Foto: Nathália Schneider (Diário)
Ainda que considerada um direito básico de todo cidadão, a disponibilidade de comida no prato em todas as refeições do dia não é uma realidade para todos em Santa Maria. Atualmente, 29.835 pessoas são atendidas pelos programas de segurança alimentar no município e estima-se que sofram com algum grau – leve, moderado ou grave – de insegurança alimentar. O dado representa cerca de 11% da população da cidade.
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Conforme a Secretaria de Desenvolvimento Social, não há um levantamento exato sobre quantas pessoas se encontram em cada um dos níveis. Segurança alimentar é o conceito utilizado para definir o acesso regular e permanente de famílias a alimentos de qualidade adequada e quantidade suficiente, de modo que não comprometa o acesso a outras necessidades essenciais.
Uma pesquisa de 2022 da Rede Penssan mostra que, no Rio Grande do Sul, 47,9% da população têm alguma dificuldade para se alimentar. O número representa 5,4 milhões de gaúchos, quase metade dos habitantes do Estado. Os dados são obtidos por meio de pesquisa anual por amostra de domicílio.
Em Santa Maria, o Conselho Municipal de Segurança Alimentar (Consea-SM), composto por representantes da sociedade civil e governamental, é responsável pela articulação de políticas que promovam o acesso à alimentação. O presidente do órgão, Juarez Felisberto, explica que os esforços se dão em diferentes dimensões, como ações emergenciais de combate à fome e criação de políticas públicas capazes de promover a segurança alimentar a longo prazo.
Entre as principais ações do município estão a oferta de refeições diárias pelo Restaurante Popular Dom Ivo Lorscheiter e pelas cozinhas comunitárias que, juntos, servem 27 mil pessoas por mês. Além disso, o município conta com o Comitê de Emergência Ruas, composto por 14 grupos que atendem especificamente a população em situação de rua.
– Hoje, o objetivo do Consea é que o município tenha uma política municipal de soberania e segurança alimentar e nutricional, que integre todas as políticas existentes e desenvolva novas ações voltadas a este tema – afirma Juarez.
Combate à fome
O Restaurante Popular Dom Ivo Lorscheiter, coordenado pela prefeitura, oferece refeições de segunda a sexta-feira no valor de R$ 4. O espaço público é de acesso de toda a população e tem capacidade para atender 575 pessoas por dia. Atualmente, o valor investido pelo município é de cerca de R$ 1,2 milhão por ano para subsídio das refeições e manutenção do local. Santa Maria também possui nove cozinhas comunitárias instaladas em diferentes regiões da cidade, onde há o preparo e a distribuição dos alimentos.
– Esses espaços estão mapeados em pontos estratégicos, e nos locais onde não têm as cozinhas comunitárias, nós fizemos parcerias com projetos sociais de dentro das comunidades para conseguir atender a todos. Nas cozinhas, também são desenvolvidos cursos profissionalizantes com o objetivo de promover a inclusão social – afirma o secretário de Desenvolvimento Social, João Chaves.
No Bairro Itararé, região nordeste da cidade, a Cozinha Comunitária Capela São Pedro oferece alimentação a cerca de 120 pessoas toda quinta-feira, ao meio-dia. É assim que a dona de casa Elizabete Alves Medeiros, 56 anos, garante refeições adequadas ao longo da semana.
– Pode estar chovendo, com sol ou frio, estou sempre aqui. A comida é muito gostosa e completa. Também tem a distribuição de cestas básicas com alimentos para a gente preparar nos outros dias – comenta.
De acordo com a prefeitura, a alimentação é planejada e balanceada por nutricionistas do município, e o preparo das refeições conta com o trabalho de voluntários da comunidade. Os alimentos são adquiridos por meio de chamada pública de fornecedores pertencentes à agricultura familiar.
