Meu tempo é quando: ansiedade, esprit de l’escalier e apatheia na advocacia

Advocacia é métier individual. Não quero com isso dizer que, ao longo da caminhada, não possamos nos associar ou encontrar colegas brilhantes com os quais conversar sobre as agruras dos processos de nossos constituintes. O ponto é que, ao fim e ao cabo, o momento decisório é solitário. Por melhores que sejam os conselhos, perguntas como o que, como, se, e quando fazer exigem respostas que só encontraremos em nós mesmos. Daí decorra, talvez, o grande peso da responsabilidade inerente a nossa profissão.


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Se assim o é, parece inevitável que não experimentemos, ao longo da caminhada, algumas doses de ansiedade. Ter sobre os ombros os encargos decisórios, saber que o resultado de um processo pode depender daquilo que fazemos ou deixamos de fazer parece ser o suficiente para gerar uma boa dose de desassossego. Talvez seja difícil encontrar na advocacia alguém que ainda não tenha experimentado algumas noites de sono mal (ou não) dormidas por conta da aflição que acompanha aqueles que se importam com o resultado de suas escolhas, sobretudo quando impactam outras vidas.


Quando tudo vai bem, e os resultados das decisões são favoráveis, poucas são as sensações que podem trazer similar satisfação. A verdade, porém, é bastante diversa. E nem sempre verificamos, em nosso favor, respostas que correspondam às expectativas geradas diante do planejamento traçado.


Se isso acontece, é difícil não lançar um olhar em retrospectiva. O que poderia ter sido feito de diferente? Em língua francesa, existe até uma expressão que traduz esse sentimento: l’esprit de l’escalier. O espírito da escada é a sensação experimentada por quem só pensa na resposta ideal quando já se encontra descendo as escadas da tribuna. É tarde demais, a ideia precisava ser pensada antes, e não o foi. Por vezes, é só depois de um júri difícil, ou de uma sustentação oral, que sentimos ter pensado na forma ideal de defender uma ideia. Tarde demais.


Na advocacia, isso ocorre não apenas em retrospectiva, mas também em prospectiva. Em Estado de Júri, por exemplo, é difícil não imaginar alguns debates que nunca acontecerão. Como se precisássemos explorar todas as possibilidades existentes diante de cada caso concreto. Puro delírio. Entre a compreensão dessas aflições e a possibilidade de superação, entretanto, há um longo percurso. Como superá-las?


Evidentemente, não há uma resposta definitiva. No entanto, uma chave interessante parece vir do pensamento antigo: Apatheia (em grego: ἀ , (a)- “ausência” e (pathos) – “sofrimento” ou “paixão”) é um conceito estoico que define o estado de espírito alcançado quando uma pessoa está livre de perturbações emocionais.


Em Marco Aurélio, por exemplo, encontramos máximas como “A primeira regra é manter o espírito tranquilo. A segunda é enfrentar as coisas de frente e tomá-las pelo que realmente são”, ou “Nada de desgosto, nem de desânimo; se acabas de fracassar, recomeça”. E, ainda, “Pratica cada um dos teus atos como se fosse o último da tua vida”.


Em outras e poucas palavras, a chave parece ser encontrar a tranquilidade da alma naquilo que parece ser o único caminho possível: fazer o melhor que se pode, com o que se tem, a cada momento. Hic et nunc. Aqui e agora. A arte da advocacia, como a arte da vida, é uma arte do momento presente. Prospectivas e retrospectivas parecem inevitáveis, mas talvez não precise ser assim.

 
O foco, portanto, deve estar no cuidado de si mesmo, em conhecer-se a si mesmo, em tornar-se quem se é. Ou como sugeriu Pessoa, ser inteiro, nada exagerar ou excluir. Pôr quanto se é no mínimo que se faz. Deixar que a espontaneidade nos guie. Só podemos fazer o melhor que podemos fazer e, diante dos resultados, fazer o nosso melhor novamente.

 
Que o nosso tempo seja quando. E que possamos experimentar a paz de espírito de quem faz o melhor que pode com o que tem, em cada oportunidade. A vida só existe como é. A leveza e o peso são duas faces de uma mesma moeda. A advocacia é métier individual, é verdade. Mas isso não precisa ser motivo de aflição. Na individualidade reside boa parte da beleza e da arte.

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Guilherme Pitaluga

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