O samba-enredo que não ecoa mais na Liberdade: em Santa Maria, já são 10 anos sem Carnaval de rua

Rainha da categoria adulta do Carnaval em 2025, Jordhany sonha em voltar para a avenidaFoto: Beto Albert

O samba-enredo, o brilho das fantasias e as histórias carregadas pelos carros alegóricos parecem fazer parte da Avenida Liberdade para aqueles que viveram o Carnaval de Santa Maria em todo o seu esplendor. As memórias trazem de volta os anos de ouro para as escolas de samba e, também, a saudade da folia. Afinal, a cidade completa uma década sem o desfile de rua. Das oito escolas que participaram no último Carnaval de rua, em 2015 (veja lista abaixo), cinco mantêm as atividades, ainda que em número menor de foliões. Outras duas estão em processo de readequação e uma fechou as portas.


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Para quem se criou no samba como Elisangela Ribeiro, atual presidente da Associação Aliança Pelo Samba, lidar com a ausência dos desfiles ainda é difícil. Ela conta que faz falta ver as arquibancadas cheias, o esplendor das fantasias e a confecção dos materiais. Cada lantejoula importava. Era preciso entregar o melhor na avenida, aos olhos das milhares de pessoas da cidade e fora dela:

Dos anos 90 até 2015, éramos um polo que trazia foliões de todas as partes para desfilar com nós. Tínhamos, na época, 10 escolas desfilando, cada uma com cerca de 1,5 mil componentes. E isso está se perdendo. Não temos mais esse número expressivo. Precisamos, mais uma vez, cativar esse povo – afirma Elisangela. 


As memórias das últimas edições 

A última edição foi em 2015. Campeã daquele ano, a escola Unidos do Itaimbé ainda mantém vivas as lembranças – na memória e na quadra, onde ainda estão as estruturas dos carros alegóricos e os elementos levados para o desfile. O samba-enredo, "Parintins: a ilha encantada", composto por Ramires Monteiro, foi o responsável pelas notas máximas no quesitos “Mestre Sala e Porta Bandeira”, “Bateria" e “Samba Enredo”. Na avenida, naquele ano, desfilaram mais de 400 componentes e 12 alas pela escola.

O Carnaval de rua acontecia, geralmente, com duas noites de desfiles das escolas de samba e uma terceira em que as vencedoras cruzavam a Avenida Liberdade. Em 2015, oito escolas passaram pela avenida: Arco-íris, Trevo de Ouro, Unidos do Itaimbé, Vila Brasil, Império da Zona Norte, Mocidade Independente das Dores, Unidos de Camobi e Barão do Itararé.

Unidos do Itaimbé durante o desfile em 2015Foto: Gabriel Haesbaert (Arquivo Diário)

O presidente da Unidos do Itaimbé, Edson Braga, conta que a ausência do desfile foi sentida por todos os componentes. Afinal, era um ano inteiro de preparação e quadra lotada:

– São ótimas lembranças. De segunda a segunda, a quadra estava cheia. Lembro das alas, das baianas, das crianças na avenida… Era um Carnaval muito forte aqui em que tinha um pessoal de Uruguaiana e Cruz Alta que vinha para cá. E hoje nós temos que sair daqui para ir lá.

O número de foliões e integrantes da bateria nunca mais foi o mesmo. Conforme o presidente, a Unidos do Itaimbé até ficou de portas fechadas por um tempo. No retorno, há três anos, passou a fazer atividades e folias de Carnaval por conta própria. Atualmente, além da bateria, há uma companhia de passistas e ações voltadas a crianças. Neste ano, a escola comemora 50 anos de existência.


Confira a situação das escolas que desfilaram em 2015:

  • Arco-Íris: segue com as atividades, mas sem quadra própria. 
  • Trevo de Ouro: fechada.
  • Unidos do Itaimbé: continua com as atividades e atua em projetos sociais. Possui sede própria que recebe os eventos realizados pela escola.
  • Vila Brasil: continua com as atividades. Tem projetos em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria e outras instituições. Possui quadra própria. 
  • Império da Zona Norte: em processo de reestruturação para voltar ao Carnaval. 
  • Mocidade Independente das Dores: continua com as atividades. 
  • Unidos de Camobi: segue com as atividades. 
  • Barão do Itararé: em processo de reestruturação da diretoria.


