
Caçapava do Sul se prepara para a visita, entre agosto e dezembro, da equipe da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que fará a análise final dos projetos do Geoparque da Região Central, incluindo a Quarta Colônia. A cidade já respira o Geoparque desde 2019, quando o projeto começou a ser estruturado. O município, mesmo sem o Selo Verde que confirma a região como parte da Rede Mundial de Geoparques, investe em turismo, artesanato e na valorização da história, cultura e memória, os principais carros-chefes do projeto caçapavano. As riquezas geológicas, já que a cidade é conhecida como a Capital Gaúcha da Geodiversidade, é a principal aposta (confira no mapa abaixo).
– O patrimônio natural de Caçapava possui rochas com cerca de 600 milhões de anos, que contam a história do planeta Terra e da evolução dos ambientes ao longo do tempo. As rochas da bacia do Camaquã têm um interesse mundial não só à ciência e à educação, mas também pelas paisagens, que só têm aqui no Rio Grande do Sul. Temos resquícios fósseis da Megafauna do Pleistoceno, com preguiças e tatus gigantes – salienta o professor da Universidade do Pampa (Unipampa) e geólogo, Felipe Guadagnin.
Caçapava possui mais de 30 geosítios catalogados. A cidade, especialmente a região das Guaritas, apresenta sucessões de rochas sedimentares marinhas e continentais. Há, ainda, espécies vegetais raras e endêmicas do bioma pampa, além de comunidades humanas tradicionais, como indígenas, quilombolas e pecuaristas familiares. A região também apresenta a maior biodiversidade de cactos da América Latina. Dos 62 tipos catalogados, 29 são encontrados em Caçapava.
Os atrativos da cidade

Memória da Terra
Os Geoparques são territórios reconhecidos pela Unesco em que a “memória da Terra” é preservada e utilizada de forma sustentável para gerar desenvolvimento à comunidade. O desenvolvimento pode se dar de diversas formas desde que conserve e valorize o patrimônio geológico-geomorfológico, como rochas, minerais, água, solos, relevos, paisagens e fósseis, em associação à cultura da região. Atualmente, são 177 Geoparques Mundiais da Unesco em 46 países. No Brasil, são três geoparques com certificação. O título facilita o acesso a recursos internacionais para investimento no território.
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Desenvolvimento econômico é impulsionado pela iniciativa
Nos últimos anos, o desenvolvimento regional se tornou pulsante e visível aos olhos de quem visita Caçapava do Sul. A possibilidade do reconhecimento do Geoparque por parte da Unesco fez com que diversos empreendedores investissem em negócios ligados à identidade da região. Atualmente, são 79 empresários rurais e artesãos que já possuem os três tipos de selo do Geoparque e movimentam a economia do município. O projeto criou três tipos de selos: o apoiador, quando qualquer pessoa que se identifica com o projeto pode contribuir; a iniciativa parceira, que inclui os empreendimentos que estão no território, como hotelaria, gastronomia e artesanato; e o geoproduto, que são os produtos artesanais que carregam a identidade do território.
– O Geoparque já existe, está consolidado, mesmo que ainda aspirante. O que buscamos com o selo da Unesco é o sentimento de pertencimento da população. Queremos que, além das pessoas que vêm de fora, quem é daqui também ame nossa identidade – afirma a coordenadora do Geoparque Caçapava, Alizandra Danzmann.

Unipampa também participa da iniciativa
Desde que foi criado, em 2010, o curso de Geologia da Universidade do Pampa (Unipampa) trabalha na identificação da diversidade geomorfológica do território de Caçapava do Sul. A Unipampa, assim como a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), participa desde o começo da construção do dossiê do Geoparque Aspirante Unesco, em 2018.
– Vários projetos têm sido desenvolvidos no município, tanto na área de extensão quanto na de pesquisa. Há uma construção conjunta de ideias que fortalecem a ciência aqui na cidade. A partir dos estudos realizados aqui no campus, nós conseguimos mostrar para a população o quanto Caçapava do Sul é rica, e não só cultural e historicamente – explica o diretor da Unipampa Caçapava, José Jiménez Rojas.
Patrimônio
Entre as atividades que o campus desenvolve junto à comunidade está a realização do Geodia, que ocorre desde 2015 com o objetivo de levar à comunidade o conhecimento sobre o patrimônio natural do território de Caçapava, e o Jardim da Geodiversidade, localizado no pátio da universidade, que mostra um pouco de tudo que a região oferece do ponto de vista geológico. No local, existe uma réplica da preguiça-gigante, um fóssil encontrado por pesquisadores da UFSM a partir de escavação em um curso de água apelidado de “Arroio do Lestodon”, no interior do município, em 2012.
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Investimentos
A prefeitura tem aplicado recursos para o desenvolvimento do Geoparque. A elaboração de projetos tem priorizado a infraestrutura, problema que precisa ser enfrentado, de acordo com o secretário de Cultura e Turismo de Caçapava do Sul, Stener Camargo de Oliveira. Só no ano passado foi feita a captação de R$ 1,2 milhão em recursos estaduais. Pela Consulta Popular serão destinados R$ 600 mil para o Parque Municipal da Cascata do Salso e R$ 601 mil do Avançar Turismo para melhorias no Forte Dom Pedro II.
– Estamos trabalhando no restauro da Casa dos Ministérios e na construção de um Centro de Atenção ao Turista. Já estamos atuando no restauro do Cine Rodeio, nas Minas do Camaquã. Ano passado também incluímos um orçamento próprio, previsto nas Diretrizes Orçamentárias, e incluímos duas dotações, uma para a Coordenadoria Municipal do Geoparque e outra para a difusão do projeto – destaca o secretário.

