
Foto: Beto Albert
Apesar de todos os avanços que tivemos na sociedade nas últimas décadas, parte da sociedade voltou a retroagir por conta do radicalismo que aflorou com apoio das redes sociais e de políticos extremistas, seja de direita ou de esquerda. Lacrar é que dá prestígio e votos. Diante disso, muitas pessoas entram numa espiral preocupante. Enquanto alguns defendem abertamente golpes de Estado e até aniquilação e morte dos oponentes, o que é muito grave, outros que se dizem defensores da democracia também não aceitam ouvir o que os opositores falam.
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Um exemplo claro disso ocorreu na última quarta-feira, quando o programa F5, que comando na Rádio CDN, ouviu o deputado federal Paulo Pimenta (PT), o deputado federal Zucco (PL) e a ex-vereadora e ex-candidata a prefeita pelo PL Roberta Leitão sobre a denúncia contra Bolsonaro. Nas postagens no Facebook do Diário, foram mais de 900 comentários criticando Paulo Pimenta e uns 20 chamando o Diário de esquerdista por dar voz a ele. Do outro lado, também houve críticas ao Diário por dar espaço para Roberta Leitão e Zucco.
Nesses casos, é preciso dizer o óbvio: o papel do jornalismo é sempre tentar ouvir os dois lados, mesmo que as pessoas não entendam e não gostem. E mais, questionar o entrevistado com uma pergunta mais contundente não é porque o jornalista é contra o que ele pensa, mas dever da profissão, até para dar a ele a chance de se defender e esclarecer do que é acusado. Daí, o ouvinte e o leitor terão chance de ver as duas versões para formar sua opinião.
Ninguém pode se dar ao direito de querer calar ou cancelar pessoas, marcando aquelas que podem ou não falar. Com Hitler e outros regimes totalitários, inclusive de esquerda, começou assim: primeiro, cancelam ou matam os inimigos, e depois, cometem-se mais e mais atrocidades.
É grave e muito preocupante saber que uma parcela da população não consegue nem mais ouvir quem pensa o contrário.
Onde está a verdade?
O filósofo Fernando Schuller, comentarista da Band, reforça que temos de defender o direito de as pessoas falarem, mesmo que sejam bobagens ou opiniões contrárias às nossas, pois a verdade não está em uma única pessoa ou em um único lugar, mas num conjunto de informações. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele afirmou:
– A censura tende a mediocrizar o debate público. Isto não ocorre apenas por banir certas vozes do espaço público, mas por incutir o medo nos demais. Recentemente, a Corregedoria do Tribunal Superior Eleitoral determinou a desmonetização de contas de ativistas pró-voto impresso, no Brasil. E o fez dizendo que aquelas pessoas estavam faltando com a “verdade”. A fonte da verdade, por sua vez, eram as próprias posições do TSE. Ou seja: ou você está de acordo com as posições do TSE, transformadas em verdades oficiais do Estado brasileiro, ou você será punido. Imagine-se agora o efeito que isto tem sobre milhares de pessoas que se comunicam na internet, sobre temas políticos em geral. O recado é: se você não concordar com tais e tais posições, ou passar de um certo “limite”, que nós arbitramos, você também perderá o seu ganha-pão, então tome cuidado. É evidente que a censura nunca é feita por alguém que diz estar censurando. Ela é sempre feita em nome de razões virtuosas, como a defesa da “verdade”, das “instituições”, da “democracia”. Mesmo da “liberdade”. Esta é uma regra: nem em regimes totalitários se praticava a censura reconhecendo-se que era disso que se tratava. Hoje, no Brasil, o argumento genérico da “defesa da democracia e das instituições”, com direito a algumas variações, serve para a interdição de direitos individuais bastante concretos e protegidos, ao menos em tese, pela Constituição.
Esse exemplo é emblemático. Pedir voto impresso para tentar aprimorar a segurança das urnas, permitindo conferências com os votos digitais, como vários países fazem, não pode ser considerado uma afronta à democracia. É diferente de acusar as urnas de serem fraudadas. Porém, isso não tira o direito do cidadão de duvidar da confiabilidade das urnas, assim como muita gente não confia na segurança dos bancos, que também são suscetíveis a fraudes online. Ou querem nos impedir até do direito de duvidar?