
Parte da turma de alunas que devem iniciar o ano letivo em março.
Conservar a cultura, o idioma, os saberes e os costumes. É o desejo de muitos que, para isso, buscam a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Indígenas de diferentes partes do Estado chegarão ao campus sede da instituição para cursar a primeira graduação do Rio Grande do Sul voltada para a educação de indígenas Guarani Mbya. Com ela, mais profissionais estarão prontos para lecionar em escolas indígenas e nas suas próprias aldeias. As inscrições seguem até 10 de fevereiro.
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O lançamento do curso ocorreu nesta segunda-feira (3), no auditório 40A, na UFSM.
Como participar
A prioridade das vagas é para membros da comunidade Guarani Mbya, tanto para aqueles que já atuam como professores em escolas indígenas quanto para os que demonstram interesse. Até esta segunda (3), sete vagas ainda estavam disponíveis – de um total de 30 ofertadas. O prazo para inscrição segue até dia 10 de fevereiro, no site da prograd UFSM.
Até então, além de Santa Maria, alunos de outras aldeias se inscreveram, como Guabiju (Cachoeira do Sul), Koenju (São Miguel das Missões), Pyau (Santo Ângelo), Ka’aty (Erebango), Gengibre (Erval Seco), Salto Grande do Jacuí (Salto do Jacuí), Jataí'ty e Pindó Mirim (Viamão).
Características da graduação
Nos quatro anos, tempo regular da graduação, os estudantes receberão uma educação intercultural, detalha um dos professores do curso, o linguista José Benites, 47 anos. Em seu doutorado, trabalha na construção de um dicionário Guarani Mbya, da área medicinal. É esse tipo de resgate histórico que os alunos terão contato e, de certa forma, desenvolverão.

– A educação escolar Guarani vem para complementar sobre a educação convencional. Para o Guarani, a educação diferenciada é mais voltada para a cultura. É a língua, o costume, a tradição, sempre voltado para o fortalecimento da nossa cultura. Então, o curso vai estar fomentando isso. E pensando na realidade das escolas (onde os futuros professores vão atuar), cada lugar tem uma dinâmica diferente. Na minha escola, por exemplo, do primeiro até o terceiro ano, se ensina somente a língua Guarani. Os professores falam e ensinam a escrita em Guarani. E a partir do quarto ano que começa o bilíngue, com o Guarani e o português – detalha Benites.
Cada um dos estudantes poderá escolher em qual linha irá se aperfeiçoar. Os dois primeiros anos são de conhecimentos comuns e, a partir do terceiro, os alunos optam por uma das quatro áreas – linguagens, ciências da natureza, ciências humanas ou na área da pedagogia da alfabetização. A dinâmica também é diferente durante os semestres. As primeiras quatro semanas são na UFSM. Depois, nos quatro meses seguintes, os alunos retornam as suas aldeias. Por lá, desenvolverão algumas pesquisas sobre as culturas específicas de cada aldeia. Em seguida, serão levadas à universidade.
Diferencial
- 1º mês na UFSM, depois nas aldeias
- Professores visitam as aldeias
- O ensino prioriza o conhecimento indígena
- Há quem já atuava como professor e, outros, que estudarão para aprender a prática
Quem participa
Sete horas de viagem é o que separa a estudante Maikely Moreira, 25 anos, de sua aldeia Tekoa Arandu Vera, na Terra Indígena Mato Preto, Norte do Estado. Ela é uma nas novas alunas que não eram professoras em sua aldeia, mas que depois do curso, passarão a ser.

– O meu objetivo é buscar mais o conhecimento da minha cultura para passar as crianças e outras pessoas que não conhecem. Me interesso mais na minha língua, que não podemos esquecer – direciona Maikely.
Já Germânia Acosta Pereira, de 30 anos, atua como professora em sua aldeia, Guaviraty Porã, de Santa Maria. A partir do curso, ela se aperfeiçoará para lecionar em outras escolas indígenas.

– Tem que ter mais professores formados nas aldeias, por isso, decidimos aproveitar a oportunidade. Os nossos artesanatos, nossa língua, os costumes. Quem mais sabe são os mais velhos. Vamos aprendendo de onde surgiu essas coisas desde o início, para repassar as gerações mais novas. Vamos fazer pesquisa sobre coisas de criança, de casa, da terra, sobre plantações, sementes e remédio – detalha Germânia.
Falta de professores em escolas indígenas
Essa graduação é uma resposta a uma demanda antiga da comunidade. A falta de profissionais que tenham o conhecimento e façam parte da cultura Guarani é urgente, explica a diretora da escola indígena da aldeia Tekoa Guaviraty Porã, de Santa Maria, Sirlete Bitencurt, 51 anos.

– A maior parte dos nossos professores (do Estado) não tem formação, e quem tem que trabalhar é um não indígena. Para que seja um ensino de qualidade realmente,precisamos de professores indígenas que tenham esse conhecimento e que possam passá-lo dentro da sua própria língua. E essa vai ser a grande riqueza do curso. Na aldeia, o português é a segunda língua.
Sirlete ainda indica que em Santa Maria, o português é a terceira língua. Depois do Guarani, o que mais se houve é o Espanhol. Ao todo, são mais de 100 escolas estaduais que precisariam de professores indígenas Guarani Mbya, relata a professora.
Para conhecer mais
- Imersão em 15 aldeias do Estado pelo trabalho fotográfico de Danilo Christidis – Livro "Os Guarani Mbyá", e uma exposição fotográfica no Museu da UFRGS de mesmo título. Fruto de 7 anos de trabalho de Christidis e do cacique Mbya, Vherá Poty. É viável acessar o trabalho online no site da UFRGS.
- Para conhecer mais sobre sítios arqueológicos, aldeias e terras indígenas – Plataforma “Mapa Guarani Digital”, apoiada pelo Programa de Valorização do Mundo Cultural Guarani, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
- Parfor Equidade fortalece a educação escolar indígena, quilombola e do campo, educação especial inclusiva ou educação bilíngue de surdos. Ele é parte do Programa de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) de nível federal
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