram liberar a via diversas vezes.
O feriado do dia 1º de maio de 2024 foi marcado pela interdição total da Estrada do Perau. O grande volume de chuvas que caiu sobre a região na época, danificou também a histórica estrada de pedras, que liga Santa Maria e Itaara. Do lado de Santa Maria, parte do morro deslizou, levando abaixo árvores, galhos, lama, e movimentou o terreno, o que teria aberto uma fenda no morro. Por entender que essa situação apresentou grande risco aos condutores, uma área de cerca de dois quilômetros foi isolada, impedindo o tráfego nos dois sentidos. O trecho isolado não possui residências ou pontos de comércio.
Desde então, a prefeitura de Santa Maria precisou realizar estudos geológicos no local para recuperar o trecho e liberar a estrada. No entanto, a demora fez com que motoristas desrespeitassem o bloqueio e seguissem transitando pelo local. Muitos deles são moradores que, por pelo menos três vezes no último ano, mobilizaram-se para cobrar alguma resposta com manifestações no local e até tentativas de romper o bloqueio.
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– Com a demora para resolver o problema, formaram-se grupos de moradores para tentar, de alguma forma, pressionar o Poder Público, e isso se mostrou positivo, porque acabamos recebendo muitas informações que nos ajudam a entender de fato o problema. Pensamos que seja possível a liberação do trecho, pois, desde o dia 1º de maio, não houve outro tipo de ocorrência, como novos deslizamentos. Então, a gente se questiona se há realmente um risco – pontua Odimar Bolzan, morador da região.
Projetos
Um primeiro estudo levantado pela prefeitura e remetido ao governo federal, com a finalidade de buscar recursos, indicou uma obra de recuperação no valor de pouco mais de R$ 9 milhões, inicialmente. Porém, depois de outras análises, o valor aumentou, e o projeto está orçado em quase R$ 16 milhões.
– O primeiro projeto foi protocolado no dia 29 de junho, com base em estudos que fizemos, conforme o local nos permitia, pois ainda chovia muito. Foi medido o tamanho do terreno e realizados sobrevoos de drone, para que pudéssemos ter uma noção mais próxima da realidade. No dia 6 de junho, reenviamos o projeto com os ajustes sugeridos pela Defesa Civil Nacional. Em 25 de junho, atualizamos o projeto, pois foi possível acessar melhor o local, e o valor foi atualizado para R$ 11 milhões – detalha o secretário de Infraestrutura e Mobilidade de Santa Maria, Wagner da Rosa.
Ainda, segundo o secretário, em julho do ano passado, a Defesa Civil entrou em contato com o município para dizer que, depois de análises feitas via satélite em Brasília, concluíram que o projeto poderia ser custeado no valor de R$ 6,9 milhões.
– Depois dessa informação, uma equipe da Defesa Civil Nacional esteve em Santa Maria e visitou o Perau. Eles detectaram que os valores paramétricos deles estavam desatualizados, mas, mesmo assim, em conversa com os técnicos, concordamos em aceitar o valor de R$ 6,9 milhões e, com isso, nós faríamos mais estudos, para comprovar o porquê necessitaríamos de um valor maior – acrescenta Rosa.
Entraves
Ex-secretário extraordinário da presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, o santa-mariense Paulo Pimenta (PT), hoje deputado federal, explica o que pode estar causando entrave na liberação do recurso para a obra.
– Em Santa Maria, ao todo, são 28 obras de reconstrução, entre ponte e estradas, para as quais o governo federal está disponibilizando recursos. No dia 1º de agosto de 2024, o município estava autorizado a licitar e contratar uma empresa para fazer a obra, mas a prefeitura só se manifestou em fevereiro deste ano, com um novo projeto no valor de mais de R$ 15 milhões. A resposta do governo federal era de que, para que esse recurso fosse disponibilizado, seriam necessários documentos técnicos que justificassem o projeto, e a prefeitura ainda não apresentou – ressalta o deputado.
Em 30 abril, o Ministério Público se reuniu com as prefeituras de Santa Maria e Itaara para buscar meios de resolver o problema. Foi a primeira vez que os dois municípios se encontraram oficialmente para tratar da situação. Outra reunião foi marcada para 15 de maio para reavaliar o andamento dos trâmites e do laudo geológico, mas não aconteceu. No dia 30, vereadores de Itaara se reuniriam com o prefeito Rodrigo Decimo (PSDB) para cobrar agilidade no processo.
Sobre todo o estudo técnico realizado na Estrada do Perau, o superintendente da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade, Ricardo Dutra, que também é engenheiro, explica as fases que estão sendo cumpridas e o tipo de intervenção que deverá ser feita.
– Foram feitas sondagens para detectar a que profundidade o solo se comporta com a mesma característica, e isso permite identificar o tipo de solo e qual a real profundidade que você precisa atuar para estabilizá-lo para conter possíveis deslizamentos. A intervenção a ser feita é uma cortina atirantada que vai impedir a formação de uma outra camada que possa deslizar futuramente. Então, esses estudos já são mais do que suficientes para a liberação de recursos pela União e que nos leva para a próxima etapa, que é a licitação e a execução da obra – explica o superintendente.
Patrimônio
Desde 2016, a Estrada do Perau, entre Santa Maria e Itaara, é considerada um patrimônio histórico e cultural, por meio de uma lei municipal publicada no mesmo ano, durante o governo de Valdeci Oliveira (PT). O trecho de pouco mais de cinco quilômetros entre as duas cidades foi construído no século 19, no período da Revolução Farroupilha, sob a denominação “Picada do Pinhal”. Anos mais tarde, ficou conhecida por “Estrada do Perau” – perau é um sinônimo para precipício. Por cerca de cem anos, o trecho era uma estrada de terra, e foi só em 1942 que o trajeto foi totalmente calçado com paralelepípedos.
– A estrada foi construída em um terreno de arenito e basalto, materiais bastante erosivos, que compõem os morros aqui da região e que são os “cobertores” das grandes rochas, e foi isso o que deslizou. Quando isso aconteceu, a rocha presa ao morro, e que possui diversas camadas, ficou inclinada no sentido da estrada, e com qualquer água que entrar nesse material, uma nova camada pode se descolar e escorregar – alerta Andrea Valli Nummer, geóloga e professora da Universidade Federal de Santa Maria.
O Diário fez contato com a Defesa Civil Nacional, para saber sobre a tramitação dos documentos para a liberação do recurso, mas até o fechamento desta edição, não obteve retorno.