Para Elisangela, a economia e o comércio perdem também. Restaram poucas lojas de aviamento em Santa Maria – responsáveis por fornecer o brilho, os tecidos e os materiais para fantasias. O movimento de hotéis e restaurantes, acostumados a receber foliões de outras cidades nessa época, não é o mesmo. Muita coisa se perdeu, como afirma a presidente:

– Em épocas de carnaval, o evento movimentava a economia de Santa Maria, trazendo artesanato, serralheiro, costureiras, artesãos e hotelaria porque, quando a gente desfilava na (Avenida) Liberdade, era uma movimentação intensa de pessoas nas noites de Carnaval.

Na Unidos do Itaimbé ainda há os itens usadas no desfile de ruaFoto: Beto Albert


A folia segue nas escolas

A Vila Brasil, com 65 anos de história em Santa Maria, também segue com os agitos na quadra de samba. Nos ensaios, a bateria dita o ritmo de adultos e crianças com muita energia e samba no pé. No semblante e nos cantos, todos carregam o amor pela folia. O som, que anuncia a folia, parece não ter hora para acabar. É assim que a escola segue com as atividades após o fim dos desfiles de rua.

– Em 2015, no governo Schirmer, a prefeitura resolveu que não teria mais Carnaval. E acabou. As escolas também não tiveram forças para reverter e não fizeram um movimento para isso. Acharam que no outro ano teria e nunca mais teve. Quando vimos, passaram 10 anos. Algumas escolas fecharam as portas e muitas pessoas se afastaram do Carnaval – conta o presidente da Vila Brasil, Sérgio Silva.

Sérgio mostra uma das primeiras bandeiras da escola, a mais antiga de Santa MariaFoto: Thais Immig

O presidente conta que, com o fim do desfile carnavalesco, a Vila Brasil teve de se reestruturar. Após arrumarem a casa, trabalharam para trazer as pessoas de fora. Hoje, o grupo conta com aproximadamente 100 componentes. É desejo que o Carnaval de rua volte.

Para manter as portas abertas, Sérgio afirma que a escola “vai lutando contra a maré”. O grupo investiu na bateria para fazer shows em Santa Maria e outras cidades do Estado como Ivorá, São Sepé e Candelária. Também organiza eventos na quadra para arrecadar recursos e dar conta das despesas. O dinheiro que sobra é destinado à melhorias na sede, palco dos ensaios.

Quem vive a realidade da Vila Brasil é Jordhany Marques Escobar – eleita, em 2025, rainha da categoria adulta do Carnaval de Santa Maria. A relação com o samba é de uma vida inteira. Ela nasceu em março de 2002, após a mãe descer a avenida como coreógrafa da ala das passistas da Vila Brasil.

O sonho de Jordhany era descer a avenida como integrante da corte, o que não foi possível neste ano. O desejo, agora, é que as mais novas possam viver essa experiência:

O Carnaval faz muita falta para nós porque descer a avenida é um momento único. Nossas pequenininhas não tiveram a oportunidade ainda, então, eu quero que os desfiles voltem para que elas sintam a mesma alegria que eu senti.


“Queremos fazer o Carnaval em 2026”, afirma prefeitura 

Em primeiro lugar, a prefeitura esclarece que não organiza sozinha o Carnaval de rua. Essa iniciativa tem que partir, também, das escolas de samba. Conforme a Secretária de Cultura, Rose Carneiro, o desfile é resultado de um trabalho extenso, que envolve planejamento – orçamentação e execução.

O que nós fazemos, enquanto poder público, é apoiar a realização do Carnaval de rua. Quem realiza é a associação que congrega todas as escolas. Aí entram outros atores. Um é o poder público, com apoio de valor ou de estrutura. Outro é a iniciativa privada porque normalmente a associação busca uma produtora para buscar financiamento em leis de incentivo e organizar a venda de ingressos. Então, precisa ter essa organização. E não é o poder público que faz – afirma a secretária.

