
Desde o início da Feira do Livro 2022, que começou em 29 de abril, quem passou pela Praça Saldanha Marinho notou a presença de uma estátua posta em um banquinho próximo à lateral da agência do Banrisul. A obra produzida pelo escritor e artista Carlinhos Bortoluzzi tem estrutura de metal e foi lapidada em concreto à imagem e semelhança de Paulo Neron Rodrigues, o famoso Paulinho Bilheteiro. O objetivo do artista é preservar a história de Santa Maria e, segundo ele, Paulinho faz parte de uma memória lúdica da Cidade Cultura.
Mas o que muita gente não sabia é que a visita era temporária. A escultura ficaria na praça durante a Feira do Livro e deve ser retirada do local e voltar para o artista nos próximos dias. Mas, afinal, essa era a ideia inicial do artista? Como é o trâmite legal para uma escultura ser fixada em um local público de Santa Maria? O que uma estátua significa no contexto histórico de uma cidade? A MIX deste fim de semana traz essas respostas.
A novidade repercutiu
Uma escultura de um ícone póstumo de Santa Maria recém-instalada na Praça Saldanha Marinho. A novidade repercutiu de forma imediata. Ainda em 29 de abril, um dos primeiros a surfar na onda de nostalgia proposta pelo artista Carlinhos Bortoluzzi em homenagem ao Bilheteiro foi o prefeito Jorge Pozzobom. O político deu o inicio nas fotos, vídeos e publicações instagramáveis, posando ao lado da imagem e citando a novidade no discurso de abertura da Feira do Livro. “Paulinho, nosso bilheteiro da praça: Santa Maria nunca vai te esquecer”, escreveu Pozzobom em uma publicação no Instagram, que teve mais de 800 curtidas e 60 comentários.
Em 3 de maio, a obra foi destaque da capa do Diário. A matéria foi produzida pela jornalista Jaiana Garcia e teve fotos e vídeos captados pelo fotógrafo Eduardo Ramos. Nas redes sociais do Diário, a notícia alcançou cerca de 70 mil seguidores do Instagram e do Facebook do jornal, teve cerca de 3 mil curtidas, além de dezenas de comentários celebrando a obra.

Apesar de ter repercutido entre os santa-marienses e despertado memórias afetivas de outros tempos, o que ninguém falou é que a obra não permaneceria na praça. Em entrevista ao programa F5, da Rádio CDN (93.5 FM), da sexta-feira, 13 de maio, Carlinhos Bortoluzzi reforçou que gostaria de ver sua obra exposta em praça pública. Já a prefeitura explica que a escultura é uma obra particular e não foi oferecida como um presente ao município, por isso, foi definida uma exposição temporária durante a Feira do Livro.
Com a retirada da obra da Praça Saldanha Marinho, o artista Carlinhos Bortoluzzi deve deixá-la em um espaço privado, onde realiza as obras, na Faixa Nova de Camobi.
– Minha ideia era homenagear, e eu consegui. Fico muito lisonjeado com a repercussão que teve. Mas, claro, como escritor, gosto que as pessoas leiam e vejam meus livros. Então, como artista, também gostaria que uma escultura ficasse exposta – explica o artista, que não soube precisar quanto gastou para produzir a obra e nem respondeu se daria a escultura de presente para Santa Maria. Por outro lado, ele não descarta vender a estátua caso uma empresa ou o próprio município se interesse. Porém, não revelou o valor.
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De acordo com a prefeitura, instalações de estátuas, monumentos e demais produções são feitas por meio de iniciativas do Poder Público ou por projetos de lei (propostos por parlamentares ou, ainda, sugeridos pela população). Essas obras também podem ser oferecidas ao município como presentes de artistas ou empresas, o que não foi o caso da escultura do Paulinho Bilheteiro. De acordo com a Secretaria Extraordinária de Comunicação da prefeitura de Santa Maria, mesmo que a escultura fosse oferecida ao município, neste momento, considerando as obras do Calçadão e futuras reformas na Praça Saldanha Marinho, não seria possível fixar esculturas ou outras iniciativas nesses locais.
Projeto sugestão
Em 2021, o vereador Adelar Vargas, o Bolinha, chegou a criar um projeto sugestão que previa a “colocação de uma estátua, busto ou herma em Praça pública central no Munícipio de Santa Maria, em homenagem ao saudoso Paulo Neron Rodrigues – Paulinho Bilheteiro”. Segundo o vereador, para não onerar o município, ou seja, não gerar gastos ou endividar, a iniciativa se tornou o projeto sugestão nº 0001/2021.
– Já fui engraxate e, quando exercia a profissão, via sempre o Paulinho pelo Calçadão. Ele faz parte da minha memória, mas, mais que isso, é a memória da cidade. Então, o projeto foi uma forma de homenagear essa figura – explica.
De acordo com Vargas, o projeto não saiu do papel, e a escultura que chamou a atenção, feita pelo artista Carlinhos Bortoluzzi, não tem a ver com a proposta realizada no ano passado.
Outras esculturas e monumentos