O problema
O professor do curso de Geografia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisador do tema da alimentação, Cleder Fontana, explica que a questão da fome no Brasil é complexa e, por isso, exige estratégias de diferentes dimensões para que seja possível garantir o direito à alimentação para todos:
– A fome é um problema político, estrutural e histórico. Há cerca de 60 anos, a produção de alimentos no mundo é maior que a demanda para consumo humano. Então, se a fome existe é porque tem uma questão de acesso e disputa pelos alimentos.
Conforme dados do Ministério da Agricultura e Pecuária, o Brasil se consolida cada vez mais como o maior exportador agrícola do mundo, liderando em produtos como soja, carne bovina e milho. No entanto, de acordo com o pesquisador, a produção é realizada em larga escala e focada nas demandas do mercado internacional.
Com isso, há uma valorização desses produtos fora do país e um aumento dos preços internamente, o que faz com que pessoas em situação de vulnerabilidade social no Brasil passem a enfrentar dificuldade para acessar esses alimentos.
– Há um afastamento cada vez maior da produção em pequena escala, que é conectada com as diversidades ecológicas e ambientais locais para alimentar as pessoas. Uma das coisas que talvez seja a mais significativa para se ter uma mudança histórica, é a questão do acesso à terra. Se não mudarmos a estrutura fundiária e dar terra para quem quer plantar, não vamos ter produção de alimento para consumo humano – explica Fontana.
Em Santa Maria, além da oferta de refeições em caráter emergencial, por meio de programas municipais e iniciativas que contam com apoio da própria comunidade, outras ações como o fomento à agricultura urbana e a alimentação escolar são aliadas na promoção da segurança alimentar.
Entenda
De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan),
os graus de insegurança alimentar podem ser definidos como:
- Leve – Quando há preocupação ou incerteza sobre o acesso a alimentos no futuro
- Moderada – Quando há uma redução concreta da quantidade de alimentos e o padrão saudável de alimentação é rompido por falta de comida
- Grave – Quando a família sente fome e não come por falta de dinheiro
A importância da alimentação escolar
A refeição oferecida na escola é uma alternativa de amparo aos cerca de 20 mil estudantes da rede municipal de ensino. Os recursos são oriundos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), do governo federal, que tem por objetivo contribuir para o processo de aprendizagem, rendimento escolar e a formação de práticas alimentares saudáveis dos alunos.
O valor repassado pela União a Estados e municípios por dia letivo para cada aluno é definido de acordo com a etapa e modalidade de ensino.
Em 2023, o município recebeu R$ 2,9 milhões desse programa e suplementou com mais R$ 1 milhão de verbas próprias. A Secretaria Municipal da Educação repassa 60% do valor recebido às direções de escola, em 10 parcelas. Isso ocorre porque as gestões escolares são responsáveis por parte da aquisição dos gêneros alimentícios. Os outros 40% do valor recebido do Pnae são utilizados para a compra de alimentos com origem da Agricultura Familiar.
A elaboração do cardápio também é de responsabilidade do município. Segundo a nutricionista da Coordenadoria de Alimentação Escolar, da Smed, Andréa Aiolfi, este planejamento leva em conta os hábitos alimentares de cada região na qual as escolas estão inseridas.
– O cardápio para as instituições de ensino é regionalizado. Por exemplo, nas escolas do Bairro Camobi, há uma preferência maior por lanche. Já na Região Norte, em que há maior vulnerabilidade social, há uma maior aceitação de refeições como arroz, feijão, carne, salada e uma fruta de sobremesa. Então, tem esse olhar diferenciado para algumas regiões e, com o valor de complemento do município, é possível cumprir com um cardápio que atenda às necessidades nutricionais – explica Andréa Aiolfi.