Secretaria de Cutura, Rose Carneiro

Em anos anteriores, foram feitas algumas tratativas para a volta da folia. Nenhuma teve sucesso. Conforme o prefeito Rodrigo Decimo, alguns fatores como a regularização das escolas e desmobilização da associação representativa impediram que a organização saísse do papel. O objetivo, agora, é retomar o diálogo:

– Nunca conseguimos evoluir em relação ao Carnaval de rua porque faltam algumas peças desse quebra-cabeça. A nossa ideia é estabelecer um diálogo com a associação para construir um calendário de atividades. Além da estrutura necessária para o desfile, a prefeitura dá um auxílio para essas escolas. Então, precisa ter essa regularização. E algumas não estão nessas condições. Precisamos chegar a esse patamar.

Decimo afirma que a atual gestão quer a volta do Carnaval de rua. Para isso, pretende começar a organização ainda em março. Isso porque, conforme o prefeito, esse trabalho deve levar meses:

– Queremos fazer o Carnaval em 2026. Eu acredito muito nessa possibilidade, até porque temos tempo de fazer todos os ajustes por parte das escolas de samba e do município, que precisará se organizar no orçamento do próximo ano. E mais do que isso, termos programações em 2025 de mobilização junto às escolas de samba.

A prefeitura também explica que mesmo com a ausência dos desfiles, outros eventos estão no calendário de Santa Maria. Um deles é mais uma edição do Viva o Carnaval que, este ano, está marcado para 16 de março, na Vila Belga. A folia começa a partir das 17h. Outras ações, como a escolha da corte carnavalesca, também continuam marcando o Carnaval na cidade.


A atual corte de Santa Maria 

Categoria Infantil

  • Rainha: Maria Fernanda Barcellos (Vila Brasil)
  • 1ª Princesa: Eliza Severino (Unidos do Itaimbé)
  • 2ª Princesa Lauren Bonacho Viana (Império Zona Norte)
  • 3​ª Princesa Antonella M. Rodrigues (Studio Fran Mello)


Categoria Juvenil

  • Rainha: Gabriele Pierezan (Vila Brasil)
  • Princesa: Nikoly Christo Machado (Unidos do Itaimbé)


Categoria Adulta

  • Rainha: Jordhany Marques Escobar (Vila Brasil)
  • 1ª Princesa: Isadora Barbosa Teixeira (Unidos do Itaimbé)
  • 2ª Princesa: Dariane Orengo Cardoso (Império da Zona Norte)


Categoria Mirim

  • Rainha: Júlia Pinto Chaves (Vila Brasil) 
  • 1ª Princesa: Isadora Neves Machado (ATC)
  • 2ª Princesa: Julia Rospa (Unidos do Itaimbé)


Categoria Sênior 

  • Rainha: Maria Cecília Souza (Unidos do Itaimbé)
  • Princesa: Elizabeth Fontoura Barboza (Vila Brasil)


Categoria Diversidade 

  • Rainha: Sandy Emanuelly Silveira (ONG Igualdade)


Rei Momo: 

Renato Ferreira


Futuro

Para um futuro próximo, por parte da Associação, o desejo é de mais união. Conforme Elisangela, o trabalho de retomada já acontece, com a procura por recursos e um novo local para o desfile. Para ela, mudanças na Avenida Liberdade impedem que a folia volte para lá:

– É difícil colocar o Carnaval de rua em Santa Maria de novo, mas não é impossível. Eu já estou trabalhando em dois projetos: a liga estadual e a Lei Paulo Gustavo. Tive uma conversa com o presidente da Câmara onde a gente estava tentando buscar um local onde poderia ocorrer o desfile em 2026. Mas, não penso somente no próximo ano. Eu acho que se a gente tiver um local, com os barracões das escolas, onde a gente possa trabalhar, conseguimos levantar o Carnaval de Santa Maria – não só com a verba da prefeitura, mas também com parcerias e outros projetos paralelos.

Elisangela é a atual presidente da Associação

Enquanto isso, as escolas seguem com o Carnaval dentro e fora das quadras de samba. É unanimidade, entre elas, que a folia não pode parar:

A falta do Carnaval dói. A palavra certa é doer. Todo mundo pergunta “e o Carnaval”? Não sei o que dizer. Espero que volte. As escolas estão mais unidas e se mobilizando após a pandemia – afirma Edson, presidente da Unidos do Itaimbé. 


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