Da ovelha criada em campo à lã tingida com produtos naturais
Um dos empreendimentos criados é a Novelaria Santa Marta, localizada no geosítio Guaritas, que nasceu com um propósito sustentável e de resgate da tradição da fiação. Na propriedade rural, as ovelhas são criadas em campo nativo. A lã é extraída, lavada, cardada, fiada e tingida. Todo o ciclo de produção é 100% manual, natural e sustentável. As tintas são extraídas da natureza, de plantas como espinho de São João, eucalipto, oliva, aroeira preta, vassoura vermelha e até da cebola, o que rendeu a certificação Extrativismo Sustentável da Flora Nativa para Tingimento do Brasil, a única concedida no país.
– É um produto único de um local único. Nós usamos até água da fonte. O resíduo, nós estamos transformando em tinta. Não tem nada de produto químico. Assim vamos criando as cores com a nossa identidade, do geosítio Guaritas – conta a produtora rural e artesã Marta Teixeira Silveira, 50 anos.

Conheça a novelaria
Instagram – @novelaria_stamarta
Facebook – novelariasantamarta
WhatsApp – (55) 99933-9074
Hostel proporciona experiências gastronômicas e turísticas
A família Luiz, que possui uma propriedade rural também na região das Guaritas há um ano, decidiu investir na recepção de pessoas. O Hostel Rural Guaritas é uma empresa familiar de hospedagem, gastronomia, natureza e turismo. No local, há a possibilidade de fazer trilha, com direito a vista completa do geosítio, cavalgada e até acompanhar o parto das ovelhas. A família também produz bebidas e alimentos artesanais, como cerveja, cachaça, geleias, mel, doces e pizzas, com destaque especial para a de carne de ovelha com pesto.
– Trabalhamos com turismo de experiência e de contemplação. Aqui, as pessoas encontram o acolhimento de família mesmo, produtos orgânicos deliciosos, churrasco e uma vista linda. Com todo esse movimento do geoparque, nós buscamos dividir isso com as pessoas. Partimos para essa etapa nova e só foi crescendo. Começamos a ver nossa fazenda com outros olhos. Tudo que produzimos aqui com amor pode ser compartilhado – celebra a empresária rural Karen Koch Luiz, 50 anos.

Quer se hospedar?
Instagram – @guaritashostel_cacapava
Facebook – guaritas.hostel.35
Telefone – (55) 99934-9490
E-mail – [email protected]
Casa de Cultura Juarez Teixeira: Potencial cultural urbano
O projeto do Geoparque traz alternativa de trabalho e renda à população do Interior, e movimenta a área urbana. Há menos de um ano, foi criada a Casa de Cultura Juarez Teixeira, no centro da cidade, com um acervo rico de itens antigos que contam a história de Caçapava. Tudo começou com a coleção de objetos do médico aposentado que dá nome à casa. Atualmente, são mais de 130 pessoas da comunidade que doaram peças. O objeto mais antigo é um livro de orações de 1776.
– Sempre gostei de coisas antigas. Fui adquirindo e levando tudo para a minha propriedade rural. Até que a idade me “correu” do campo. Então, eu trouxe o acervo para a cidade e não tinha onde colocar. Minha filha Gisele sugeriu que eu criasse a Casa de Cultura e começamos a organizar durante a pandemia – relembra o médico.
A ideia, agora, é tornar o local em um espaço de fomento da cultura para além das peças antigas.

Como visitar
Instagram – @ccjteixeira
Facebook – ccjuarezteixeira
Endereço – Rua General Osório, 730. De quinta a domingo, das 10h às 12h e das 14h às 17h
Telefone – (55) 99696-1582
Quarta Colônia
O Geoparque Quarta Colônia também será visitado pela comitiva da Unesco até o fim do ano. Ele é formado por nove municípios da Região Central: Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Seca, São João do Polêsine e Silveira Martins. A beleza natural das paisagens, a abundância de água dos rios e cascatas, a raridade dos fósseis encontrados que testemunham as mudanças ambientais do planeta nos últimos 250 milhões de anos e a diversidade cultural que resulta dos povos nativos e estrangeiros, formam um conjunto de características singulares deste território.
Confira a entrevista na CDN com Michele Vestana, vice diretora do Geoparque Quarta Colônia Aspirante Unesco:
Raízes de pedra
Um projeto do Instituto Federal Farroupilha (IFFar) também trabalha para criar um geoparque envolvendo São Pedro do Sul, Mata, Nova Esperança do Sul, Jaguari, São Francisco de Assis e São Vicente do Sul. O dossiê do Geoparque Raízes de Pedra será entregue à Unesco em 2024.
Jaiana Garcia