Repasses
Confira os valores repassadospor dia, por aluno:
- Creches – R$ 1,37
- Pré-escola – R$ 0,72
- Escolas indígenas e quilombolas – R$ 0,86
- Ensino fundamental – R$ 0,50
- Educação de jovens e adultos – R$ 0,41
- Ensino integral – R$ 1,37
- Alunos que frequentam o Atendimento Educacional Especializado – R$ 0,68
Hortas comunitárias ajudam a colocar comida nas mesas
Uma das linhas de atuação do Consea-SM é o fomento à agricultura urbana por meio da manutenção de hortas comunitárias na cidade. Atualmente, três hortas agroecológicas são cultivadas em diferentes regiões da cidade com o apoio da UFSM.
Juarez Felisberto ressalta que as iniciativas são mantidas pelos próprios moradores das comunidades e envolvem cerca de 50 famílias. Para ele, além de promover mudanças nos hábitos alimentares e ser uma alternativa de renda para as famílias, as hortas também são espaços de preservação ambiental:
– O trabalho é feito com base na sustentabilidade. Mais do que produzir alimentos, as hortas comunitárias têm o objetivo, por exemplo, de fazer o processo de compostagem dos resíduos orgânicos das famílias daquela comunidade que se torna um composto a ser utilizado na horta.
Iniciativas como essas também são mantidas em outros ambientes importantes para a formação cidadã no município, como as escolas, com a horta do Colégio Estadual Professora Edna May Cardoso e a horta da Escola Estadual de Educação Básica indígena guarani Yvyra Ijá Tenondé Vera Miri. Existe ainda uma horta cultivada pelos detentos da Penitenciária Estadual de Santa Maria.
Para além destas iniciativas, o secretário de Desenvolvimento Social, João Chaves, também considera como uma das medidas essenciais para a diminuição dos índices de pessoas em situação de insegurança alimentar no município, a criação de políticas que promovam a qualificação profissional e a inserção no mercado de trabalho.
– Nós temos que trabalhar a parte estrutural e pensar de que forma pessoas que estão nessas condições vão conseguir sair. Por isso temos trabalhado com programas como o Emprega Santa Maria, que é justamente fazer a qualificação e movimentar o setor produtivo para que haja oportunidade para que essas pessoas saiam dessa condição. O melhor programa social é o emprego. Se não dermos oportunidade para essas pessoas de ingressarem no mercado formal, com todos os direitos, nós vamos continuar falando de fome – ressalta Chaves.
Segundo dados da pasta, o município tem 36 mil famílias em situação de pobreza e extrema pobreza inscritas no Cadastro Único, sistema criado pelo governo federal para reunir dados da população de baixa renda do país que têm direito a programas sociais. Destas, 15 mil recebem o Bolsa Família.
Onde funcionam:
- Horta Agroecológica Comunitária Neide Vaz – Localizada no Bairro Diácono João Luiz Pozzobon, na Associação de Moradores do Residencial Dom Ivo Lorscheiter
- Horta Agroecológica Comunitária Renova Vidas – É a segunda horta localizada no Bairro Diácono João Luiz Pozzobon
- Horta Comunitária do Bairro Cipriano da Rocha – Junto à ONG Mãos Unidas pela Cipriano
Campanha Santa Maria Sem Fome
Conforme a coordenadora de Marketing e Eventos do Grupo Diário, Magliele Alves, o objetivo é utilizar a visibilidade dos diferentes veículos de comunicação para atuar no combate à fome.
– Acreditamos que cada tonelada de alimentos ajuda muitas pessoas. Para o ano que vem, já está no nosso calendário mais uma edição da campanha.
– Estamos extremamente felizes e agradecidos com o resultado da campanha. Conseguimos conscientizar a comunidade para fazer o bem. Com certeza, muitas famílias saciaram a fome com essa iniciativa – afirma Dani.
Como doar
Além das campanhas de arrecadação, o Banco de Alimentos também aceita doações via Pix
A chave Pix Banco de Alimentos é o CNPJ - 30.466.339/0001/49
Mesa Brasil
Rede de solidariedade que integra doadores, instituições sociais e voluntários
Rua Agostinho Scolari, 215, Bairro Urlândia
Contato pelo telefone (55) 99124-2403