Na última semana, mais uma vez, o noticiário jurídico revelou muito mais do que decisões pontuais: expôs uma encruzilhada entre o Direito como instrumento de justiça e o risco de seu uso como engrenagem de um sistema punitivista, seletivo e, por vezes, cruel.
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Furto de peito de frango de R$ 24 é penalmente insignificante, decide STJ
No dia 11 de abril, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou o óbvio: o furto de alimentos no valor de R$ 24 – neste caso, peito de frango – é penalmente insignificante. Em tempos de hiperencarceramento e fome, são decisões como essa que reafirmam a função civilizatória do Direito Penal: proteger bens jurídicos relevantes, não punir a pobreza.
Ministro do STJ propõe remissão de pena a mulheres que amamentam
No dia 10 de abril, um gesto de humanidade se destacou: um ministro do STJ sugeriu que o período de amamentação possa gerar remissão de pena. A proposta, embora ainda em construção normativa, revela sensibilidade à dignidade da mulher presa e ao direito da criança à convivência materna – pilares muitas vezes ignorados pelo sistema penal.
Busca domiciliar sem mandado e sem consentimento é nula, reafirma STF
Em de 9 de abril, o STF reafirmou jurisprudência fundamental ao declarar nula a entrada em domicílio sem mandado e sem consentimento válido. A decisão fortalece a proteção da casa como espaço inviolável e combate a práticas abusivas que atingem, quase sempre, os mesmos corpos e territórios.
STJ decide reavaliar critérios de “fundada suspeita” em ações policiais
Também em 9 de abril, o STJ anunciou reavaliação dos parâmetros utilizados para justificar abordagens policiais com base em “fundadas suspeitas”. Trata-se de um avanço necessário diante do uso indiscriminado desse argumento como pretexto para práticas racistas, autoritárias e ilegais.
Congresso aumenta pena para crimes contra juízes e membros do MP
No dia 8 de abril, o Congresso Nacional aprovou o aumento das penas em casos de homicídio ou lesão contra magistrados e membros do Ministério Público. Embora a proteção institucional seja legítima, a medida revela um viés corporativista que contrasta com a omissão do Estado frente à violência cotidiana contra a população comum.
STJ reconhece “pesca probatória” e anula provas contra médica acusada
Por fim, no mesmo 8 de abril, o STJ anulou provas colhidas contra uma médica acusada de antecipar mortes em hospital público, ao reconhecer que houve “pesca probatória” – uma devassa generalizada sem foco, violando a legalidade e a presunção de inocência. O caso reforça a importância de limites rigorosos à atuação estatal.
Entre o Direito e o espetáculo punitivo, é preciso escolher um lado
As decisões da semana, portanto, nos colocam diante de uma bifurcação: ou reafirmamos o Estado Democrático de Direito, com suas garantias, seus limites e sua dignidade, ou legitimamos o arbítrio e o espetáculo punitivo. Atuo todos os dias na fronteira entre essas escolhas – nos tribunais, na academia, na gestão pública. E, como jurista, sigo acreditando: o Direito não é vingança. É razão, é método, é limite. E, sobretudo, é civilização.