Foto: Renan Marttos (Diário/Arquivo)
Segundo a especialista, as pessoas que enfrentam o processo de luto precisam se sentir acolhidas e a vontade para compartilhar a dor das suas perdas.
Apesar de ser uma etapa natural da vida, lidar com a morte de um parente ou amigo nunca é uma experiência fácil. Passar pela dor do luto é um processo natural e não há regras sobre como vivenciá-lo, porém, elaborar, entender e ressignificar todos esses sentimentos são passos fundamentais para aprender a conviver com a dor da ausência.
+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp
A doutora em psicologia e professora na Universidade Franciscana (UFN), Maria Luiza Leal Pacheco, explica que toda perda, independentemente da natureza, desencadeia o luto. Esse processo é individual, e cada um o sente e lida com ele de uma forma diferente. No caso de perdas, o importante, segundo a especialista, é não sufocar os sentimentos que acompanham essa fase.
— Segundo o 4 Estações Instituto de Psicologia, da Universidade de São Paulo (USP), o luto revela as forças dos nossos vínculos, a nossa capacidade de adaptação e enfrentamento das mais complexas perdas e adversidades. Então, ele não deve ser suprimido e sufocado, ele deve ser dito, falado. As pessoas têm muita dificuldade de falar sobre a morte de entes queridos, mas a ideia é que as pessoas possam falar, que as pessoas possam dizer, principalmente entrar em um lugar de falar mais sobre a vida do que sobre a morte.
Em alguns casos, a pessoa pode apresentar sentimentos como choque, apatia, sensação de descrença, desesperança, desalento, desamor, sentir-se perdido ou se sentir sozinho.
Estudos feitos pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross apontam que o processo de luto pode ser dividido em cinco fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. No entanto, ela reforça que o luto não possui regras nem um caminho pré-determinado:
— Cada pessoa tem um jeito de entender, de sentir. Então, pode ter um humor mais deprimido, pode ter uma apatia, dores no corpo... Mas não quer dizer que todas as pessoas vão passar sobre isso, é um processo muito singular. A forma como a pessoa passa pelo luto está muito ligada às relações estabelecidas na vida. Se as relações foram tranquilas de ser assimiladas em vida, a morte também vai ser mais fácil. A elaboração do luto vai ser mais fácil.
Para quem fica, é importante ressignificar a vida
Para a estudante de psicologia Luciana Mendonça Bento Pereira, 25 anos, o processo de luto começou antes mesmo da partida da mãe, a psicóloga Lúcia, aos 58 anos. Diagnosticada com câncer em 2020, descobriu no fim de 2023 que a doença não teria cura. Neste ano, o tratamento se tornou paliativo. Lúcia morreu no dia 24 de agosto, em São Gabriel.
— O luto da minha mãe começou antes, porque antes do falecimento, eu já tinha perdido muitas versões dela. Acredito que pessoas que têm parentes com câncer consigam compreender isso que estou falando. Primeiro, eu perdi mãe que caminhava, depois a mãe que cozinhava, a mãe que dirigia, comia... O luto foi elaborado pra mim para cada versão dela que eu perdi, desde quando ela teve o diagnóstico, que foi o luto da saúde dela, e depois quando ela foi tendo as comorbidades causadas pelo câncer. O meu luto ainda está acontecendo, eu costumo dizer que ele não tem prazo, ele não tem tempo, ele é diferente de pessoa para pessoa. E o luto nos acompanha de certa forma durante a nossa vida, a diferença é que a gente olha para ele de uma maneira diferente com o passar do tempo — diz.
Relembrar as boas memórias e pensar no legado deixado pela mãe são algumas das formas de lidar com a dor da saudade, segundo Luciana.
— Eu comecei a lidar com essa saudade de uma forma muito lúdica. Comecei a sentir ela no meu dia a dia, pensar nela em momentos que eu consigo concretizar algo… Olho pro céu todas as noites, escolho uma estrelinha e imagino que é ela, porque estamos longe, mas, ao mesmo tempo, perto. Olhar fotos felizes me ajuda bastante também. Penso que vivemos a maior qualidade de momentos felizes, e que realmente tudo foi entregue. O processo de ressignificação e adaptação é difícil, porque tu vive uma vida sem uma parte muito importante da tua vida. Realmente, há uma parte que falta, e aí a gente escolhe com o que preencher, como que a gente vai ressignificar a nossa vida. No meu caso, eu comecei a olhar para tudo com um valor diferente, comecei a valorizar mais a minha vida, minha saúde. Começar a ver a finitude da vida não como algo aflitivo, mas como algo que nos desperte para o que a vida é, para o valor que as pessoas têm — reforça Luciana.
Para a especialista, conversar sobre a morte é essencial não apenas para normalizar o fato, mas também para garantir melhores formas de lidar com a finitude. Ou seja, reconhecer e debater sobre a questão de que a vida se encerrará em algum momento pode ajudar nos momentos de perda. Ter uma rede de apoio também ajuda.
— Não existe uma receita, mas as pessoas precisam se sentir acolhidas, sentir que elas podem compartilhar a dor das suas perdas, que elas podem ter pessoas de referência segura que conseguem então entender os medos, compartilhar as ideias… […] Não temos controle sobre a morte, mas temos controle de ter laços em vida nutridas por amor. Isso nos ajuda a ressignificar — finaliza.
Quando buscar ajuda
Apesar de não ter um padrão, a dor do luto, segundo Maria Luiza, tende a minimizar após um ano da perda. Em casos onde esse processo persiste de uma forma intensa por mais tempo, é imprescindível o acompanhamento médico e psicológico.