Morar parece algo simples, mas na velhice pode não ser

José Carlos Campos Velho

Atul Gawande é médico, especialista em Cirurgia Geral, professor da Escola de Medicina de Harvard, e exerce sua profissão no Brigham and Women´s Hospital, em Boston. Gawande é conhecido mundialmente por ser médico e escritor. Seus livros versam sobre questões polêmicas e controvérsias em Medicina. Além disso, escreve com frequência para a mídia americana, como a revista The New Yorker. Reconhecidamente uma liderança médica americana, ocupou o cargo de administrador-geral da USAID, uma agência americana voltada para o desenvolvimento e ajuda humanitária à países mais pobres.


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Dois livros se sobressaem da obra de Atul Gawande: o “Checklist Manifesto” e o segundo, com o qual ganhou visibilidade internacional, “Being Mortal”, traduzido para o português e publicado no Brasil com o título “Mortais”. A inspiração para o livro surgiu pela convivência com seu pai, também médico, urologista, que nasceu na Índia e migrou para os Estados Unidos. Atmaram Gawande faleceu em decorrência de um câncer, aos 76 anos. Observando as atitudes médicas ao longo da doença do pai, Atul se deu conta do despreparo da medicina americana em cuidar das pessoas mais velhas e daqueles que são portadores de doenças com prognóstico reservado – doenças que levam à situações de terminalidade. Tanto na velhice como em doenças com perspectiva prognóstica ruim, uma medicina altamente enraizada na tecnologia e intervenções, frequentemente se revela insuficiente frente aos problemas demandados pelos pacientes e familiares. Percebendo esta questão, o autor passa a olhar com mais cuidado e respeito para as abordagens paliativas, que se voltam a um cuidado mais humanístico e respeitoso ao doente, priorizando seu conforto e a minimização do sofrimento. Nos cuidados paliativos, a comunicação com os pacientes e a família torna-se uma ferramenta poderosa no sentido da tomada de decisões, buscando sempre a racionalidade e respeitando os valores e as expectativas do paciente e sua família.


Moradia
Um aspecto que também é minuciosamente pesquisado e descrito no livro é a questão da moradia: qual o melhor lugar para uma pessoa idosa viver, uma vez acometido por doenças que a fragilizem, tornando-a mais vulnerável e à possibilidade de dependência de outrem, que tende a ser progressiva. Se pergurtarmos a uma pessoa idosa onde ela quer viver os anos finais de sua vida, provavelmente ela dirá – embora afirmando que não quer dar trabalho para ninguém – que quer permanecer em sua casa. E muitas vezes este objetivo é perseguido obstinadamente, mesmo em situações complexas que impedem que o idoso permaneça em seu lar. A questão do suporte familiar é bastante relevante. Algumas famílias assumem esta demanda do idoso e o mantém em casa, o que pode significar abrir mão da vida pessoal, enfrentar gastos maiores e o surgimento de problemas psíquicos e físicos pela contínua prestação de cuidados. É o chamado “estresse do cuidador”, que o coloca em risco de vivenciar o “burnout”, quando a oferta de cuidado ao outro se torna fonte de adoecimento e sofrimento.


Institucionalização
A institucionalização, por vezes, é a alternativa que resta. Internar um idoso em uma ILPI (Instituições de Longa Permanência para Idosos) - metáfora que hoje se utiliza para as conhecidas casas de repouso, casas geriátricas ou asilos - sempre é um dilema. Certamente as ILPIs se desenvolveram de forma significativa nas últimas décadas, havendo uma gama de instituições com estruturas diversas (desde aquelas voltadas para a reabilitação até aquelas mais simples, onde o idoso vai encontrar um local para viver o final de sua vida). Embora existam legislações regulatórias e órgãos fiscalizadores para o funcionamento das ILPIs, o que a realidade mostra é uma enorme diversidade de instituições, sendo algumas com boa estruturação, permitindo um cuidado adequado ao idoso, até aquelas que frequentam as páginas policiais e a mídia sensacionalista – verdadeiros “depósitos de velhos”. Infelizmente, quase podemos afirmar que o principal fator envolvido na qualidade da assistência são os recursos financeiros. Esta decisão é sempre um dilema para a família: a institucionalização de uma pessoa idosa. E repetimos: se questionado, e havendo condições cognitivas para tanto, provavelmente o idoso dirá que gostaria de permanecer em sua casa por um pouco mais de tempo.


Recentemente o portal Terra publicou uma reportagem sobre a criação, em Campinas, no interior de São Paulo, da Vila ConViver, que contempla 34 residências de 2 ou 3 quartos, adaptados para as necessidades das pessoas idosas. O espaço tem áreas comuns, como a cozinha, academias e espaços multiuso e áreas privativas, onde a pessoa pode preservar sua individualidade. Estas comunidades colaborativas permitem, ao mesmo tempo, um espaço de interação social e uma tentativa de resposta à questão da solidão, bastante prevalente na velhice. É provável que existirão uma miríade de possibilidades de moradia na velhice. Estas comunidades colaborativas podem ser uma estrutura que oferece qualidade de vida e convivência. Mas a complexidade desta questão da moradia para as pessoas mais velhas, certamente não se esgotará nestas estruturas sociais. Se eu pensar em mim mesmo, é possível que não me adaptasse a elas.

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