A escultura do Ícaro, personagem da mitologia grega que é representado no monumento O Idealista, localizada na rótula da Avenida João Luiz Pozzobon, por exemplo, foi uma iniciativa licitada no mandato do ex-prefeito Cezar Schirmer. Já o monumento O Gaúcho, que está sentado na rótula da Avenida Medianeira, foi um presente dado ao município, em 2015, pela empresa SR Engenharia Industrial.
Em 2016, o Calçadão Salvador Isaia e outros pontos da cidade receberam esculturas criadas pelos artistas que participaram de quatro edições do Simpósio Internacional de Escultores, realizadas até 2015, em Santa Maria. Desde 2020, as obras que estavam no Calçadão ganharam um novo endereço. A escultura O Leitor, por exemplo, uma das mais conhecidas, está no Museu de Arte de Santa Maria (Masm). As outras, na Avenida Rio Branco.
Ainda, a instalação desses objetos de arte passa por aprovação das secretarias de Mobilidade Urbana e de Cultura, além do Instituto do Planejamento (Iplan).
A arte e a história
Nas pesquisas sobre história local que realiza, o professor João Malaia Santos destaca que a importância de estátuas sobre personalidades populares já que ajudam a despertar um sentimento de pertencimento e fortalecem a identidade local.
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– Às vezes, passamos por alguns monumentos e não entendemos o motivo de aquilo fazer parte da cidade. E não me refiro àqueles que a gente não conhece a história, mas, sim, os que não fazem nenhuma ligação com o desenvolvimento da cidade. Por isso, a estátua do Paulinho repercutiu tanto e despertou sentimentos nostálgicos nas pessoas que viveram naquela época – explica João.
Parada obrigatória

Há duas semanas, pessoas como Marcelo Santos e Querlen Bortoluzzi pararam no local, admiraram e aproveitaram para sentar ao lado da estátua de Paulinho e tirar fotos.
— Nossa, é muito bom poder reviver alguns momentos na memória quando a gente para e admira esse trabalho. Lembro de ver o Paulinho e o Claudinho juntos e, recentemente, vi uma foto do Claudinho com a estátua, me emocionei. Já mandei fotos da escultura para amigos que nem estão mais em Santa Maria, mas amaram saber da novidade — comemora Marcelo.
Já para a professora Leci Carvalho, ver a estátua é relembrar da família. Quando era criança, ela costumava ver o avô, Carlos Bueno da Fontoura, comprar dezenas de bilhetes de loteria de Paulinho. Às vezes, eram tantas unidades que Leci fazia rolos com os papéis:
— E ele nem conferia se tinha ganhado ou não. Comprava bem mais pelo costume e como forma de parceria com o Paulinho já que eram amigos. É muito bom quando alguma parte da cidade nos desperta esse sentimento.
Afinal, quem foi Paulinho?
Não basta dizer que o Paulinho Bilheteiro é uma personalidade icônica do Coração do Rio Grande, é preciso também contar quem foi uma das figuras mais conhecidas e bem-quistas do Centro da cidade.



Além de ser conhecido como vendedor de bilhetes e pela simpatia, Paulinho marcou a cena da dramaturgia local. A peça de estreia foi O Casaco Encantado, de 1959, da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, dirigida por Edmundo Cardoso. Nesse período, Paulinho se destacou em outras peças o Pluft, O Fantasminha (1960), O Cavalinho Azul (1960), Maria Minhoca (1968), todos de Maria Clara Machado, A Revolta dos Brinquedos, de Pernambuco de Oliveira e Pedro Veiga, (1971 e 1972) e Dona Patinha vai ser Miss, de Artur Maia (1975 e 1976), e conquistou o público infantil da época.
Depois, na juventude, Paulinho começou a trabalhar como vendedor de sucos de frutas em jogos do Inter-SM e do Riograndense. O trabalho despertou uma nova paixão: o Inter. Assim, era comum ver Paulinho ao redor da Baixada Melancólica e, especificamente, nas arquibancadas do Estádio Presidente Vargas.

Em março de 2013, a morte de Paulinho foi sentida pelos santa-marienses que, além de lamentarem, sentiram diariamente a ausência de uma figura querida que já não circula mais pelo Calçadão.